Perdoa, meu Deus, que
hoje já não sou a mesma de ontem e talvez minha esperança esteja nessa
constatação. Perdoa porque nem uma única palavra sai de minha boca e nenhuma
ternura de meu coração. Não sei para onde foram a riqueza, a alegria e a ânsia
de viver que ontem faziam parte de mim. Hoje não quero rezar, hoje estou
mergulhada no mundo, seduzida e esmagada pelo mundo. Hoje estou seca, triste,
medrosa, rancorosa, amargurada. Também não sei que portas se abriram ou se fecharam
dentro de mim. Haverei sempre de conviver com essa estranha que sou. Perdoa,
meu Deus, paciência comigo que sei o Senhor tem. Hoje sou apenas mundo, hoje
sou feita de coisas pequenas e mesquinhas, de misérias humanas de que este
mundo é feito. Se me desmanchassem hoje, apenas achariam mundo, matéria, ossos,
músculos, sangue, pó, maus pensamentos e mundo, sempre mundo. E hoje, mais do
que qualquer outro dia, sou capaz de compreender com absoluta clareza o que
Santa Teresa queria dizer quando falava sobre o constrangimento de permanecer
na Sua companhia, Senhor, justamente por nossas naturezas serem tão diferentes,
uma vez que para ser verdadeiro o amor e duradoura a amizade, os gênios devem
combinar, palavras dela, o Senhor sabe. E como somos diferentes, Senhor! Ah!
Como somos diferentes! Sendo nossa natureza tão contrária, sei que a Sua é
perfeita, de não incorrer em falta enquanto a minha é viciosa, sensual e
ingrata. Só Santa Teresa para me animar quando me aconselha a suportar esse
constrangimento de permanecer junto ao Senhor pelo amor com que me ama.
Tenho tantos pedidos,
mas hoje quero pedir apenas uma vontade forte e plena de amar Deus sobre todas
as coisas, de querer chegar perto Deus para me tornar boa. Também quero ser
menos Marta e mais Maria, pois esta não vivia ansiosa como aquela. Senhor, preciso
de ajuda para poder perdoar as pessoas pelo que me fizeram sofrer, ora, o
Senhor sabe que eu também já causei sofrimentos aos outros, e se eu não
perdoá-los também não serei perdoada.
Hoje minha aridez incomoda-me,
nada me resta a não ser entregar ao Senhor esta secura que me devora, que me
devasta. Preciso de sua ajuda para que a tristeza que hoje sinto seja apenas
sentida e não consentida. Perdão, sinto vergonha porque sempre soube que a mim
muito foi dado. Quero voltar, dispenso a morte dos gordos novilhos, quero
apenas voltar e sentir seu abraço de amor. Toma minhas misérias, pecados e
impossibilidades como únicos presentes que trago, é só o que tenho a oferecer.
Meu consolo para a seca
de minha alma no dia de hoje são as duas Teresas, pois se uma me faz
compreender a minha devastada pobreza espiritual, a outra me consola quando diz
que se rejubilava não só quando a classificavam de imperfeita, mas, sobretudo
quando ela mesma verificava que o era e que elogios de virtude só lhe causavam
desprazer.
Obrigada, Senhor pelas
duas Teresas, obrigada pelo Seu perdão, estou voltando.