sábado, 26 de janeiro de 2019

MEU ADORÁVEL IMAGINÁRIO

 
            O ano era 1995. Éramos três colegas e amigas recém-saídas do BB no primeiro plano de demissão voluntária do Brasil. Naqueles primeiros meses resolvemos fazer uma viagem até Campos do Jordão com direito a dormir na encantadora cidade. Éramos muito mais novas, as três sozinhas, livres, sem namorados, noivos ou maridos, repletas de histórias e sonhos. Já tínhamos reservado uma diária num pensionato no centro. Era bem mais barato e como não éramos mais funcionárias do BB, achamos por bem sermos mais cautelosas com a grana. Uma vez registradas no pensionato, sem tempo a perder, logo fomos para Capivari, ávidas por aventuras.
            Era um sonho! Um bairro como na Europa, chique no úrtimo! Lugares elegantes, pessoas sofisticadas, choperias, restaurantes e hotéis. Eu me lembro que reparei bem num hotel exatamente localizado no centro nervoso de Capivari. Com arquitetura diferenciada, possuía charmosas sacadinhas de madeira dando para todos os lados. Fiquei maravilhada e jurei para mim mesma que um dia voltaria lá, se possível acompanhada e ficaria hospedada naquele hotel. Ainda comentei com minha amiga, olha que beleza, talvez levada pela emoção do filme antiquíssimo “Ladrão de casaca” com Grace Kelly e Cary Grant na Riviera Francesa. Entramos as duas no saguão e pedimos um cartão do hotel que fiz questão de guardar como algo sagrado. Enfim, aproveitamos o dia, almoçamos num adorável bistrô alemão, tomamos café em uma cafeteria cheirosa e voltamos para dormir no pensionato de freiras, que de hotel na Riviera Francesa não tinha nada.   
Pois bem, o tempo passou e quase me esqueci do hotel. Vinte e dois anos mais tarde voltei lá com meu marido e imagine: com reserva naquele hotel. Era meu aniversário e eu estava radiante para conhecer o recinto. A sensação foi a mesma de quando entrei em minha casa da infância. Emocionada, porém, decepcionada. Peraí gente, a sala era maior, não é possível que seja a mesma. Aquela época já estava enterrada no túnel do tempo, impossível resgatá-la. As coisas encantadas que julgamos maravilhosamente indestrutíveis, só o são em nosso rico imaginário. Por alguma razão eu precisava daquele sonho, daquele desejo de ficar num hotel chique, vivendo uma vida de Grace Kelly em um elegante hotel na Rivera Francesa. Convenhamos, por mais que não fôssemos mais do BB, uma noite num hotel chiquérrimo aqui ou em Paris não mataria ninguém. É o simbólico do sonho glamoroso bem acima de mera questão de dinheiro. Enfim, achei o hotel decadente, piso de cerâmica, nada a ver com assoalhos carpetados. Muito frio de maio e não havia aquecimento. Lógico que eu imaginava que o quarto teria até uma lareira.
De bom mesmo, havia só meu marido e o Catena Zapata que estava deliciosamente impecável, me deixando zonza naquela zonzeira gostosa que o bom vinho faz. No dia seguinte viemos embora e eu senti um gosto amargo de perda ou de traição que não compreendia até que li “Em busca do tempo perdido”. Percebi que eu havia conseguido manter em torno de mim “o fio das horas e a ordem dos anos e dos mundos” (Roland Barthes). Exatamente como quando, já adulta, fui visitar a casa da infância. Como Proust eu digo que “as paredes abaladas da minha memória cederam”. A casa era a mesma, mas eu não era a mesma pessoa. O hotel era o mesmo, mas eu não era a mesma. Acontece, é humano. O imaginário da gente sempre cria fantasias ideais que acreditamos serem verdadeiras e procuramos trancá-las a sete chaves como um tesouro a ser guardado e reverenciado, pois no íntimo sabemos que as fantasias são frágeis. Na verdade trancamos fantasmas e fantasias. Com certa amargura percebo que nosso universo é desorganizado de tempos em tempos, como a nos mostrar a cruel realidade das coisas. Ora, o caos também é necessário, e o passado, bem, seu encanto está justamente em ser passado.   
              

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

REDEMOINHOS E FURACÕES


Engraçado o que aconteceu hoje. Eu vou aguentando, aguentando, aguentando o meu cabelo até que não dá mais. Aí vou pro salão pra cortar, mas não quero mais cortar muito curto. Então sempre levo uma foto que tenho há anos de um cabelo branco que eu amo por causa do corte que eu queria igual. Agora finalmente me convenci de que meu cabelo não é e nunca vai ser igual ao cabelo idealizado. Por que? Primeiro porque o cabelo da moça da foto é liso, o meu armado. Para complicar, tenho uns quatro redemoinhos pela cabeça afora e um furacão dentro. Segundo: que ilusão pensar que a modelo se levantou da cama com aquele cabelo. Imagine! De jeito nenhum. O cabelo foi todo atrapalhado por mãos de artista, sabe aquele atrapalhado chique? Então. E terceiro: A moça é a moça e eu sou eu. Cada um é cada um. São texturas, formas, tons e sei lá mais o quê diferente. Mas o pior que pode acontecer é a gente querer que além do cabelo, a cara também fique parecida com a cara da modelo. Aí já é demais!
Bem, então fui para o salão. Enquanto eu esperava minha vez fiquei observando uma senhora, senhora assim como eu. Ela estava de costas para mim fazendo pé e mão. E aconteceu que eu gostei muito do jeito do cabelo dela na parte de trás, cheinho assim, repicado. Então eu disse para a cabeleireira:
- Olha, eu estou gostando muito do cabelo dela, apontando para a senhora. Se der para o meu ficar parecido já tá bom.
Aí vira a senhora, feliz com o elogio, e diz:
- Olha só, o meu eu pedi para cortar do jeito do cabelo da Dona Josefa.
E a cabeleireira complementou:
- E a Dona Josefa me pediu para fazer o cabelo dela igual ao cabelo da Dona Tininha. E se não estou enganada, a Dona Tininha elogiou muito seu cabelo um dia em que você passou aqui em frente.
- Ahn??? O meu?Como assim?
Só sei, gente, que cada uma gosta é do cabelo da outra. A grama do vizinho é sempre mais verde. Cheguei e contei pro meu marido e ele me lembrou de quando tivemos um sítio. Nossos dois boizinhos ficavam lá comendo o capim do pasto e os bois do vizinho vinham pra nossa cerca, enfiavam a cara por onde dava para comer do nosso capim. Fato comprovado por nós com estes olhos que a terra há de comer.
Conclusão: Tratemos de gostar de nós com cabelos crespos, lisos, finos, armados, com redemoinhos na cabeça e furações dentro dela. Somos diferentes, seres únicos, até mesmo os gêmeos idênticos com o mesmo DNA são diferentes, cada um com um jeito de ser, de expressar alegria ou sofrimento. Cada uma de nós tem um encanto, às vezes muitos encantos que não nos damos conta. Tive uma amiga que costumava dizer que se a Miss Universo mais linda do mundo não acreditar que é linda, pode todo o mundo dizer que ela vai continuar se achando feia. Tudo depende da gente. Tudo está em nossa mente, coração ou espírito. A gente é o que está do lado de dentro. O que está por fora é o que aparentemente aparece. 
 Há outro ponto a se considerar: com a idade, além de outras perdas, vamos também perdendo cabelos, é um fato lamentável, mas é fato. Então pra que ficar querendo isso mais aquilo, namorando a foto de uma modelo de cabelos brancos que, talvez, quiçá são até pintados de branco e não originais? Quer saber? A coisa mais bonita do mundo é a gente ser única! Ah, isto é sim.