sexta-feira, 26 de agosto de 2016

ORAÇÃO








Perdoa, meu Deus, que hoje já não sou a mesma de ontem e talvez minha esperança esteja nessa constatação. Perdoa porque nem uma única palavra sai de minha boca e nenhuma ternura de meu coração. Não sei para onde foram a riqueza, a alegria e a ânsia de viver que ontem faziam parte de mim. Hoje não quero rezar, hoje estou mergulhada no mundo, seduzida e esmagada pelo mundo. Hoje estou seca, triste, medrosa, rancorosa, amargurada. Também não sei que portas se abriram ou se fecharam dentro de mim. Haverei sempre de conviver com essa estranha que sou. Perdoa, meu Deus, paciência comigo que sei o Senhor tem. Hoje sou apenas mundo, hoje sou feita de coisas pequenas e mesquinhas, de misérias humanas de que este mundo é feito. Se me desmanchassem hoje, apenas achariam mundo, matéria, ossos, músculos, sangue, pó, maus pensamentos e mundo, sempre mundo. E hoje, mais do que qualquer outro dia, sou capaz de compreender com absoluta clareza o que Santa Teresa queria dizer quando falava sobre o constrangimento de permanecer na Sua companhia, Senhor, justamente por nossas naturezas serem tão diferentes, uma vez que para ser verdadeiro o amor e duradoura a amizade, os gênios devem combinar, palavras dela, o Senhor sabe. E como somos diferentes, Senhor! Ah! Como somos diferentes! Sendo nossa natureza tão contrária, sei que a Sua é perfeita, de não incorrer em falta enquanto a minha é viciosa, sensual e ingrata. Só Santa Teresa para me animar quando me aconselha a suportar esse constrangimento de permanecer junto ao Senhor pelo amor com que me ama.
Tenho tantos pedidos, mas hoje quero pedir apenas uma vontade forte e plena de amar Deus sobre todas as coisas, de querer chegar perto Deus para me tornar boa. Também quero ser menos Marta e mais Maria, pois esta não vivia ansiosa como aquela. Senhor, preciso de ajuda para poder perdoar as pessoas pelo que me fizeram sofrer, ora, o Senhor sabe que eu também já causei sofrimentos aos outros, e se eu não perdoá-los também não serei perdoada.  
Hoje minha aridez incomoda-me, nada me resta a não ser entregar ao Senhor esta secura que me devora, que me devasta. Preciso de sua ajuda para que a tristeza que hoje sinto seja apenas sentida e não consentida. Perdão, sinto vergonha porque sempre soube que a mim muito foi dado. Quero voltar, dispenso a morte dos gordos novilhos, quero apenas voltar e sentir seu abraço de amor. Toma minhas misérias, pecados e impossibilidades como únicos presentes que trago, é só o que tenho a oferecer.
Meu consolo para a seca de minha alma no dia de hoje são as duas Teresas, pois se uma me faz compreender a minha devastada pobreza espiritual, a outra me consola quando diz que se rejubilava não só quando a classificavam de imperfeita, mas, sobretudo quando ela mesma verificava que o era e que elogios de virtude só lhe causavam desprazer.

Obrigada, Senhor pelas duas Teresas, obrigada pelo Seu perdão, estou voltando.

domingo, 21 de agosto de 2016

LÁGRIMAS OLÍMPICAS, LÁGRIMAS DE TODOS NÓS




            Eu estava assistindo à entrevista com as jogadoras de vôlei Ágatha e Bárbara logo após terem perdido para as alemãs. Ao falar com o repórter, Bárbara de repente parou alguns instantes com a voz embargada porque sobreveio um choro emocionado. Lágrimas saíram profusas e em seguida ela concluiu com palavras de agradecimento à toda a equipe e à torcida maravilhosa. Eu também fiquei emocionada ao assistir à fala de Bárbara e de Ágatha, ambas ainda suadas e cansadas pela luta ferrenha que haviam travado no jogo de vôlei de praia. E me peguei pensando no mistério das lágrimas que sempre comparecem para lavar nossa alma. Aliás, a função das lágrimas, além daquela fisiológica de lubrificar os olhos, é de nos a ajudar a liberar as emoções conturbadas, sejam de tristeza ou de alegria.
            Para mim, as lágrimas sempre pareceram morar mais na alma do que numa mera bolsinha física perto dos olhos. É no fundo da alma que ficam adormecidas até que nossas emoções sejam abaladas, aí se aprontam e vêm calorosas. Nunca vou me esquecer das copiosas lágrimas que derramei quando nos mudamos de Pedralva. Na época isto representou para mim uma perda inigualável. Naquela delicada travessia de minha infância para a adolescência, lembro-me de ter me espantado com a quantidade de lágrimas que cabiam dentro de mim. Na verdade, eu pensava que um dique havia se rompido em minhas entranhas formando um rio caudaloso de lágrimas e que em breve eu morreria afogada em minhas amargas lágrimas. Infelizmente naquela época não se usava este cuidado que hoje se tem com crianças e adolescentes e esta foi uma luta só minha, que eu venci aos trancos e barrancos. Não guardo mais nenhuma mágoa de ter sido ignorada em minha dor, pelo contrário, a maturidade me fez enxergar os sentimentos de tristeza de meus pais, tão solitários quanto eu. Mas isso é outra história.    
            E há as lágrimas de alegria, de euforia, como as de Rafaela Silva, as de Poliana Okimoto, que conseguia falar e chorar ao mesmo tempo, pura emoção! Nunca vi nada mais bonito do que lágrimas e sorrisos ao mesmo tempo! E que melhor lugar para encontrar pessoas derramando lágrimas do que no palco de uma Olimpíada? Todos com nervos à flor da pele! Imaginem só: se quando cantamos o Hino Nacional nosso coração bate mais forte, imagine um atleta com a medalha pendurada no peito olhando emocionado para a bandeira que tremula ao vento? Fala a verdade! Realmente, haja coração!     
            Há momentos em que estamos no limite da emoção, sabemos que as lágrimas  não vão tardar, mas não queremos chorar, ou talvez mais provável que não queiramos que nos vejam chorando, então tratamos de trancar os dentes e fechar os lábios. Nenhuma palavra deve ser proferida porque se tentarmos falar, seremos traídos pelas lágrimas que assomam incontidas, e aí ou falamos ou choramos porque parece impossível lidar com as duas coisas ao mesmo tempo.
 Minha mãe era dura, não chorava quase nunca, pelo menos nos momentos mais frágeis de sua vida ela ficou firme. Mas bastava um filme qualquer da sessão da tarde com uma cena triste para ela engolir em seco e fungar, tentando disfarçar com a mão no rosto. Somos humanos. Afinal, já dizia Shakespeare: “Quem tem lágrimas, prepare-se para derramá-las.” Ou seja, quem está vivo, quem é humano, quem tem sentimentos já nasce com seu arsenal infindável de lágrimas, e certamente vai precisar muito derramá-las durante sua vida. A vida não é, pois, um vale de lágrimas?Então, que venham e nos lavem a alma!



               

sábado, 13 de agosto de 2016

SAPATOS NOVOS



Adicionar legenda


Eu sou consumista, assumo. Já fui mais, mas ainda sou. O problema é ver, a cobiça dos olhos, entende? Se estou em casa, se estou escrevendo, lendo ou fazendo almoço, não tem problema. O problema é ver, não sei como inventam tanta coisa bonita para mexer com a vontade de comprar. E a gente é mulher, vaidosa, gosta de se enfeitar, de pintar as unhas de florinhas, de admirar vitrine, de namorar um sapato, mesmo que no armário estejam mais outros tantos. Contra o argumento de meu marido de que já tenho vários pares de sapatos, eu tento fazê-lo entender que este sapato é diferente daquele (fato absolutamente incompreensível para ele). Confesso que gostaria de ser menos vaidosa, de ser mais simples, assim despojada, de não sentir tanta falta do batom e nem do perfume. Conheço algumas mulheres que são bem naturais e sinto uma secreta inveja, nem tão secreta assim, para dizer a verdade. Desejaria ser como elas. Mas, voltando ao sapato. Não aguentei. Voltei no dia seguinte e comprei. Uma vez concretizado o ato, só me restava relaxar, algo como agora não adianta sofrer, o que está feito está feito, já que está comprado vou curtir, e pouco a pouco a culpa foi-se embora deixando um delicioso sentimento de criança feliz. E assim vinha eu, feliz da vida com a sacola no braço, e foi aí que vi um moço, vestido pobremente em frente a uma dessas agências de emprego. Ele olhava atentamente para os anúncios, vaga disso, vaga daquilo. Foi como um soco no estômago, uma notícia ruim. Reparei que seus sapatos eram velhos, pareciam bem maiores do que os pés. Sua roupa também era simples, surrada. Era um moço desempregado, vai ver que não tinha nada no bolso, que não tinha nada para levar para casa naquele dia e eu levando um par de sapatos novos de que não precisava. Doeu. Guardei minha felicidade. Se tivesse passado pela outra rua não teria visto o moço, o que os olhos não veem, o coração não sente, não é assim? Mas vi, não tem como negar. Lembrei-me da oração dos Santos Anjos: “tirai de nossos olhos as vendas que nos impedem de ver as necessidades de nosso próximo e a miséria de nosso ambiente porque nos fechamos numa mórbida complacência de nós mesmos”. Ah meu Deus, tem piedade de mim. É que sou mulher, gosto de me enfeitar. Desejei que o moço me pedisse qualquer coisa, até o par de sapatos eu daria para sua mulher, sua mãe, sua namorada. Se ele tivesse me pedido, teria sido mais fácil para mim. Quis ajudá-lo, mas fiquei com vergonha, não sabia como abordar, ele poderia ficar ofendido, e também não é assim que vou aplacar a culpa de ter comprado sapatos novos. Da próxima vez vou resistir. Da próxima vez vou prestar mais atenção nas necessidades dos outros, da próxima vez vou me lembrar de que o que me sobra, falta a alguém e não vale dizer que o desemprego e a pobreza são problemas dos governos, da próxima vez, ah, deixa pra lá, afinal é só um sapato. É que sou mulher, vaidosa, humana, demasiadamente humana, entende?  

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

ALEGRIAS E AGONIAS DE UM ATLETA OLÍMPICO





Enquanto eu esperava minha vez no fisioterapeuta fiquei assistindo à apresentação de Rafaela Silva lutando pelo seu Ouro, e qual não foi minha grata surpresa quando ela venceu a judoka da Mongólia, líder do ranking mundial. Pude vibrar junto com milhares de brasileiros com a vitória da campeã! Como foi bom compartilhar com o coração enternecido, as lágrimas de alegria e emoção da garota de infância pobre da Cidade de Deus que soube batalhar pelo reconhecimento de sua habilidade e talento. Rafaela teve que lutar contra uma vida difícil, contra o preconceito, contra o desânimo e tristeza pela desclassificação em Londres. Nada é fácil, mas há que se lutar.
No mesmo dia, assisti um pouco às ginastas fazendo suas incríveis apresentações. Uma delas, uma estrangeira, não vou saber agora dizer de onde, desequilibrou-se várias vezes e quase caiu. Ofegante, ela fez um cumprimento usual e foi ao encontro da treinadora que colocou as mãos em seus ombros dizendo algumas palavras que obviamente não foram ouvidas pelo público. Pareciam ser palavras de conforto, talvez de incentivo, talvez de ordem. A menina permaneceu de costas ainda puxando o ar, dando mostras de que estava chorando. A treinadora, treinada também para ser firme com as emoções, ainda falou algumas coisas e saiu. Depois de um tempo, a ginasta voltou-se para a câmera e percebi que ela não havia chorado, enfrentou a má apresentação com galhardia, afinal os erros fazem parte, excetuando alguns raros semideuses que só venceram e venceram.
O problema são os outros ou “o inferno são os outros”, como dizia Sartre. Se eu escorregar e cair dentro de casa, ninguém vai me ver, então, vai doer, mas tudo bem, ninguém viu. Mas em público, e com todos os olhos do mundo me observando, ah, eu não tenho nervos de aço. Para ser um atleta olímpico, ou para chegar lá, a pessoa tem que ter um controle mental acima da média. De duas uma: ou vai perder ou vai ganhar. Também há duas escolhas no caso de perder: ou vai em frente e tenta de novo ou vai pra casa e nunca mais sai. É só um jogo, não é a vida. Não é a vida? Os jogos olímpicos são a vida para quem é atleta que chegou tão longe. Tudo bem que não é uma arena com leões que vão te devorar como em Roma antiga, nem são os jogos vorazes em que todos vão se destruindo, até que reste um único vencedor. Mas perder é terrível, verdade seja dita.
Bem, no frigir dos ovos é sempre nossa imagem que está em jogo, nossa imagem de sucesso ou de fracasso. Mas na realidade não devemos pautar nossa vida pelos olhos dos outros. Quando eu era uma adolescente joguei vôlei nas aulas de educação física. E como o bullying sempre foi uma prática detestável entre os humanos, tinha que ouvir enquanto estava jogando: a Misa vai perdeeer ... a Misa vai perdeeer ... e eu deixava a bola cair. Como eu realmente não era muito amiga da bola, abandonei o bendito vôlei. No entanto, um tempo depois eu ouvi de uma colega que o professor queria saber o tinha sido feito de mim porque ele achava que eu era boa de serviço. Nossa! Então eu era boa? Os outros? Bem, os outros são sempre os outros.
Enfim, devemos aprender a usar nossos fracassos como pedras para calçar nosso sucesso, é o que fez a Rafaela Silva. Perder faz parte do jogo olímpico e do jogo da vida. É fato. Mas não nos esqueçamos: só pisa na bola quem está em campo. Quem passa a vida só assistindo ao jogo nunca saberá o gosto da vitória. 
Parabéns para a Rafaela! Valeu menina!





sábado, 6 de agosto de 2016

OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE




Pois é gente, e a vida passa aceleradamente, e coisas que pra mim sempre foram coisas de avós, pais e tios, agora são minhas também. Eu me refiro a enfermidades do corpo causadas pelo tempo, desgaste de uso dos órgãos, dos ossos, da musculatura, olhos embaçados e arcada dentária desconfigurada. É verdade que muito tem sido descoberto e muitas limitações podem ser amenizadas trazendo melhor qualidade de vida. Por exemplo, para a artrose: as glicosaminas, condroitinas e diacereínas. Para a articulação em geral: cloreto de magnésio e colágeno, para o cérebro: a ginkigo biloba e ômega 3, para a saúde da mulher: o cramberry, para a baixa imunidade: a geleia real, para osteoporose: pastilhas mastigáveis de cálcio e vitamina D, e muitas outras novidades. Na realidade, nem tanto assim novidades porque muitos itens já eram do conhecimento da época de minha mãe, quero dizer, coisas que os tempos modernos fizeram a gente esquecer, afinal quem diria que o melhor colágeno era o pé da galinha?  No entanto, esses mesmos tempos modernos trouxeram péssimos hábitos como o de refrigerantes e margarinas.
Todo este introito para dizer que idade chegou, a catarata nos olhos se formou e lá fomos consultar o oftalmologista que me promete ficar livre dos óculos, que uso até para tomar banho, dormir, e sonhar. Já tenho o cacoete de levar as mãos aos olhos para ajeitar os óculos no rosto. O médico é “o cara”, competente, bonito, charmoso, mas que me diz com todas as letras que vale a pena investir na qualidade de vida, pois segundo as estatísticas, o brasileiro hoje vive em média 85 anos e que, no meu caso, mais vinte e lá vai pedrada compensam o investimento. Embora sempre consciente da realidade de que sou uma senhora vítima da avassaladora crueldade do tempo, saí do consultório sentindo uma casquinha de depressão porque uma coisa é a gente saber que já viveu muito mais do que tem pela frente para viver, e outra é ouvir de outra pessoa esta verdade sem sutilezas, sem maquiagem, sem pejo.
Mas tudo bem, sou espirituosa, e tendo com quem compartilhar o senso de humor tão necessário em nossos tenebrosos dias atuais, consigo levar no otimismo, e foi assim que deixamos a clínica de olhos, depois de fazer trezentos e cinquenta e dois exames. Conclusão: devo operar em dois meses. Meu medo, tirando aquele medo normal de toda macro, média e micro cirurgia, é ficar enxergando coisas que preferia não enxergar, tipo mais rugas e vincos nos cantos da boca e pelos de gatos que ainda não tenho, mas pretendo ter, pois estou cansada de ir à casa de minha irmã para brincar com os gatinhos dela. Quero tê-los o tempo todo, com todas as incumbências, cuidados e trabalhos que trazem. Adoro ver um felino charmoso querendo brincar. Não resisto.
Bem, como ia dizendo, meninas que nunca deixamos de ser, minha irmã e eu saímos saltitantes da clínica porque tínhamos mais um dia e meio para curtir Poços de Caldas, aquela cidade linda, com as Thermas Antonio Carlos. E fomos tomar café, fomos tomar vinho, rimos até cansar, tiramos tantas fotos que minha amiga brincou conosco no whatsap: “ocêis foram aí pra consultar ou para fazer um book”? adorei! Também adoramos encontrar com Olga, a amiga e ex-colega BB que não víamos há séculos!  
E o título do artigo: “olho por olho e dente por dente”? Ah sim, não se trata de nenhuma vingança, apenas uma constatação de como está caro viver sem óculos, como tudo está caro, mama mia! Ainda bem que é um olho de cada vez, a gente economiza pra um, depois pra outro, o que fez minha irmã dizer que depois dos olhos, vai melhorando a boca, fazendo um implante dentário por vez, ou seja, um dente de cada vez. Assim, olho por olho, dente por dente, vamos melhorando até quando Deus quiser ...              
            

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

ATLETAS OU SEMIDEUSES?




            Atletas e esportistas há e muitos. Entretanto, assim como em outras áreas, apenas uma pequena parcela se destaca, inscrevendo seus nomes na história. Estes são excepcionais, viram lendas, lembram aqueles heróis semideuses filhos dos deuses olímpicos com mortais. À medida que o tempo passa, novos detalhes são acrescentados em suas histórias maravilhosas e inacreditáveis, não mais importando se são verdade ou não. O que importa é que emocionam toda a gente comum, quero dizer, os simples mortais, gente como a gente, que liga a televisão e assiste embasbacado às impossíveis façanhas quase sobrenaturais bem como às impossíveis quebras de recordes. Aí os pais incentivam suas crianças a praticarem esportes, quem sabe um dia elas serão capazes de um feito fantástico como o desses verdadeiros titãs.  
            E assim assistimos ao incrível Pelé, nosso herói nacional, eleito o Atleta do Século, com sua excelente habilidade de drible, chute, de cabecear e outras tantas. Ficamos emocionados com a perícia, coragem e audácia de Ayrton Senna. Pudemos ver o grande Michael Jordan, o melhor jogador de basquetebol de todos os tempos, o homem “que controlava a gravidade e andava no ar”. E vibramos com Nadia Comaneci, a romena que foi a primeira ginasta a receber uma nota dez, com seu desempenho mais do que perfeito. E por aí vai, Paavo Nurmi, lá na década de 20, o finlandês voador, o maior corredor de todos os tempos, que treinava com uma dedicação exclusiva, segurando o relógio na mão. Também Carl Kewis, outro americano dos bons em corridas e salto em distância, que quase se igualou ao finlandês voador. São muitos e fica difícil citar todos.  
            Mas quando pensávamos que já havíamos visto todos os semideuses, eis que parece descer do Olimpo o maior dentre todos – o titã Michael Phelps, O atleta, o maior nadador da história, o maior medalhista olímpico de todos os tempos, O cara. Nada menos que o menino de orelhas grandes de Baltimore, que dava trabalho na escola, diagnosticado com Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e por isso mesmo, aconselhado a praticar a natação. E parece que o moço se encontrou nas águas, com controle total sobre elas, se sentindo tão em casa e tão certo de seu poder como se fosse filho de Poseidon, mostrando que na água este poder é insuperável e assim será até que outros tempos venham nos presentear com outros fenômenos espetaculares.  
            Evidentemente que a comparação com semideuses é só literária, embora mais do que apropriada e justa, tendo em vista as qualidades fantásticas dos atletas, como o controle da gravidade de Michael Jordan que aprendeu andar no ar e de Michael Phelps que se transforma num peixe veloz. Todos esses excepcionais atletas e esportistas são mortais como nós, são de carne e osso, mas eles perceberam que o ideal podia ser real e podia ser atingido. Também sua força não é de graça. Combinaram um tremendo talento natural com qualidades infalíveis, a persistência e a dedicação. Paavo Nurmi, o finlandês voador, foi um atleta que treinava com uma devoção fervorosa. Dizia ele que “o sucesso no esporte vem todo da devoção, o atleta deve fazer da devoção uma especialidade”. Ele foi um dos primeiros atletas a ter um método sistemático de treinamento. E Michael Phelps treina nada mais, nada menos do que dez horas por dia.
            Parabéns para eles!
            E aqui ficamos curiosos na torcida para que tudo dê certo, já que não tem volta esta empreitada! Que tudo corra como assim querem os deuses do Olimpo e os atletas semideuses.
    
           
             

             

             

            

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O CASO DA MULA EMPACADA





Ouvi isso de minha mãe que ouviu de seu pai. O caso foi mais ou menos o seguinte: meu avô, lá pelos tempos primeiros do século XX, despediu-se de sua mãe, ao sair para conduzir uma tropa. Seguia com ele o Dito preto, fiel amigo e sócio no negócio das tropas. Levavam diversas mulas para outro sítio. Como todos eram muito religiosos, mas muito mesmo, todos eles, e aquela época muito mais piedosa que a de hoje, meu avô pediu a benção da mãe, que lhe respondeu: vai com Deus, meu filho, e que Nossa Senhora te acompanhe e te ajude. Pois bem, isso era cumprimento normal, ainda é, mas já nem tanto. E foram, e foram. Subiram serras, desceram outras serras, pararam para comer e dar de comer e beber à tropa. Quando pela tardinha, subiam mais uma serra, uma das mulas empacou. Nada, nada fazia a mula andar. Meu avô, que já tinha prática no ofício, fez de tudo ao seu alcance para fazer a mula sair do lugar. O Dito veio, fez de tudo também e a mula, nada. Começava a escurecer e não havia jeito. Como deixar a mula pra trás? Enquanto pensava, meu avô decidiu que era melhor que o Dito fosse com as outras mulas para não atrasar e ele ficou mais um pouco, quem sabe a mula teimosa descansava um tanto e resolvia andar.
Agora, já quase céu escuro e as primeiras estrelas apontavam. A mula, decidida a não mais andar, fincou os pés no chão. Não houve agrado, nem relho, nada, nada. Meu avô já ia fazer o que devia, que era ir embora sem a mula, pois não estava disposto a passar a noite naquele ermo de montanha, sem alma viva que não fosse a sua. Virou as costas e começou a subir sozinho quando ouviu aquele comando conhecido que todos fazem para tocar cavalos ou mulas, vamooooooooooo, seguido daquele som que se parece com vários beijos jogados assim, digamos, rudemente, quando se aperta bem os lábios e sai um ruído de beijo estalado. Foram uns três comandos e a mula saiu do lugar mansamente e começou a andar. Meu avô sentiu os cabelos da nuca eriçarem, arrepiou-se todo, sabia estar sozinho com a mula. Morrendo de medo, virou-se, com a esperança de que fosse o Dito preto que tivesse voltado, não havia ninguém. E a mula seguia. E seguiram os dois, completamente sozinhos naquela imensidão de serra e silêncio. Um pouco mais adiante, ele começou a galopar e a mula o seguiu sem problemas.

Dois dias mais tarde, quando já estava de volta à fazenda de onde havia saído, relatou à sua mãe o acontecido. Ela, naquela certeza sem espantos, própria de quem já viveu e viu de tudo, disse a ele, foi Nossa Senhora, não tá lembrado quando saiu daqui e eu te encomendei a elaHomem de pouca fé!