Há pouco tempo visitamos minha prima
Lígia em sua casa no campo e tive a grata oportunidade de conhecer Cristina,
uma portuguesa simpática que tem uma casa nos arredores da “Oka Katupé”, em São
Lourenço, alternando sua morada entre Santiago de Compostela e Brasil. Qual não
foi minha surpresa quando minha prima me presenteou com o livro de Cristina
“Quando o meu cão me passeia”. Fiquei absolutamente encantada com o livro de
crônicas curtinhas que tratam de questões simples, diárias, que falam de
cozinhas, de cães, filhos, envelhecimento, planetas, e outros temas que nos acontecem
e nos acompanham a qualquer hora do dia a dia e da vida. Reparo que digitei
acima “questões simples” quando na verdade são questões grandiosas, a gente é
que não percebe quão grandiosas são.
Quem escreve tem que ler, não há
outro caminho para escrever porque é quando lemos que somos assaltados pelo desejo
de escrever. Mais do que nunca comprovo ser verdade o que li no livro “O rumor
da língua” de Roland Barthes. O grande
linguista e filósofo diz que não é que desejamos escrever como o autor, nem que
desejamos escrever o que o autor escreveu, mas simplesmente ficamos com o
desejo de escrever. E ele cita o escritor Roger Laporte que diz algo lindo:
“Uma pura leitura que não suscite uma outra escritura é para mim algo
incompreensível... A leitura de Proust, de Blanchot, de kafka, de Artaud não me
deu vontade de escrever sobre esses autores (tampouco, acrescento, como eles), mas de escrever.”
Voltando ao “Quando meu cão me
passeia”, gosto de tudo, mas uma crônica me chamou mais a atenção. “Da cozinha
e das elites”. A autora estava na cozinha preparando algo para a família quando
sua filha entrou e lhe disse simplesmente que já sabia o que queria ser quando
crescesse, talvez uma pintora ou atriz, não uma cozinheira como a mãe. A
princípio Cristina se indignou e fez lembrar a filha que ela tinha uma
carreira, com curso superior, com artigos no jornal, etc. Entretanto, ela de
repente percebeu seu engano, talvez preconceito para com a culinária. E mais, percebeu
que ela era, acima de tudo, mãe e “tratadora” de cinco filhos, e como tal, era
por excelência, cozinheira. E tece reflexões sobre hábitos e profissões
intelectuais, de raciocínios, e o quanto é agradável descobrir o lado criativo
de passar a ferro ou descascar batatas. Concluiu que a gente é o que faz no
momento, e assim, agradeceu ao episódio com a filha Sofia por descobrir também
que é cozinheira enquanto cozinha. O que mais me encantou foi como terminou a
crônica: “... é com serenidade que assino este pequeno texto como: Cristina
Hauser, Cozinheira.”
Isto me fez pensar sobre um conflito
que tenho sempre quando me perguntam o que sou, ou seja, minha profissão. Na
verdade, odeio dizer aposentada, pois sugere que nada mais faço da vida. Às
vezes acrescento “bancária aposentada”, mas igualmente não gosto, embora o
emprego como bancária foi o que me deu sustento, mas falo de desejos e prazer.
Reflito, reluto, e algumas vezes, mesmo envergonhada, digo: “escritora”, e
confesso que sinto um imenso prazer ao dizer isto porque escrever é o que faço
com tesão, desculpe o termo. Também lavo, passo, limpo, cuido das plantas, cozinho
mal pra caramba, mas sou dona de casa com orgulho. Só não sou mãe. Não? Sou
sim, toda mulher nasce mãe, com instinto maternal e tudo. Mas falando sobre
profissões, sobre dizer o que é ou o que faz, meu marido já se apresentava a
mim quando nos conhecemos nos seguintes termos: sou engenheiro, advogado,
pedreiro e cozinheiro, deixando por último as duas ocupações que mais curtia e curte.
Parabéns a Cristina pela
sensibilidade, pelas crônicas adoráveis que me despertaram o “desejo de
escrever”. Considero um livro precioso. Cristina Hauser é licenciada em
História, trabalhou em Teatro, Televisão e Cinema e é ... escritora e Cozinheira.
Valeu Cristina!