terça-feira, 29 de maio de 2018

BOLACHAS NO CÉU


           
Enquanto todos rezavam o terço na sala rodeando o corpo da tia Teresa, meus olhos bateram num porta chaves onde estava gravada na madeira a seguinte frase: Aqui moram os melhores pais do mundo! Fiquei comovida, sorri pensando na vida célere e na morte que nos separa dos que amamos. Evidente que não sabemos como se passam exatamente as coisas lá do outro lado, sei que espiritualmente é tudo diferente do que imagino, mas por certo será infinitamente melhor e perfeito. Caminho na fé, mas em minha míope visão neste plano humano e por conta de minha veia de escritora, ainda gosto de imaginar o Céu como um lugar de grandes encontros.
Lembrei-me do carinho da tia Teresa que quando nos via chegar, logo chamava alguém para que nos servissem café com bolachas, aquelas bolachas maravilhosas que ela fazia. Então imaginei. 
O caso se passou mais ou menos assim: lá no Céu onde tudo é felicidade completa, para cada nova pessoa que chega é feita uma grande festa. Todos acorrem para acolher o mais novo habitante do reino celeste. Naquele dia Nossa Senhora atravessou a principal alameda celestial com certa ruga de preocupação. Acompanhada dos anjos, Sua Rainha entrou no Departamento de Pedidos e conversou com Santa Teresinha do Menino Jesus e Santa Catarina de Labouré que naquela semana eram as encarregadas das graças e bênçãos pedidas pelas pessoas que ainda vivem no mundo das criaturas, presas a tantas tribulações. E disse:
- Queridas, bom dia! Muito trabalho?
- Bastante, querida Mãe, mas tudo sob controle, respondeu Santa Teresinha. Eu prometi a todos que ninguém me invocaria em vão. E alguém novo chegou?
- Não, mas vai chegar. Conversei com a Santíssima Trindade e deliberamos trazer a Teresa do Iado. Vocês sabem que venho tentando sem sucesso aquela receita de bolacha, aquela bolacha que ela sabe fazer tão bem. Muitas parentas e conhecidas que já chegaram me passaram a receita. Todas sabem fazer, mas como a Teresa ninguém.
            Uma mulher que faz uma bolacha tão divina é pessoa rara e especial. É nas pequenas coisas que se percebe a grandeza da alma. Desde amassar a farinha até retirar as bolachas do forno, a Teresa demonstrava o carinho pelas pessoas, sustentando os estômagos gulosos dos filhos e sobrinhos, e sem perceber, iluminando suas almas. Ela não tinha vaidade alguma ou qualquer ambição que não fosse a de servir. Não pensava em viagens, a não ser ir à Aparecida do Norte uma vez por ano. Já cumpriu sua missão, foi esposa devotada e mãe amorosa. Teve oito filhos, oito! Imagine! Isso é que é crescer e  multiplicar, como Deus Pai aconselhou.  
            Então meninas, essas famílias numerosas e bolachas maravilhosas já não se encontram mais. Pois que venha cá a Teresa que o Iado a espera ansiosa. Casal apaixonado não pode ficar separado. Ontem mesmo vi o Iado com o Tote e os outros irmãos. Só falta a Teresa.
            Ah, ia me esquecendo, a Bolachinha de Nata e o Suspiro que desmancha na boca eu até já acertei o ponto exato, a Teinha me ajudou. Mas as bolachas? Não vejo a hora de amassar farinha ao lado da Teresa.
Já vou indo para preparar a festa de sua chegada ao Céu. Já no Portão Principal, quero o Coral dos Anjos entoando os mais lindos cânticos celestiais. E todos com roupa de missa de domingo de festa! Vocês duas na ala de todos os Santos. Ela vai chegar tão feliz!

domingo, 27 de maio de 2018

GRAÇA



Bendita graça
Que por minha alma perpassa
Tão rara, tão cara,
Que em um segundo me concede compreender
Todo mistério mais profundo do mundo
Para logo me fazer esquecer.
É que nesta vida
Ainda não nos é permitido tudo conhecer.
Porém neste raro e rico momento
Minha alma transborda de contentamento
E fortalecida, anseia por viver.

AINDA CABELOS



            E o assunto de cabelos nunca se esgota. As mulheres gostam tanto de cabelos quanto de sapatos. E minha paixão por cabelos começou bem cedo quando minha mãe que era quem decidia tudo, decidiu que teríamos cabelos bem curtinhos, franja curta e cabelos curtos. Lógico que eu queria ter os cabelos compridos. Devo ter implorado para ela e por alguma razão que desconheço ela concordou, que fosse lá por um tempo para que eu tivesse o gostinho. Pois quando meus cabelos estavam compridos, ma ra vi lho sos, minha mãe decidiu que eu teria que cortá-los. Obedientes que éramos, lá fomos eu e minha irmã para a casa da prima Leda que cortava nossos cabelos. Lembro-me direitinho como se fosse hoje. Voltamos pra casa e fomos direto para o andar de cima. Eu corri e me postei de frente a um móvel que tinha o espelho grande da mamãe na parede. E quando me vi no espelho de casa, me senti nua, crua e esfolada, meus olhos transbordaram, lágrimas copiosas foram derramadas e eu me senti amargurada, a mais infeliz das criaturas.
            Era época dos famosos penteados, dos coques altos na cabeça para brilhar nos bailes. A mesma prima que cortava nossos cabelos fazia penteados fantásticos na mulherada. Os coques tinham que ficar imexíveis, paralisados no alto da cabeça, então as moças entendidas colocavam até um bombril inteiro dentro do coque que seria depois regado com muito laquê. Era possível dançar um twist bem barulhento, girando o corpo freneticamente sem que um fio de cabelo se mexesse. 
            Logo depois, lá pelos fins de 60 chegou a famosa moda da touca! Alguma mente brilhante inventou um modo de girar os cabelos pela cabeça afora, colocando milhares de grampos. Depois de algum tempo, “virávamos a touca”, ou seja, girávamos os cabelos presos por grampos para o outro lado. O efeito era miraculoso! Cabelos crespos se tornavam lisos e cabelos lisos rebeldes se tornavam macios e certinhos. Podemos dividir a era dos cabelos femininos como A.T e D.T, ou seja, antes da touca e depois da touca. Logo fomos aprendendo a fazer a própria touca. Minha irmã e eu treinamos fazendo uma na cabeça da outra. A diferença era estrondosa, quase como uma escova progressiva.
            Não é que hoje na praça, fomos comer pastéis e tomar chope quando uma amiga chegou. E contou uma história interessante de cabelos. Contou ela que namorou três anos e meio, noivou seis meses e depois se casou. Como ela tinha os cabelos crespos longos, logo aprendeu a fazer a touca, e fazia com tanta maestria que seus cabelos ficavam lisos escorridos. E ela se acostumou tanto a fazer a touca diariamente que o marido levou um susto imenso ao flagrá-la de cabelão crespo um belo dia em que ele chegou mais cedo do trabalho. Foi quando ela se de conta de que o marido ainda não conhecia seus cabelos naturalmente crespos. Outra amiga presente à reunião comentou que era caso até para anulação de casamento!
            Mais tarde pelos anos 80 fazíamos “permanente”. Isso era comigo mesmo! Adorava ter os cabelos bem crespos. E depois amei copiar o look da pantera Farah Fawcett com aquele volume nos cabelos e aquelas ombreiras de jogador de futebol americano!
            Como todas as mulheres, passei por muita moda de cabelos. Sempre mudei. Faz parte de minha natureza inquieta. Há algum tempo capitulei. Decidi deixar meus cabelos brancos. Aderi. Adorei. Mas confesso que de vez em quando ainda sonho com aqueles longos cabelos desejados na infância. Bobagem. O que foi negado sempre retorna de outra maneira. É só deixar o coração aquecido.
            Ai Ai gente. Confesso que vivi. 
           
           
             

sexta-feira, 25 de maio de 2018

AI AI CABELOS BRANCOS



            Há quase três anos deixei de pintar meus cabelos, ideia que eu  a bo mi na va!  Se alguém me dissesse que eu usaria cabelos brancos, eu acharia a coisa mais estapafúrdia do mundo. A máxima que sempre ouvi é que cabelos brancos envelhecem. Mas gente, prestenção, não adianta tapar o sol com a peneira, a idade (para não dizer velhice) já chegou. Todo mês lá ia eu escrava da tinta para tapar os brancos e fazer mechas. Foi quando minha irmã deixou de pintar os cabelos. Fiquei horrorizada, mas sabia que o que eu falasse seria inútil, ela sempre fez o que quis. Aliás, eu também. A gente tem a mania de dizer assim: fulana (o) é teimosaaaa! Na realidade, todos somos teimosos, uns mais e outros bem mais. Bom, depois de um tempo eu olhava com carinho para os cabelos grisalhos de minha irmã. Não é que ficaram bonitos? E elogios mil. Também quero. Pronto.
            Cortei os cabelos o mais curto que pude para que ficasse mais fácil o branco se misturar com o resto da tinta. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com meus brancos: minha cabeça era toda branca! Gostei. Nos meus trinta e tantos eu pintava meus cabelos de loiro sueco, um loiro praticamente branco. Fazia meu tipo, combinava com a minha tez. Então, agora eram brancos de fato. Eu estava feliz, mas os outros? Nossa Senhora, o que tive que ouvir! Fala a verdade! Até pensei que meus cabelos brancos fossem virar tema para mestrados e doutorados. Algumas pessoas falavam abertamente para mim: se você soubesse como ficou mais velha! Que pena que você fez isso. Outras pessoas falavam para outras que tratavam de me passar o recado: você está louca! Nunca ouvi tanto sermão! Fiz ouvidos moucos, ah, como faço ouvidos moucos para sobreviver. O fato é que eu estava feliz com meu cabelo branco. Dá licença?
Meu marido não dava palpite. Se não gostava, não falava. Aliás, (estou falando muito “aliás” hoje) se eu tivesse um marido que implicasse com a cor ou o corte de meus cabelos ou roupas, dificilmente eu teria um marido. Certa vez achei de pintar os cabelos de ruivo. Amei! Minha mãe me chamava de “galinha carijó”, e meu marido sempre acariciava meus cabelos com carinho. Se não gostava, não falava, nunca me cobrou nada.  
            Busquei por fotos e vídeos de cabelos brancos. Não vale! A maioria é de moças jovens, no máximo de 40. Muito difícil aparecer uma sessentona. Que tem, tem, mas são raras. Uma coisa percebi: todas muito bem vestidas, chiques, maquiadas. Xiii, sujou.  Vou ter que pensar duas vezes antes de sair de casa displicentemente. Este branco requer um batonzinho pelo menos né? Também uns brincos. Salto alto? Jamais. Isso não. Meus sapatos são todos de saltinhos pequenos. Se não usei na juventude, agora é que não saberia mesmo andar com eles. Achei meu próprio caminho e estilo para combinar com os meus brancos. Se pareço chique, só pareço, não sou.
            Depois desses anos usando meus cabelos brancos de neve de doer na vista, pasmem! Meu marido deu um palpite. Estávamos no Spani de Lorena, quando ele ficou de me encontrar na loja Havan. Eu estava procurando uma calça e acabei comprando uma saia xadrezinha lindinha.  À noite, em casa, tomávamos um vinho quando saiu o assunto de cabelo branco, amado e odiado pelas mulheres. E ele me disse: gostei. E eu, ahn? E ele: “cabelo branco é ótimo pra marido encontrar mulher perdida, fica a coisa mais fácil do mundo. Foi só entrar na loja, olhar por cima das araras de roupas e pronto, achei minha loirinha. É verdade que havia mais de um cabelo branco por lá, mas os seus cabelos brancos ....”  Fofo ele, né? Adorei!
            Estamos conversadas. Cada um sabe de si. Quem quiser ter cabelos brancos, que tenha. Quem quiser pintar de vermelho ou verde, ou loiro, castanho, que pinte. Eu não dou palpite. Apenas dois conselhos: primeiro, cuidar dos cabelos é essencial, não importa se são brancos ou não. É uma grande libertação não ter que pintar, mas é bom cuidar, um shampoo cinza uma vez por semana, um creme de vez em quando para amaciar. Cuide de você e de seus cabelos com muito carinho. Segundo, não tente agradar aos outros, nem gregos, nem troianos. É tarefa árdua e ingrata, você não vai conseguir. Seja você, agrade a si mesma, sinta-se bem. Aprenda a gostar de você do jeito que você é ou do jeito que quiser ser.     
             

sexta-feira, 4 de maio de 2018

DIPLOMA FINAL

 
            Há poucas semanas postei uma crônica sobre “envelhecer (o que fazer?)”. Mas o que fiz foi tecer comentários jocosos sobre a luta das mulheres para não perderem o encanto, o viço, a beleza. Eu quis brincar um pouco com o fato de que nada podemos fazer a não ser aceitar a situação de que tudo em nós envelhece. Achei até muito interessante ler o que uma amiga comentou certa vez: só a cor de nossos olhos não envelhece. Tudo bem. A gente precisa brincar um pouco para não levar a vida muito a sério.
            Ocorre que assisti por vídeo a uma palestra da geriatra Ana Cláudia Quintana sobre “Como envelhecer”. Uma palestra séria, real. Nada de novo, o óbvio, tudo o que todo mundo já sabe, porém algo tão bem articulado e com tantas metáforas geniais que penso que deveríamos assistir a esta palestra diariamente para não nos esquecermos deste óbvio que negamos a todo instante. É preciso aceitar e encarar o óbvio com coragem. Vamos envelhecer, é claro, mas não se trata de perder o viço da pele ou o peso das pelancas. Esqueçamos disso, é bobagem, é o de menos. O problema é a saúde, é a independência, que pouco a pouco, vai nos abandonando. Uma coisa é saber e outra coisa é viver, é sentir na pele a falta de autonomia, é sentir os efeitos das doenças que rondam nossos frágeis corpos que não foram feitos para durar eternamente.
            Evidentemente que esta crônica não se destina a você jovem porque os jovens se sentem eternos e estão certos. É natural, é normal. Nunca vi um jovem saudável e cheio de ideais se preocupar com a velhice, muito menos com a morte, aliás, até seria algo mórbido para sua idade. O que repasso é para nós, pessoas mais velhas que já nos preocupamos com o peso da vida e com o que ela nos trará.
            Bem, a geriatra enfatiza o que já sabemos, mas é justamente o que já sabemos que devemos saber de novo e mais e mais. Fisicamente, ter sempre o cuidado com alimentos que vão gerir nosso corpo. Sem dúvida que somos o que comemos. Gente, exercícios físicos, pelo amor de Deus, mexa-se, mexa-se e mexa-se. Nossos corpos não foram feitos para ficarem parados. Ah, mas fulana fazia tudo isso e ficou doente e morreu. É verdade. Mas se não fizermos, as probabilidades de doenças serão maiores. E as probabilidades de não poder mais andar, caminhar serão maiores. E depois tem outra, como diz o outro, vamos todos morrer. A grande sacada é viver bem até lá. Não morrer não acontecerá.
            E vem a parte ótima sobre a mente, o aprendizado constante de que não podemos prescindir. A mente é poderosa, mas deve ser exercitada diariamente. Cantar, decorar, mas alto lá: só cantar e cantar as mesmas coisas de sempre não vale! Tem que ter o elemento novo. A mente precisa do novo. Fazer crochê e tricô, tudo bem, mas tem que aprender o ponto novo. Os neurônios clamam de joelhos por diversidade! Daqui a alguns dias vamos comemorar nosso aniversário, eu mais duas amigas. Vamos dançar e cantar em espanhol porque não nos sentimos velhas. E para decorar as letras? Santo Deus! Que trabalho! A impressão que tive é que meus neurônios foram despertados de um sono milenar e esfregando os olhos se perguntaram estupefatos: o que está acontecendo? Estão nos chamando ao trabalho! Dra. Ana Cláudia insiste: aprender música, cantar, cantar novas músicas, soltar a voz em algum coral, no chuveiro. Fortalecer a musculatura da garganta, das cordas vocais. Já perceberam como nossa voz muda? Eu já. 
            E além de aprender música e cantar, também meditar. A meditação que é cuidar do ser interior que somos e que temporariamente habitamos este invólucro, a meditação que nos dará serenidade. Ao longo da vida vamos acumulando perdas, perdas de pessoas, de lugares, de coisas, e de capacidades e de habilidades. Se você não alimentar o seu ser interior ou seu espírito com meditação, ele ficará mais fraco do que seu corpo.
            Podemos viver muito bem, mas ainda sim o desfecho será a morte. Tudo bem, só que estaremos em paz, com nossa missão cumprida. E podemos nos tornar tão grandes espiritualmente que já não caberemos em nossos corpos. “Um software muito potente num PC pequeno queima. E o último dia de sua vida será o dia em que você receberá seu diploma de Ser humano.”
            Nossa gente, que lição! Que aprendizado! Que beleza! A crônica é minha, mas as palavras são da Dra. Ana Cláudia Quintana. Assistam ao vídeo. Tudibom.