Ninguém pode negar a influência
norte-americana na cultura brasileira. Por mais que queiramos nos desvincular
dessa influência, gostamos dos filmes, seriados, assistimos ao Oscar,
incorporamos o milk shake, os hamburgeres, a coca cola e tudo o mais. Meu pai que gostava de inglês,
estudava por conta própria e escreveu uma carta para a embaixada americana no
Rio pedindo livros que pudessem auxiliá-lo. Chegou um farto material que também
me ajudou muito com o inglês. Até hoje conservo um livro grosso de literatura
americana com fotos coloridas belíssimas, de onde tirei a ideia de escrever o
conto “Vida em Verna” baseado no conto “Of missing persons” de Jack Finney.
E
aí chegou nossa primeira TV em Pedralva e lógico que Bonanza e Papai sabe tudo
passaram a fazer parte de nossa vida familiar. Papai sabe tudo era ma-
ra-vi-lho-so! Mostrava uma família pra lá de perfeita. Gostávamos de tudo, da
casa, da cozinha americana onde a família discutia os assuntos do dia, da
sabedoria do pai, da mãe sempre feliz, dos filhos que traziam para os pais problemas
irrisórios e pueris. Foi a primeira vez que vi um casal dormir em camas
separadas, há que se considerar que o seriado vinha da década de 50 e antes de dormir
conversavam como bons amigos que eram, e depois do boa noite, cada um apagava
seu abajur. Era lindo! O que mais me encantava eram os abraços diários trocados
sem que fosse aniversário ou Natal. Como não podia ser de outra forma passamos
a idealizar um pai que fosse como aquele pai perfeito do filme. Uma prima me
confidenciou que tudo que queria era que seu pai fosse o pai do Papai sabe
tudo. Até minha mãe assistia às cenas familiares dos americanos, lançando ternos
olhares para aquele marido gentil.
Passou-se muito tempo para que
compreendêssemos que aquele seriado água com açúcar não era a vida real de uma
família, nem a nossa, nem de nenhuma família americana. Mas até que a ficha
caísse achávamos que poderíamos ter uma casa com gramado e cerquinhas brancas,
que nosso pai poderia ter a sabedoria do pacato vendedor de seguros Jim
Anderson e que nossa mãe fosse doce como a Mrs. Margaret.
Mas ainda nos dias de hoje percebo
que volta e meia vamos idealizando o que existe nos filmes, não o “ser” daquela
encantadora família dos anos 50 e 60 e sim o “ter” de nossa era de cruel
consumismo. Confesso que já mandei fazer dois vestidos iguais ao da Lady Di,
que hoje já estão fora de moda e sempre procurava um corte de cabelo parecido
com o dela. Há anos passava um seriado australiano e minha irmã, rindo a não
poder mais foi me mostrar os sapatos pretos que havia comprado parecidos com os
da “Rachel”, uma corajosa policial. Depois me apareceu usando óculos ray ban da
Olivia Benson do seriado Law e Order. E em nossa última viagem de repente ela
tira da mala uma camisa branca de seda à la Stella Gibson, a enigmática
detetive do The Fall. Enfim, faz parte da nossa humanidade feminina nos
mirarmos em belas heroínas que sempre vencem. Nem sempre. No tal seriado
australiano a Rachel morreu. Vai ver que a atriz tinha que sair do seriado,
assim acabou ficando mais próximo do real como é a vida de todo mundo.
Meu
pai não sabia de tudo como o Jim Anderson e minha mãe não era doce como Mrs.
Margaret, contudo nós aprendemos amar nossos pais como eram, mesmo entre os
problemas leves, médios e severos. O bonito da vida é o amor pelas pessoas que
são como são e não como gostaríamos que fossem.