Assim como muitas pessoas já tentei
manter um diário. Ainda tento. O último, para meu espanto, teve início em
14/11/2017. Abandonei depois de quinze dias, como sempre. Meu primeiro diário sobreviveu
por quatro anos, dos meus doze aos dezesseis. Depois rasguei tudo, penso que
num momento de raiva, de frustração ou porque eu tinha a consciência nítida de
que não era um diário sincero, honesto, como se eu quisesse impressionar alguém,
no caso eu mesma, coisa de louco. E rasgar esses cadernos foi uma verdadeira tragédia,
pois de qualquer maneira todas aquelas anotações saíam de mim, assim deveriam
conter alguma verdade. Até de mentiras ou fingimentos a gente extrai um
fragmento de verdade. O fato é que restou dos cadernos apenas um desejo imenso
de resgatar o que não pôde mais ser resgatado.
Enfim, voltemos ao último diário de
2017. Depois de uma semana ou pouco mais, ao ler o que tinha escrito, achei
bobinho, como se o diário tivesse a obrigação de ser solene e de ter valor
literário. Tal como em outros diários, captei laivos narcisistas nos meus
relatos confessionais. Concluí que um diário sempre vai martirizar quem escreve
com esta sensação de fingimento, de não ser sincero consigo mesmo. No entanto,
perseguida pelo desejo de manter um diário, torno a ele e recomeço sempre. Ao
ler o primeiro parágrafo do que escrevi em 2017, achei graça, sorri aqui
enquanto digito porque me deparei com um verdadeiro e sincero propósito de escrever
simplesmente pelo pungente desejo de escrever. Assim, transcrevo para cá o
primeiro parágrafo e endosso o que escrevi. Fica valendo esta promessa para meu
próximo diário:
“Como me propus a escrever diariamente
qualquer impressão do dia vivido, acabei de configurar a página, ainda nem
salvei, mas vamos falar sobre alguma coisa. Antes de tudo, prometo solenemente
não ficar preocupada com alguém ou outrem que possa ler. Prometo solenemente
escrever pelo puro desejo de escrever”. Não me lembrava ter escrito esta
promessa. Fiquei surpresa e achei o propósito super honesto! Valeu!
O problema do diário é que se alguém
realmente o tiver em mãos vai complicar porque é evidente que o diário pode
envolver outras pessoas além de mim. Mas eu me pergunto: não poderia ser um
diário apenas de pensamentos e sentimentos? Posso simplesmente escrever o que
me der na telha, porém não citar nomes. Humm, não sei, vou acabar me policiando
e não será mais sincero. Na verdade o problema do diário é outro, está na
imagem que desejo preservar até de mim. Uma coisa é escrever uma crônica do
cotidiano e outra escrever só para mim. Um diário é um confronto com a gente
mesmo, é um livro de confissões. Acho que superei Freud ou pelo menos dei a ele
um prato cheio que sou.
No fim de tudo, uma coisa é certa: é
bobagem não querer se expor. Quem escreve se expõe, invariavelmente. Querendo
ou não, quem escreve abre a alma e a deixa registrada em romances, crônicas,
contos, poemas, blogs, ainda que pretenda delegar suas impressões a um pobre e indefeso
narrador. Já dizia Saramago, “o leitor não lê o romance, lê o romancista... o
Autor é todo o livro.”
Posto
isto, declaro que não prometo solenemente coisíssima nenhuma. A gente vai
vivendo e vai escrevendo sem se impor regras rígidas. Vou indo de crônicas e um
poema aqui e ali, o que gosto de fazer. O que eu sei é que sou a memória que
tenho, eu sou a única história que posso contar, se não para os outros, para mim
mesma, ainda que doa, meu querido Diário!