O ano era 1995. Éramos três colegas
e amigas recém-saídas do BB no primeiro plano de demissão voluntária do Brasil.
Naqueles primeiros meses resolvemos fazer uma viagem até Campos do Jordão com
direito a dormir na encantadora cidade. Éramos muito mais novas, as três
sozinhas, livres, sem namorados, noivos ou maridos, repletas de histórias e
sonhos. Já tínhamos reservado uma diária num pensionato no centro. Era bem mais
barato e como não éramos mais funcionárias do BB, achamos por bem sermos mais
cautelosas com a grana. Uma vez registradas no pensionato, sem tempo a perder,
logo fomos para Capivari, ávidas por aventuras.
Era um sonho! Um bairro como na
Europa, chique no úrtimo! Lugares elegantes, pessoas sofisticadas, choperias,
restaurantes e hotéis. Eu me lembro que reparei bem num hotel exatamente
localizado no centro nervoso de Capivari. Com arquitetura diferenciada, possuía
charmosas sacadinhas de madeira dando para todos os lados. Fiquei maravilhada e
jurei para mim mesma que um dia voltaria lá, se possível acompanhada e ficaria
hospedada naquele hotel. Ainda comentei com minha amiga, olha que beleza,
talvez levada pela emoção do filme antiquíssimo “Ladrão de casaca” com Grace
Kelly e Cary Grant na Riviera Francesa. Entramos as duas no saguão e pedimos um
cartão do hotel que fiz questão de guardar como algo sagrado. Enfim,
aproveitamos o dia, almoçamos num adorável bistrô alemão, tomamos café em uma
cafeteria cheirosa e voltamos para dormir no pensionato de freiras, que de
hotel na Riviera Francesa não tinha nada.
Pois
bem, o tempo passou e quase me esqueci do hotel. Vinte e dois anos mais tarde voltei
lá com meu marido e imagine: com reserva naquele hotel. Era meu aniversário e
eu estava radiante para conhecer o recinto. A sensação foi a mesma de quando
entrei em minha casa da infância. Emocionada, porém, decepcionada. Peraí gente,
a sala era maior, não é possível que seja a mesma. Aquela época já estava
enterrada no túnel do tempo, impossível resgatá-la. As coisas encantadas que
julgamos maravilhosamente indestrutíveis, só o são em nosso rico imaginário.
Por alguma razão eu precisava daquele sonho, daquele desejo de ficar num hotel
chique, vivendo uma vida de Grace Kelly em um elegante hotel na Rivera Francesa.
Convenhamos, por mais que não fôssemos mais do BB, uma noite num hotel
chiquérrimo aqui ou em Paris não mataria ninguém. É o simbólico do sonho
glamoroso bem acima de mera questão de dinheiro. Enfim, achei o hotel
decadente, piso de cerâmica, nada a ver com assoalhos carpetados. Muito frio de
maio e não havia aquecimento. Lógico que eu imaginava que o quarto teria até
uma lareira.
De
bom mesmo, havia só meu marido e o Catena Zapata que estava deliciosamente
impecável, me deixando zonza naquela zonzeira gostosa que o bom vinho faz. No
dia seguinte viemos embora e eu senti um gosto amargo de perda ou de traição
que não compreendia até que li “Em busca do tempo perdido”. Percebi que eu
havia conseguido manter em torno de mim “o fio das horas e a ordem dos anos e
dos mundos” (Roland Barthes). Exatamente como quando, já adulta, fui visitar a
casa da infância. Como Proust eu digo que “as paredes abaladas da minha memória
cederam”. A casa era a mesma, mas eu não era a mesma pessoa. O hotel era o
mesmo, mas eu não era a mesma. Acontece, é humano. O imaginário da gente sempre
cria fantasias ideais que acreditamos serem verdadeiras e procuramos trancá-las
a sete chaves como um tesouro a ser guardado e reverenciado, pois no íntimo
sabemos que as fantasias são frágeis. Na verdade trancamos fantasmas e fantasias.
Com certa amargura percebo que nosso universo é desorganizado de tempos em
tempos, como a nos mostrar a cruel realidade das coisas. Ora, o caos também é
necessário, e o passado, bem, seu encanto está justamente em ser passado.