sexta-feira, 27 de julho de 2018

SONHO



Definitivamente o valor das coisas é relativo, não está nelas em si, mas na medida da necessidade que sentimos delas ou na medida do desejo que sentimos por elas em determinado momento e circunstância. A gente pode ter muita grana, mas tem hora que o dinheiro não vale nada. Se você está numa selva, o dinheiro no bolso não vai poder te dar as coisas mais simples do cotidiano como um cobertor ou um pedaço de papel higiênico. Exemplifico.
Há anos eu viajava todo mês para BH. Já estava habituada com aquela viagem dolorosamente longa. Então eu ia de noite porque dormia e não sentia passar. Mas certa vez, fazia um frio que eu não conseguia suportar. Não era possível dormir de jeito nenhum pelo incômodo do gelo que estava. E a garota ao meu lado dispôs seu travesseiro encostado na janela, tirou um cobertor da mochila e dormiu feito um anjo. Não era manta, mas cobertor grosso. Eu olhava para e moça e sentia uma insana inveja de seu conforto. Que vontade de acordá-la e pagar pelo cobertor. Tudo o que eu precisava, tudo o que eu desejava naquele momento da minha vida era o bendito cobertor. Pagaria uma fortuna por ele! Que viagem!
Outra vez eu e meu marido estávamos em Mendoza e fizemos um passeio oferecido no hotel. Fomos de ônibus turístico, mas sem banheiro. O lugar que visitaríamos era uma montanha num lugar distante. Logo que saímos senti uma ligeira vontade de fazer xixi. Não dei importância, pensava que teríamos obviamente alguma parada dessas pra turista comprar lembrancinhas, com uma xícara de cappuccino e banheiro perfumado. Perguntei pra guia se teríamos uma parada porque eu precisava fazer xixi. Ela aproveitou para explicar a todos que só teríamos uma parada, então, que aproveitássemos. Pois bem, logo no pé da montanha, a guia parou o ônibus num lugar onde tinham somente três banheiros. Restaurante e cafeteria, nada, nada. Três banheiros horrorosos no meio do nada e como era de se esperar, nem pensar em papel higiênico. Seria um luxo que não combinava com o cenário. Não fiz o xixi. Não faço. Eu me recuso. Voltei desolada para o ônibus. Pois me arrependi amargamente. O ônibus se afastava cada vez mais e a vontade foi aumentando a passos largos, eu desesperada. Tão tímida que sou (juro que sou), tive que apelar para a guia outra vez, falei que tinham que parar o carro. Agora teria que ser no mato, meu Deus, que horror! Meu marido me animava, que é que tem? Você consegue! Nesta altura todo mundo já sabia e acompanhava o meu drama. Para minha sorte, o ônibus teve que voltar um tanto não sei porcadeque, como diz a Virgínia minha amiga. Lá estavam os três banheiros sujos sem papel. E a guia me falou: sorte a sua, aproveita. Eu já estava conformada de fazer xixi sem papel, mas uma turista caridosa lá atrás me deu um rolo de papel higiênico passado de mão em mão até chegar a mim. Fui lá e enquanto fazia o bendito xixi, abracei aquele rolo de papel higiênico com muito carinho, como se abraça um ursinho de pelúcia perdido na infância e reencontrado após tantos anos, era o melhor papel higiênico do mundo. Voltei com todos os curiosos me esperando e eu sorrindo disse que estava ótima, agradeci muito à turista e seguimos montanha acima, sem restaurantes, nem banheiros. Oh passeio!  Oh guia!     
Mas por que o título “sonho” deste texto? Bem, adoro aquele sonho cheio de creme coberto com açúcar fininho borrifado em cima, ainda mais quando acabou de sair do forno. Sempre que vou ao Pró-Life Estética entregar a minha delicada cútis às mãos de fada da Evanilda, passo na Padaria Morro Chique.  Ali já compro o pão italiano e faço questão de tomar um café preto com o meu adorado sonho, quentinho, com o creme derramando pelas bordas. Aconteceu que nem era dia de cuidar da cútis, fui ao médico lá perto e aproveitei para ir à Padaria. No carro ainda, abri minha carteira. Eu sabia que tinha pouco dinheiro, mas sempre tem o cartão, né? Pois cadê o cartão? Ai ai ai ai ai, meu marido usou meu cartão e não devolveu. Eu tinha uma nota de 2 reais e algumas míseras moedas. Bem, eu me dirigi arrasada para a padaria. Daria só para o pão de sal. Chego lá e o tabuleiro de sonhos recém-saídos do forno estava sendo colocado na vitrine. De repente ouço alguém me chamando pelo nome. Era o Fernando meu amigo e ex-colega do BB. Pensei. Vou pedir 10 contos pra ele. Peço a conta dele e deposito. Mas, bobeira minha, não tive coragem. Poderia pedir pra caixa anotar. Ela está careca de me conhecer, mas achei chato, não tive coragem. O Fernando não parava de falar e o rapazinho já tinha o saquinho com 3 pães. Senhora, o que mais? Ahn, abaixei o tom da voz pro Fernando não ouvir. Quanto é 1 sonho? Hem? O quê? O sonho, quanto é? 1 e 75, senhora. Eu não sabia quantas moedas eu tinha, mas 1 real e 75 centavos a caixa deixaria que eu pagasse depois. Lá se foi o Fernando embora com sua carteira recheada de notas de 10 e eu na maior pobreza. Peguei o pão e o sonho e fui para o caixa. Passei a nota de 2 e tirei todas as moedas. Adivinhe: 1 e 75. Saí exultante da Padaria. Voltei pra casa, fiz um cafezinho delicioso e comi demoradamente meu sonho como um manjar dos deuses, como se ele tivesse sido feito na cozinha de Buckingham especialmente para a Rainha Elizabeth.
Se o Fernando estiver lendo esta crônica vai ficar chateado porque tenho certeza que compraria o tabuleiro todo para mim. Eu sei. Mas bastava um. Um único sonho difícil conseguido após momentos de aflição sempre vai ter o melhor sabor do mundo e vai ser o melhor sonho de minha vida!           

terça-feira, 24 de julho de 2018

PERDAS E PORTAS


            Conversando com uma prima que perdeu recentemente os pais com um intervalo pequeno entre as mortes, ponderávamos sobre os destroços emocionais causados pela perda de pessoas queridas. Não estamos nunca preparados para perda nenhuma. Ah, mas já eram velhinhos, ah, mas não tinham mais qualidade de vida! Eu sei, mas perda é perda. Nosso coração é um pacote de cacos quebrados. O luto é real e necessário. Já li ou vi num filme que quando perdemos os pais, metaforicamente enterramos nossa infância. Quando meu pai morreu, ainda tinha minha mãe, tudo bem, mãe é sempre forte. Mas depois, quando ela partiu, eu me senti como uma menina que tem que pegar sua malinha e deixar definitivamente a casa da infância. Eu era uma órfã e para ser órfã não importa a idade. Somos tomados por uma enorme vulnerabilidade. Nos primeiros meses, até anos, voamos às cegas um bom tempo até encontrar um céu limpo e um chão seguro para pousar. 
Bem, fui mostrar para a prima a reforma que fizemos. Fechamos a porta que havia no quartinho de computador que dava direto na área e cozinha. A partir daí, só podemos entrar na cozinha pela sala. E eu disse a ela que minha mente gastou mais ou menos duas semanas para assimilar a mensagem que a porta do quartinho não existia mais. Sempre que eu ia à cozinha, entrava pelo escritório e dava com a parede. Até que me acostumei com a entrada pela sala. Minha mente insistia em fazer o caminho anterior. A mente da gente é incrível! Adapta-se a tudo, praticamente.
Sem querer, fizemos uma comparação da porta da salinha do computador com outras portas que nossa mente e nosso coração encontram para retomar a vida.  No início nós nos sentimos estranhos seres paralisados por um tempo sem encontrar a saída. Seria estranho se eu permanecesse diante da parede procurando inutilmente pela porta que não existia mais. Mas é evidente que neste caso trata-se de uma questão objetiva. Eu apenas sorria diante da teimosia da minha mente e ia para a cozinha pela outra entrada. Agora, quando uma pessoa doa sua vida por cinco, sete ou mais anos cuidando dos pais, seja nas decisões que se têm que tomar ou cuidando pessoalmente com curativos, banhos e alimentação, isso é outra coisa. Nossa vida pessoal simplesmente deixa de existir. Todos os nossos projetos são cancelados ou adiados e nossos pensamentos vivem ocupados quase que exclusivamente com os pais doentes.
Perder os pais é doloroso porque é como se perdêssemos nossa referência, nossa origem, nossa história. Depois que eles se vão, não sabemos como retomar nosso caminho. Quando tentamos fazer alguma coisa, somos consumidos por um vórtice voraz que nos remete para as últimas semanas de sofrimento, de lágrimas, abraços de pêsames. Se direcionamos os pensamentos para o passado, quando tudo era mágico e seguro, lá vem o vórtice nos engolfando. Não há nada seguro, não há lugar seguro. Às vezes acordamos com a lembrança de que tal medicamento tem que ser comprado bem antes que o outro acabe, e aí nos lembramos que tudo isso já passou. Acontece. Há fatos que permanecem além da nossa capacidade de controlá-los.
Mas nossa mente é mágica, ela busca para nós aquilo exatamente que desejamos. Só que ela precisa de um tempo. Para assimilar que a porta do quartinho já não existia mais, minha mente levou cerca de duas semanas. Para assimilar que nossos pais não existem mais e que urge encontrar novos caminhos, certamente ela vai precisar de mais tempo. No início do luto o voo é de fato às cegas, neste caso simplesmente é deixar rolar.
Por mais cruel e triste que possa parecer, ouvi de uma sábia pessoa: a morte é uma libertação para os que se vão e também para os que ficam. É normal não saber o que fazer com esta estranha liberdade.                 

sexta-feira, 13 de julho de 2018

OS MENINOS DA CAVERNA


            Assim como todo o mundo eu me emocionei muito com o salvamento dos meninos da Tailândia. Da mesma forma me emocionei com a tenacidade dos sobreviventes dos Andes e dos mineiros do Chile. Para sempre vou guardar na memória a imagem da pequena cápsula que transportou os mineiros chilenos da caverna para o mundo. Recebeu o nome de Fênix, aludindo à lendária ave que ao atear-se fogo para renascer das cinzas, preserva a esperança no mundo, esperança que nunca deverá morrer.
            Infelizmente, nem sempre tudo acaba bem. Muitos mineiros chineses já morreram soterrados e refugiados morrem afogados tentando escapar da violência ou morrem à míngua, excluídos pelos ditos civilizados. Mas não é por isso que não vamos nos alegrar com o incrível salvamento dos garotos e do técnico do já famoso time “Javalis selvagens”.  Vamos nos exultar! Quando assisti à fragilidade dos meninos tailandeses e do esforço universal para salvá-los, lágrimas me vieram aos olhos. Minha esperança na humanidade esteve em alta.
            Este salvamento só foi possível pela solidariedade, uma união de esforços de todas as pessoas, desde tailandeses até uma infinidade de estrangeiros que se dispuseram a ajudar para que os meninos fossem salvos. Os mergulhadores foram os grandes heróis que emocionaram o mundo, a começar pelo mergulhador tailandês que perdeu sua vida pelos outros. O médico australiano Richard Harris foi o último membro da equipe de resgate a deixar a caverna. Além de médico e mergulhador, é fotógrafo subaquático, tendo já participado de inúmeros resgates. Ao tempo em que deixava a caverna, já com todos os meninos salvos, ele recebia a notícia da morte de seu pai. Urgia salvar os garotos, e Harris não hesitou. Assim também cada um dos mergulhadores, dos médicos, dos habitantes locais, cada um deles tem uma história para contar.
            Tudo foi difícil, arriscado, tudo parecia impossível, até que fosse feito, como dizia Nelson Mandela. Esta união de mergulhadores estrangeiros com o objetivo único de salvar pessoas ultrapassou as barreiras dos países, mostrando que a Terra é a pátria de todos nós, nosso único lar, que todos estamos no mesmo barco. Como seria louvável se todas as crianças, se toda a gente necessitada de libertação fosse salva das cavernas do preconceito, da exclusão, da fome, da indiferença. Aqui nós só ficamos na oração, na torcida, no pensamento positivo para que tudo desse certo. Mas aqui mesmo, onde quer que estejamos há crianças precisando ser libertadas. Cada pessoa sempre pode fazer alguma coisa para salvar alguém.
            A solidariedade é a única saída para a indiferença. Que todos possamos deixar a Caverna para percebermos que o mundo fervilha aqui fora à nossa volta. Só assim poderemos nos reformular     e resgatar nossos valores e recuperar nossos sentidos. Nossa identidade já formada será nossa de fato ou de outros que nos legaram? Sair da Caverna implica uma profunda reflexão, um despojamento total, um novo olhar bem diferente daquele que nos aprisionava ao que é apenas aparente, às sombras. Sair da Caverna da escuridão implica aprender a ver mais, a perceber mais o outro. Implica acolher uma bondade universal, ainda que extremamente dolorosa. Só assim aprenderemos a existir autenticamente neste mundo caótico e belo que nos rodeia e no qual estamos irremediavelmente ou felizmente inseridos.  
                       


sábado, 7 de julho de 2018

TRAGO DENTRO DE MIM


Trago dentro de mim
Traços de amargura
Laços de ternura
Cheiros de Jasmim
Lágrimas passadas
De dores mal curadas
Desde que nasci
Pedaços de melodias
Lembranças, nostalgias
Pequenas grandes alegrias
Segredos de infância
Coisas sem importância
Sonhos desfeitos
Jardins de Amores-Perfeitos
Frios no estômago
Uivos de dor em meu âmago
Um romance que não escrevi
Lugares que não conheci
Cartas que rasguei e não li

Trago dentro de mim
Em um secreto jardim
Uma linda bailarina
Uma doce menina
Que em meu coração eu prendi.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

ASAS POR UM DIA


ASAS POR UM DIA

Queria só por um dia
Ter asas e voar
Nos sonhos até já consigo
É fácil como andar sobre o mar.

Mas na vida real
É pé no chão
Guardo as asas no coração
E do mar só o murmúrio posso escutar
Mas tá bom
Não posso reclamar
Sou feliz. Sou inquieta
E quase poeta.