quarta-feira, 30 de novembro de 2016

CHAPECOENSES - A INOMINÁVEL TRAGÉDIA

Só males são reais ... só dor existe” (Antero de Quental)


Dizem os velhos cansados da vida: “antes a morte me levasse que já me cansei de viver e não eles, os moços fortes e alegres.”
Dizem os pais: “antes tivesse sido eu, pois os pais e as mães sempre dariam a vida pelos filhos.”
Dizemos nós: “isso não é possível, isso não é verdade, é triste demais, é impiedosamente triste e doloroso!”
Queríamos que o tempo voltasse, que o tempo parasse, que ninguém viajasse, que tivéssemos o poder de voltar os ponteiros, de acertar a vida, de espantar a morte e a tragédia. Queríamos que tivesse sido apenas um pesadelo terrível desses em que a gente acorda e diz: “que bom, foi apenas um sonho mau.”
Queríamos que tudo não tivesse passado de um terrível engano, dessas notícias falsas e cruéis que espalham por aí na mídia. Ou então que nossos rapazes tivessem sobrevivido de alguma forma, todos eles, escondidos na mata, sem saber como sair, com fome e com sede, esgotados, mas vivos e fortes e alegres, com aqueles risos incríveis, com aquela vida toda pela frente, com aquela alegria esfuziante, com aquela esperança de vida e de vitória.  
Qual o quê?
Ó Deus de mistérios insondáveis que nos dá a vida, que nos dá os filhos e permite que sejam levados assim de forma que não podemos compreender?  
Então não foi um pesadelo? Nem notícia falsa e maldosa? Foi real, sim os males são reais e a dor sempre existe. Manuel bandeira também tinha razão quando disse “que a vida assim nos afeiçoa. Prende. Antes fosse toda fel! Que ao se mostrar às vezes boa, Ela requinta em ser cruel...” Tudo bem, tudo bem. Que a bola continue sempre rolando, que o gramado seja lá de um verde desses que olhos humanos jamais tenham visto, que os hurras e olés sejam tão vibrantes que nunca ouvidos humanos tenham escutado, que a luz sobre nossos chapecoenses seja tão intensa que seus dribles, defesas, ataques e passes sejam de um domínio virtuosíssimo, encantando os estádios celestiais.

Ah, que me perdoem os ateus, mas existe um céu onde as lágrimas serão enxugadas, e eu não vou perder este jogo por nada neste mundo.   

domingo, 27 de novembro de 2016

ENXERGAR ALÉM





“Há uma luz mais intensa que olhos comuns não podem sequer imaginar. Esta luz não vem dos olhos físicos. Está dentro de nós. Cuidemos para que ela não se apague porque em algum momento é com ela que haveremos de enxergar a beleza tão necessária à vida.”
            Realizei o sonho de abandonar os óculos depois de centenas de anos. É lógico que fiquei tensa na cirurgia. Quem não fica? Os olhos são instrumentos tão delicados e tão maravilhosos. Já tinha me submetido à cirurgia no olho esquerdo em outubro e agora, foi a vez do olho direito. Fui firme. Segurei na mão de Deus e fui. Então, naquela sala repleta de pessoas com mais de 60, inclusive a articulista que escreve este artigo, fui guiada pela enfermeira gentil. Vesti um traje que serviria para cinco de mim dentro daquela calça imensa e uma blusa que me caía nos ombros. Fiquei quieta no meu canto tentando me adaptar a uma situação estranha de esperar que me levassem para que eu enxergasse sem óculos.
            A enfermeira chegou sempre gentil com um copinho que continha um líquido cor de rosa e me disse que era para relaxar. Eu sabia, já tinha provado daquele líquido um mês antes. Engoli tudo de uma vez só como se faz com um gole de cachaça. Então tentei entabular uma conversa com ela de tal forma que a convencesse a me dar outra dose do remédio cor de rosa. Disse a ela:
- Filhota, dá pra trazer outra dose?
- Não, não pode, a senhora vai relaxar só com este. Vai ver só.
- Não vou não, você não me conhece, sou mais ansiosa que todos estes que estão aqui. Você não se lembra? O anestesista teve que aplicar o líquido na minha veia da última vez. Relaxo coisa nenhuma. Sou capaz de dar um vexame, estou morrendo de medo.
            Dito desta forma, a moça se apressou a me aplicar uma agulha na veia caso o remédio fosse mesmo necessário. Várias pessoas foram levadas antes de mim. Conformei-me a refletir sobre a vida, sobre a vista e tudo o mais antes que levassem. Fiquei lá pensando comigo como a visão é importante para todo mundo. Mas foi aí que me lembrei do fabuloso livro autobiográfico de Jacques Lusseyran (1924-1971), leitura recomendada por minha amiga Vera Weber há anos atrás. Jacques escreveu sua autobiografia aos 29 anos (1953), oito anos após sua libertação do cativeiro nazista. Foi um herói da Resistência Francesa inúmeras vezes condenado. Este homem incrível perdeu a visão num acidente quando era uma criança de 7 ou 8 anos. A perda de sua visão física lhe conferiu a descoberta de uma visão interior muito mais rica do que poderia supor. Sim, estamos presos a muitos condicionamentos e talvez nesta vida jamais saberemos de coisas que poucos souberam em situações e circunstâncias especiais. Dizia Jacques: “A vista é um instrumento milagroso que nos oferece todas as riquezas da vida física. Mas nada ganhamos no mundo sem pagar por isto, e em contraposição a todos os benefícios que a vista nos traz somos obrigados a ceder outros de cuja existência nem suspeitamos. Essas foram as dádivas que eu recebi com tanta abundância”.
            Jacques viveu coisas incríveis. Ganhava corridas de meninos com visão perfeita, sabia guiar-se pelo vento em seus ouvidos. Já na Resistência, sempre que suspeitavam de alguém que pudesse traí-los, levavam a pessoa à presença de Jacques que só de ouvi-los em seu tom de voz sabia se era confiável ou não. Nos campos de prisioneiros, foi quase o único sobrevivente. Ele descreve coisas inimagináveis em sua estada lá.
            Algumas coisas que ele disse:
“Eu era sustentado por uma mão. Estava coberto por uma asa ... Eu estava livre para ajudar os outros, não sempre, não muito - à minha própria maneira, mas eu podia ajudar. Podia tentar mostrar aos outros o que deveriam fazer para continuar vivendo. Podia dirigir-lhes o fluxo da luz e da alegria que ficara tão abundante dentro de mim.” 
“Acabei por descobrir em Shakespeare um espírito tão complexo como a própria vida ... Ele era maior que os outros, pois tinha o que eu havia procurado inutilmente em toda a parte do teatro clássico francês: o excesso divino”.
            Certamente Jacques também foi agraciado com o excesso divino, pois um garoto que perde a visão não se refaz assim com tanta naturalidade. Mas desde sempre ele contou com o tenaz exercício da vontade, ausência total de preconceitos e disposição para amar, palavras dele. Nada o detinha. Por mais cego que fosse, a luz continuava lá dentro dele, mais serena do que nunca. Ele se dizia prisioneiro da luz. Estava condenado a ver, que lindo! Que lindo!. Todavia, como a vida é sempre inexata, depois de sobreviver à guerra e seus sofrimentos, Jacques morreu num acidente de carro na França, em companhia de sua esposa. Mas viveu intensamente guiado pela luz que ele nunca deixou que se apagasse.
            Bem, voltando à minha cirurgia, logo fui despertada de minhas lembranças e reflexões pela enfermeirinha gentil que me levou à sala onde os médicos mascarados me esperavam. Respirei fundo e me entreguei com coragem àqueles competentes profissionais que me livraram dos óculos. Entendam, agora depois de me lembrar de Jacques e sua luz, decidi que os óculos representariam para mim meras escamas que me impediam de ver coisas que não eram visíveis sem a luz interior.
            Dessa vez não foi preciso o medicamento na veia. Enfrentei de peito aberto, medrosa, bobinha, mas sempre espantada com a vida que sempre nos surpreende. Pensei comigo que houvesse o que houvesse, a luz estaria sempre lá, dentro de mim. Era só abrir uma porta dessas que não se pode ver com os olhos físicos. Entre a conversa dos diligentes médicos, ainda tive a graça de me lembrar de minha cara amiga Santa Teresa de Ávila: “...e eu que pensava que podia enxergar apenas com os olhos do corpo“.      


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

BLACK FRIDAY - Bela fria






            Como é de praxe todos os anos, está sendo realizada a famosa e tradicional liquidação que costuma levar milhares de norte-americanos às lojas. O “Black Friday” acontece sempre depois do “Dia de Ação de Graças”, sinalizando o Natal que se aproxima e mexendo com o desejo e o bolso do consumidor americano e brasileiro também, pois que muitos lá marcam presença. E agora já é evento tradicional e obrigatório para os brasileiros aqui no Brasil. Devido à sua fama, este evento já foi representado em filmes que em nada exageraram ao mostrar o alvoroço dos cidadãos enlouquecidos para adentrar às lojas e comprar o máximo possível de coisas geralmente desnecessárias. Alguns anos atrás um homem foi até pisoteado e morto pela multidão desvairada. 
            Os brasileiros que engrossam a fila dos compradores no “Black Friday” nos EUA podem pelo menos pisar na neve de verdade e desfrutar de uma realidade que não é a nossa (para dizer a verdade, nem dos próprios americanos mais). Comprar muito nunca fez bem, pode levar à falência e além de tudo está fora de moda. Mas é assim mesmo, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Imagens e informações sedutoras vão sendo subliminarmente armazenadas em nossa mente até que uma mentira se torna verdade, ou um mal se torna bem. Eu era criança e em casa já colocávamos algodão nos galhos de nosso pequeno pinheiro para fazer de conta que tínhamos neve. Até olhamos com inveja para a árvore de um conhecido porque ele havia trazido de fora um aerossol que fazia a neve ficar mais autêntica. Tivemos que nos contentar com nosso algodão mixuruca. Também a nós parecia que o papai do seriado “Papai Sabe Tudo” (os mais velhos se lembram) sabia mais que o nosso pai e as casas com cercas branquinhas povoavam nosso imaginário de crianças, fazendo as nossas parecerem tão sem charme.
            Aí engolimos o “hot-dog”, o “cheese-burger” e o “milk-shake” num fast food” bem ao estilo do “american way of life”. Depois, tivemos um “insight” e aprendemos a fazer um “coffee-break”. Nossos salões de beleza passaram a ser “Esthetic center”,  Beauty room” ou “Wonderful hair” ou ainda “Magic nails”. Nossas liquidações antes tão brasileiramente chamadas de “queima total” viraram “sale” ou ...% “Off”. Pronto, já não mais sabemos quem somos. Embarcamos na canoa furada do sonho americano. Segundo o jornalista e artista plástico, Enio Squeff, a expressão “sonho americano” é de John Truslow Adams em 1931, que acabou valendo mesmo só para um por cento da população, a julgar pelos protestos dos próprios cidadãos americanos que, agora despertos do pesadelo, pretendem invadir Wall Street, pois não se conformam com sua exclusão nessa terrível fase do capitalismo.

            Os comerciantes já comemoram os lucros com o “Black Friday” e o consumismo continua em alta. Pois é. Coisa de americano que acaba seduzindo a gente. Demorou muito para eu perceber que “Papai-sabe-tudo” foi uma farsa para nossos ingênuos olhares ainda infantis e as cercas branquinhas escondiam bem mais malícias do que poderíamos imaginar. O “Black Friday” nos ensina apenas que somos e valemos na proporção do que pudermos comprar. Todos aprendemos um pouco com essa gastança: os americanos, que podem e devem protestar e nós, que “Robert” não é “Bob”, mas Beto. Mas que a bolsa Louis Vuitton estava barata, ah isso estava, gente, e que linda! Ai que vontade de comprar! Minha perdição começou no tempo da “Sears” ... 

domingo, 13 de novembro de 2016

UM DELICADO EQUILÍBRIO






Sempre fui atraída por títulos originais de livros como muita gente também é. Por exemplo: Por quem os sinos dobram; O rumor da língua; Fragatas não pousam no mar, Em busca do tempo perdido; e milhares por aí. Há até os que compram livros pelo título. Bem, e quando o título parece não ter nada a ver com o livro?  
            No final dos anos 90 uma prima emprestou-me o livro “Um delicado equilíbrio” de Rohinton Mistry. Nada disse a respeito da história como de fato se deve fazer para não estragar a surpresa de quem vai ler. E eu me deparei com aquele calhamaço de 700 e tantas páginas. Segui firme. Achei o livro triste e real como é a vida muitas vezes. Mas o que quero mesmo dizer é que fui ficando intrigada porque eu esperava encontrar algo que denunciasse o título em algum lugar do livro, algo que tivesse a ver com o título. Às vezes me esquecia disso, de repente eu me lembrava e dizia para mim mesma, uai gente, onde é que esse título se encaixa? Por que um delicado equilíbrio? Mas foi só para o final que o título do livro apresentou-se e de maneira muito linda.
            Eu estava triste com a história, decepcionada com a humanidade, na esperança de que os fatos se revertessem, pois eu queria um fim melhor, mas na vida real eu sei que nem sempre isso acontece. Até que enfim o título se mostrou. O narrador diz que “o segredo da sobrevivência é abraçar a mudança e se adaptar”, e cita uma frase de W.B.Yeats: “Todas as coisas caem e são construídas de novo, e os que as constroem de novo são alegres”. E o narrador prossegue: “Não se pode traçar linhas e compartimentos e se recusar a ultrapassá-los. Às vezes temos que usar nossos fracassos como pedras para calçar nosso sucesso. Temos que manter um ‘delicado equilíbrio’ entre a esperança e o desespero – no final é tudo uma questão de equilíbrio.” Valeu a pena. Conformei-me e fui consolada por esta frase. Então é isso, pensei. Quando nada há a fazer é preciso construir tudo de novo, e assim seremos alegres de alguma maneira. Mas enfim, o título só apareceu no final. O que fiz? Escrevi essas frases porque sabia que se não fizesse isso, eu iria me esquecer. Comentando sobre a história com minha prima, ela me perguntou a razão do título, e eu contei como esperei o livro todo para entender. Tinha tudo a ver.
Achei muito sagaz o título surgir assim perfeito no momento exato. Outro exemplo de livro que seguiu por essa linha foi “O apanhador no campo de centeio” (The catcher in the rye) de J.D. Salinger. O livro inteirinho de cabo a rabo não tem campo de centeio nem apanhador nenhum. Só no finalzinho, acho mesmo que na última página é que surge a explicação do título do livro, e ela é gloriosa de linda! A emoção tomou conta de mim por inteiro. O personagem é o cara! Com todo aquele jeito displicente, confuso e rebelde, revela-se um sujeito singular, de um coração de ouro, um personagem anti-herói que na verdade é um grande e verdadeiro herói.
            Títulos à parte, li as críticas sobre o primeiro livro, “Um delicado equilíbrio”. Mais criticado do que elogiado, é uma história bonita que se passa na India, com começo, meio e fim, triste pra caramba, e muitas vezes a vida é assim, já disse isso! Eu gostei, fui até o final com uma grande esperança. Já o segundo, “O apanhador no campo de centeio”, foi um dos romances mais lidos nos Estados Unidos desde 1951 até hoje, principalmente pelos jovens adolescentes por tratar temas vividos por eles como angústia e perplexidade neste momento frágil da vida e que às vezes se prolonga por toda ela. Foi traduzido para quase todas as línguas do mundo e vendido para milhões e milhões de pessoas. O personagem Holden Caulfield tornou-se um símbolo da rebelião adolescente. Amei!
            Bem, como hoje em dia existem especialistas nas coisas mais inusitadas, não é a toa que nas editoras há pessoas especializadas somente em títulos, dessas que dizem pros escritores: “vai por mim, muda o título, a não ser que você não queira vender nada!” Elas sabem das coisas! Li um depoimento de Raphael Montes, um jovem escritor de sucesso, em que ele conta como mudou o título de seu livro a conselho de um especialista. Daí surgiu e estourou “Suicidas”.
           
      

             

domingo, 6 de novembro de 2016

APRENDER A VIVER OU APRENDER A MORRER




            Dia 2 fui ao cemitério com minha tia. Lá diante do túmulo da família, fizemos preces, desfiamos lembranças sobre nossos falecidos, e filosofamos como todos fazem. Aliás, já dizia Nietzche que todo mundo deveria morar com sua janela dando para o cemitério para nunca se esquecer de que a morte existe, e que virá para todos. Isso é filosofar e também já dizia Montaigne que “filosofar é aprender a morrer.” Bem, acho que quase ninguém aprende a morrer porque isso não é lá coisa que se faça todo dia, quero dizer, ninguém morre todo dia. Pode-se preparar bem na teoria, mas na prática ninguém sabe e bem poucos querem morrer. Irônico, Woody Allen afirmava ser radicalmente contra a morte, e acrescentava que não é que ele tivesse medo da morte, é que ele não queria estar lá na hora que isso acontecesse.
Voltando ao cemitério, no início da missa já me emocionei, não conseguia cantar porque o choro silencioso chegou e travou meus lábios, meus olhos marejaram. Lembrei-me de que acompanhei minha mãe muitas vezes nessa missa no cemitério, ali mesmo onde estávamos. Ela, eterna enamorada de Deus, realmente não temia a morte, não só não temia como desejava morrer “para estar com Ele”, dizia ela. Certa vez, teve que ser operada urgentemente por um erro médico acontecido no Hospital Albert Einstein, onde ela tinha ido fazer um exame. Já tinha o corpo quase sem vida quando foi levada numa maca às pressas para a sala de cirurgia. Ela nos contava que percebeu que era grave e que ia morrer. Então, fraca como estava, foi cantando baixinho entre os lábios músicas de louvor a Deus. Estava feliz e emocionada por saber que sua hora havia chegado. Mas de repente lembrou-se dos filhos e preocupou-se porque ninguém ainda estava encaminhado, mas por fim jogou tudo pro alto e não abriu mão de seu encontro com Deus. Pobre mãe, ainda não era sua hora, teria ainda que passar por muitas dores e aflições.
Bem, o que é a morte? Rubem Braga dizia que achava na ideia da morte um grande consolo. Meu marido sempre repete o que seu pai dizia sobre a morte não ser um problema, mas solução. Santa Teresinha de Lisieux dizia que a morte não é nenhum espectro medonho como pintam os artistas. Minha irmã diz que a morte é libertação, G.Rosa dizia que a morte é a cura final. Meu amigo escritor Marcio Leite diz que a morte é o Grande Silêncio, e eu digo que a morte é a Grande Saudade para os que ficam. Diante de meus pais mortos e também diante de uma grande amiga que perdi, eu me impressionava com seu grande silêncio, o inominável e doloroso silêncio. E eu pensava, para onde teriam ido a voz, o jeito de falar, o riso, o brilhantismo de todos eles? Silêncio. Eles não estavam mais ali. É que nossa natureza é ainda humana, a matéria de que somos feitos é frágil, somos carne, sangue, ossos e sentimentos, emoções. Nossos olhos derramam lágrimas de alegria e de tristeza. Ainda somos eternos contraditórios humanos e vivemos nas primeiras coisas que ainda não passaram. 
“O medo da morte nos impede de viver bem”, leio agora o filósofo Luc Ferry (Aprender a Viver). Diz ele que os grandes corruptores de nossa felicidade são a nostalgia, a culpa e o arrependimento que moram no passado. Por outro lado, o futuro também nos assombra com preocupações. A morte é real, e o medo é humano, faz parte da natureza humana. Filosofar é bom, mas sem morbidez. E não nos esqueçamos de que a vida, mesmo tão rápida e fugaz é surpreendente e nos oferece infinitas possibilidades, frase que li numa mensagem de um amigo e não me lembro do nome do autor. Assim, devemos nos alegrar pela vida sempre fugidia, mas ao mesmo tempo tão misteriosa, tão bonita e tão inteira. E por último, fazer dessa vida breve algo tão intenso que valha a pena, afinal antes de aprender a morrer devemos aprender a viver.

          As pessoas mais simples são as que vivem mais intensamente e sabem filosofar com sabedoria. Saramago nos revelou em suas “Pequenas Memórias” : “Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste, com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca perdida: ‘O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer.’ Assim mesmo. Eu estava lá.” Lindo! Felizmente isso a literatura pode fazer por nós: pode nos emocionar com os poemas e crônicas poéticas. Muitas vezes acho a vida triste, mas inegavelmente bela, para dizer a verdade, de uma beleza estonteante.  

sábado, 5 de novembro de 2016

BARATAS AGAIN - continuação






Querida leitora
Para você, assim como eu e muitas outras que sofremos deste mal de medo e nojo de baratas, apresento algumas dicas e conselhos preciosos:
- Quando estiver cara a cara com uma barata, se ficar por alguns segundos, paralisada e sem ação, não pense que está louca, esta sensação é comum a muitas de nós. Há aquelas que se comportam de maneira diferente, tudo bem, cada uma é cada uma. Eu, por exemplo, fico uns 3 segundos em estado de choque psíquico. Depois é que corro e grito. Em qualquer caso: corra! Corra o mais rápido que puder.
- Se você ainda não tem um marido, mexa-se, trate de arrumar um. Um marido pode ter  muitas utilidades. É claro que não vou enumerar cada uma delas aqui, afinal estamos falando de baratas e não de outras questões. Mas lembre-se de que este marido deve ser bondoso, carinhoso, paciente e sempre pronto para ser acordado a qualquer hora do dia e da noite para lutar com uma barata. Se seu marido achar que medo de baratas é frescura, sugiro seriamente que você repense a relação. Ele não te ama. Se você não tem marido no momento, reze, tanto para arrumar um como para reunir toda a coragem, e borrife forte aquele SBP em cima da nojenta. Se ele não matar a barata, pelo menos faz com que ela fique bêbada e mais fácil de ser controlada.   
-  Evite andar por cantos escuros da casa, você sabe que a qualquer momento a cascuda aparece do nada, mesmo que já cambaleante pelo efeito da droga. Não se iluda. Barata cambaleante é barata.
- Tenha um frasco de SBP em cada cômodo da casa. Lembre-se de que enquanto você vai buscar o frasco, a barata pode se esconder debaixo de sua cama. Não corra riscos. Seja esperta! Prepare-se. Não dê moleza pra elas, nem subestime sua malignidade.
- Não abra as janelas à noite, mesmo que faça a lua mais linda do mundo, mesmo que um cometa raro esteja passando supervisível. Não vale a pena ter uma barata voadora pregada em seus cabelos. É horripilante. Que se dane a lua cheia e que se dane o cometa raro.
- Quando seu marido estiver sonolento, certifique-se de que ele matou a barata bem matada e a jogou no lixo. Certa vez meu marido matou a barata e voltou para a cama. Por  intuição fui ver de longe a cascuda porque algo me dizia que ela não estava bem morta. E o que aconteceu? Ela não estava mais lá. Acordei novamente meu marido e ele foi achar a danada mais adiante debaixo de qualquer coisa, meio morta, meio viva. Desde este dia em diante as baratas que aparecem por aqui são mortas de maneira eficiente.
- Se você não tem medo de baratas, parabéns.

Por hoje é só. Se tiver alguma experiência traumática com baratas, deixe seu comentário. Lembre-se de que ele pode ser útil para muitas mulheres. A propósito, embora este medo seja atribuído apenas às mulheres, há alguns homens que também já saíram correndo de pavor. Mas tudo bem, isso é com eles. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

BARATAS, AGAIN, AGAIN AND AGAIN FOREVER



Pois é gente, chegou a nova temporada da série Baratas, sempre Baratas! E eu já mergulhei de cabeça nela. Com o calor que foi surgindo tímido e chegou a níveis insuportáveis, as baratas apareceram me deixando com os nervos em frangalhos. Não há como superar este problema. Ouvi dizer que tem um psicólogo em Poços de Caldas que faz um trabalho tipo hipnose para programar a mente. Estou seriamente pensando em fazer uma consulta, quem sabe resolvo este problema de pânico com relação às baratas. Tudo de novo. Mesmo filme.
Vamos lá, subo toda tranquila para desligar a internet, acendo a luz e tchan tchan tchan tchan, vejo uma barata avantajada vindo para dentro da salinha. Meu coração dispara, por alguns momentos entro em choque, tipo paralisada. Mas meu instinto de sobrevivência é forte, logo acordo deste pesadelo e digo: é verdade? Aquilo era uma barata? Ah meu Deus, desço correndo, fé em Deus e pé na tábua, deixo as luzes acesas, internet ligada, quem sem importa diante da constatação do terror? Desço às carreiras, não vou acordar o Motta, não, hoje não, coitado, deixa ele dormir. Amanhã a gente começa a colocar SBP em todos os cantinhos. Não acredito que vou passar por isso de novo.
No dia seguinte relato para meu marido todos os detalhes sórdidos da noite anterior. Ele balança a cabeça, desanimado com este meu terror de baratas. Já nem vem mais com aquele papo: olha seu tamanho e o tamanho da barata! Já desistiu. Pela tardinha coloco o veneno em todos os lugares. Tudo me assombra, um barulhinho de nada, uma sombra de qualquer coisa que se transforma numa barata horrenda. Bato a mão nos cabelos e grito. Estou louca, histérica total. Acreditem ou não, sonhei com a barata, aquela marrom escura horrorosa andando, onde? Acordo. Percebo que ainda não amanheceu, é tão cedo! Será que foi sonho ou ela andava pelo quarto? Quem neste mundo de Deus sonha com baratas? Só eu.
Ao contar para minha irmã, ela se lembra de um fato de nossa infância ainda em Pedralva. Era tempo antigo, as baratas reinavam a bel prazer por todos os cantos. Para matá-las era uma verdadeira luta corpo a corpo. Dormíamos com a cabeça coberta pelo lençol ouvindo o farfalhar de asas das folgadas. Minha mãe comprou, ganhou, sei lá, um antigo matador de baratas, um SBP versão década de 60 e foi fazer o teste. Jogou embaixo da escada de madeira que conduzia ao andar superior. Nem bem espirrou, acabou o veneno. Desapontada, deixou pra lá. No dia seguinte, ao varrer a sala, eis que encontra dezenas de baratas mortas debaixo da escada. Encantada, ela diz: o futuro chegou! Embora não tivesse medo das baratas, era maravilhoso saber que com um borrifar daquele estranho e maravilhoso fluido, as baratas eram dizimadas!
Bem, voltando ao presente. Nosso SBP também funcionou, tem funcionado para a cobertura. Diariamente, encontramos baratas mortas e outras já a morrer. Eu não cuido deste assunto. Nem varrer consigo, nem jogar no lixo. Nada. Não suporto, simplesmente. Ontem à noite, quando já me preparava para dormir, ao entrar na sala, deparo-me com uma horrorosa de uma barata caminhando cambaleante, com sinais de envenenamento, mas mesmo assim sou invadida pelo pânico, vem o choque, fico paralisada. Acordo. E trato de ir acordar meu marido. Como foi bom ter casado! Ele se levanta com cara de quem não sabe onde está, já estou com seu chinelo na mão para ele ir matar a barata. Ele ainda não se localizou, quer calçar o outro pé do chinelo, e eu digo: não, vai lá logo, meu filho, ela vai sumir e eu não durmo enquanto não estiver morta.
A barata sumiu. Fico arrasada. Dou a volta pela sala, com muito cuidado. Num acesso de coragem inusitada, acendo a luz e a vejo. Ela, totalmente paralisada de frente para a quina da parede. Grito: Mottaaaa, aqui! Ele mata, joga no lixo, vai lavar as mãos, e eu agradeço e digo: você viu? Ela estava meio abobada! Ao que ele me diz: abobado estou eu. E volta para a cama. Tudo de novo. Quem não tem medo de baratas?