sábado, 28 de novembro de 2020

AFEIÇÃO

 


Afeição tem que ser construída

Como tudo na vida

Ai de quem pensa que não

Se não se constrói a afeição

Tem-se apenas a obrigação

 

Afeição requer cuidado

Às vezes redobrado

Afeição requer paciência

Tolerância e indulgência

 

É difícil, porém possível

Recuperar a afeição perdida

Quem sabe até a não construída

Depende do perdão

E de cada coração.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

QUERIDA FLORZINHA


Querida florzinha

Há muito que te procuro

Tens muito a me ensinar

És tão pequena, tão sozinha

E tão pronta pra amar

 

Quero aprender o segredo

De ser só e não ter medo

Se tiver o que é que tem?

Sou sozinha também

O poeta é sempre só

Ou finge que é

Não sei bem

 

E a florzinha respondeu:

 

Querida irmãzinha

A vida passou, poucos dias vivi

Muitos sonhos perdi

Entre ciscos e pedras nasci e cresci

Mas cumpri o meu papel

Com o vento e a água do céu

Sejas pequena

Sejas simples, estejas bem

É feliz quem ama o que tem.

 


O SAGRADO SILÊNCIO (SILÊNCIO DE OURO)

 


Outro dia eu segui a orientação de minha irmã e fui assistir no youtube a um vídeo que falava sobre o Milagre Eucarístico ocorrido em Itaúna, acho que em 2004. A sacristã e Ministra da Eucaristia “Fia” relata os detalhes que envolveram o milagre. Ela foi a pessoa diretamente ligada ao fato, pois foi quem viu pela primeira vez o vidro com água que continha as hóstias consagradas transformadas em água sanguinolenta e pedaços de carne, tal como ocorreu no Milagre de Lanciano. Evidentemente que qualquer relato envolvendo o Milagre Eucarístico é comovente. Faz a gente ficar pensativa e meditar sobre o que não pode ser explicado pela ciência. Mas o que me moveu a escrever foi sobre a pessoa da Fia.

Fia é pessoa simples, direta, não se preocupa com sua imagem. Fala bem, explica como se estivesse contando o que ocorreu para uma pessoa da família. No momento em que ela se deparou com aquela cena, ela soube imediatamente que caberia a ela guardar em seu coração este segredo para só relatar ao Pároco que por sua vez iria relatar ao Bispo, tudo a seu tempo. Todo o cuidado com a beleza e santidade do fato seria pouco. É claro que chegaria o momento em que todos na cidade, no país e no mundo ficariam sabendo. Mas naquele momento era necessário o silêncio. E Fia guardou este silêncio como um tesouro. “Nem para minha mãe”, disse ela. O silêncio é um tesouro.

E quando Deus se manifesta, Ele sabe para quem, Ele escolhe. São pessoas predestinadas, santas ou a caminho da santidade. Deus conhece as pessoas para quem distribui pérolas. Ele sabe de todas as coisas. E eu que falo tanto, vou aprendendo a falar menos, a falar o essencial, não falar o que não é preciso. Já me arrependi muitas e muitas vezes por falar demais. 

O silêncio me fascina porque ele já carrega algo de sagrado. O silêncio se preenche. Não há necessidade de falar. Um tempo de silêncio é um tempo sagrado. Penso muito no silêncio de Nossa Senhora que em tudo pensava e guardava em seu coração. Penso no silêncio dos santos. Penso em Santa Teresinha que dizia: “Bendito silêncio que tanta paz infunde na alma.”

Ninguém disse a Fia que ela deveria manter o milagre ainda escondido. Ela sabia em seu coração. Fiquei emocionada com o milagre e com a pessoa da Fia. Gostaria de ser como ela. Quando ela conseguiu achar o padre e o levou até à Sacristia, ao mostrar o vidro, o padre ficou perplexo, qualquer pessoa ficaria. Ele precisou se sentar. Mas Fia não se abalou nem um instante. Ela disse algo como: nunca tive nenhuma dúvida de que Jesus está na hóstia consagrada, portanto, nada mais natural do que o sangue e carne estarem ali presentes. Ela se ajoelhou diante do vidro com água e sangue da mesma maneira que sempre se ajoelhou diante da hóstia consagrada.  

A quem interessar, assista ao depoimento de Fia depois de dezesseis anos do milagre ocorrido. Encantou-me o silêncio da Fia. E finalizo com Santa Teresa de Ávila que ainda hoje li, sobre a Regra de sua Ordem: “No silêncio e na esperança estará a vossa fortaleza.” (Isaias, 30,15)     

ADORÁVEIS MULHERES

 


Tenho quatro primas que são quatro irmãs inseparáveis. Cada uma mora em uma cidade, mas sempre que possível elas se encontram, ora em casa de uma ou de outra. Quando elas têm um fim de semana inteiro para estarem juntas, é uma festa. Falam de tudo, riem muito. São espirituosas, alegres e engraçadas. Suas filhas e sobrinhas adoram estar presentes para ouvir as prosas.

Na minha família somos três irmãs e uma mora bem longe e quando vem, também é uma festa. Nossas conversas vão de lembranças, de receitas, de cães e gatinhos, de tudo. Falamos muito das coisas de Deus, dos santos e piedades. É tão bom!

Certa vez uma amiga me contou que sua mãe quando encontrava as irmãs e eram muitas, a alegria era tão grande que elas ao longo da vida desenvolveram uma linguagem própria, coisa de linguística mesmo, de assustar os estudiosos da matéria. Falavam e só elas entendiam aquela linguagem de amor e alegria!

As famílias eram numerosas nos tempos antigos e assim, as irmãs também eram muitas, mas eu sempre me lembro de Nossa Senhora que sendo filha única visitou Santa Isabel, sua prima, e como devem ter conversado naqueles meses!

Outro dia, li no Medium, plataforma americana onde também posto crônicas, li um artigo que me emocionou. A autora conta que faz parte de três gerações de mulheres que se reuniam, avós, mães e filhas, ao redor de um bordado imenso que rodeava uma grande mesa. Ali todas juntas, elas falavam de tudo como nós aqui. Cada uma trazia seu material e a colcha bordada era chamada de “Crazy Quilt” (Colcha louca). Elas conversavam, riam e às vezes choravam. A tradição acabou com a morte da última avó na década de 80. Ela comenta sobre a sabedoria que ganhou das nove mulheres que mantinham vivas a colcha e a amizade. 

Reflito também sobre as lavadeiras de antigamente que lavavam as roupas no rio, levavam aquelas tábuas tanquinho. Como riam, como falavam, como cantavam, às vezes também choravam. Tudo com o ruído da água que passava. A vida era difícil como ainda é, só que essas mulheres, quando se reuniam, eram felizes.

Percebo que as mulheres são mais unidas, mais cúmplices, mais fraternas, é da nossa natureza, somos assim, sensíveis, acolhedoras. Sentimos coisas milenares, inomináveis. Podemos carregar dores inconsoláveis em silêncio, choramos sempre, mas também podemos tagarelar um dia e uma noite inteira, rir até cansar. Trazemos sabedoria e fortaleza dentro de nós desde que nascemos. Sabemos consolar umas às outras. Somos seres especiais, somos a alma da família, a alma da casa. Mia Couto que o diga:

- Tenho saudades de minha casa, lá na Itália.

- Também eu gostava de ter um lugarzinho meu, onde pudesse chegar e me aconchegar.

- Não tem Ana?

- Não tenho? Não temos, todas nós, as mulheres.

- Como não?

- Vocês, homens, vêm para casa. Nós somos a casa.

(Extracto de um diálogo entre o italiano e Deusqueira – O último voo do flamingo, Mia Couto)

 

            Nunca vou me esquecer de uma amiga que fez o seguinte comentário: “Se as mulheres governassem o mundo, não haveria guerra” (Elika Takimoto)

   

PRIMAVERA/VERÃO

 

PRIMAVERA/VERÃO

Misa Ferreira

 

É Primavera

Não fosse pelos Lírios da Paz

Eu diria que não era

É preciso não se esquecer dos Beijinhos

Mas beijinhos sozinhos

Não fazem a estação

Por aqui estão e sempre estarão

Mas os Lírios e a Paz ...

Pode ser que não. Nunca mais.

O mundo está mudando

Temo que a Primavera

Venha a ser uma quimera

Não importa

Sempre estaremos à espera

Das flores com todo o coração

Pois esta Primavera já vai virando Verão.

CAPITÃES CORAJOSOS

  

“Harvey Cheyne é um menino mimado que recebe duras LIÇÕES DE VIDA depois de cair no oceano e ser resgatado por um barco de pesca.” Assim está escrito na sinopse do filme: CAPTAINS COURAGEOUS, de 1996. Normalmente fujo dos filmes antigos, prefiro os atuais e como sempre, ao radicalizar, acabo perdendo preciosidades. Felizmente esta preciosidade não perdi e recomendo. Chorei muito, não de tristeza, e sim de pura emoção. Este filme é um ensaio sobre a bondade.

Cansada de assistir a tanta violência, tanta banalidade, tanta bobagem, tanto egoísmo, de repente dou de cara com um clássico que ensina verdadeiras lições de vida, um aprendizado sobre a amizade, bondade, dignidade. Este filme me emocionou muito, me deu coragem para viver nesses tempos difíceis que vivemos, diante da valorização do que não tem valor de fato, diante do isolamento, do medo, das adversidades.

Não posso falar muito do filme porque isso não se faz. Quem não assistiu, vai querer assistir, assim, tomarei cuidado para não contar tudo, se bem que, mesmo que eu contasse tudo, minhas palavras nunca seriam totalmente fieis, nunca fariam jus à beleza do filme. Como dito na sinopse, Harvey é um menino riquinho e mimado de quatorze anos que cai de um navio e é resgatado por um barco de pesca, comandado por um capitão digno e corajoso. Harvey conhece Dan, o filho do capitão, um aprendiz de pescador de dezesseis anos, um garoto muito bom, que aprendeu o ofício com o pai e os pescadores. O que é marcante em Dan é sua bondade, sua humildade. Eu me encantei com o Dan.

O barco de pesca ainda vai ficar no mar por alguns bons meses e Harvey não tem opção senão trabalhar para comer, como todos os outros que receberão seus salários ao final da viagem. Arrogante, o menino rico quer pagar ao capitão para desviar sua rota e suspender a pesca para levá-lo a Nova York. Aos poucos, Harvey vai aprendendo a ser grato, a pedir desculpas e, acima de tudo, vai aprendendo o valor de uma preciosa amizade e nisso Dan tem um papel fundamental.

Harvey aprende a pegar seu primeiro peixe, a manejar o leme, a limpar o barco. Ele vai se transformando pouco a pouco, e tem coisa mais bonita de se ver no mundo do que a transformação de uma pessoa? Já aprendi que os milagres podem acontecer instantaneamente, mas às vezes os milagres têm que ser construídos e isto também pode levar algum tempo, até uma vida inteira. Dan sempre intercedia por Harvey junto ao pai durão, e o Capitão lhe disse: “quando ele chegou, sabia de todas as respostas, depois foi aprendendo a fazer perguntas.” Harvey aprende muitas lições e entre elas, que há momentos e lugares em que o dinheiro não vai servir para nada.  

Os dois garotos se tornam grandes amigos e trocam confidências. Dan dá de presente a Harvey o que ele tinha de mais caro, afinal, os verdadeiros amigos sempre fazem isso. Harvey aprende o valor da humildade, do respeito. Importante mencionar a bondade dos pescadores, a convivência fraterna e alegre de todos eles. Que beleza, gente!

Será que estou tão carente assim de bons valores, de sentimentos bons? Ah estou sim. Não só eu, o mundo todo.  Tudo muito bonito. Vale a pena. Como diz o povo: Super recomendo. Você corre o risco de chorar, mas não de tristeza, mas de beleza e de emoção. Embarque nesta viagem e se encante.

    

INOCÊNCIA E PIEDADE INFANTIL

 

 

Nada me comove mais do que a piedade infantil, a inocência bendita! Na “História de uma Alma”, Santa Teresinha conta que bem pequena viu um pobre velho que penosamente se arrastava em duas muletas. Correu ao seu encontro e quis dar a ele seu “vintenzinho”. Para surpresa dela, ele recusou, mas lançou a ela um triste olhar e um doloroso sorriso. Santa Teresinha era muito pequenininha, mas recordou-se de ter ouvido dizer que no dia da Primeira Comunhão alcançavam-se todas as graças pedidas. Ela guardou em seu coração a promessa de pedir pelo pobrezinho e cumpriu este pedido daí a cinco anos, quando então fez sua Primeira Comunhão. “E sempre cri que a minha prece infantil por esse pobre homem tivera a benção e recompensa do Céu.” Disse ela.

Hoje, assistindo ao Terço pela Canção Nova, percebi que a moça que sempre está lá dirigindo o terço havia levado sua filhinha. E a menina foi contemplar o último mistério. Como toda criança, comeu algumas sílabas, engasgou, e achei uma graça quando ela repetiu dez vezes: “Bendito é o fruto do “nosso” ventre”. Ri muito.

E não pude deixar de me lembrar, sorrindo sozinha, quando minha sobrinha pequenininha rezava o final do Pai Nosso: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do ‘LOBO MAU’. Amém.” Tudo na maior seriedade. Um amor!

Meu irmão mais novo, na época, com seis anos talvez, chutando bola no corredor de casa acertou um lindo crucifixo de gesso com o rosto de Jesus em dourado. O gesso espatifou-se pelo chão. Minha mãe veio correndo da cozinha e já encontrou meu irmão arrasado, vertendo lágrimas sem remédio, com o rosto vermelho, como me lembro disso! Ele chorava copiosamente, não por medo de levar uns tabefes, mas por ter machucado Jesus. Minha mãe bem que queria partir para uns tabefes, mas devido ao estado lamentável do meu irmão, ela não teve outra coisa a fazer a não ser consolá-lo. Era real para ele que Jesus havia sido machucado. Fico pensando em Jesus sorrindo com carinho para aquele menino que ele era.

Santa Teresinha já era santa quando menina, já era predestinada, mas sua vida não foi mais fácil por isso, pelo contrário, foi muito difícil (“Não imaginava eu então que para chegar à santidade, fosse preciso sofrer tanto”). Entretanto, quando criança, era uma menina ativa, feliz, espirituosa, voluntariosa, fazia mil perguntas para a mãe, era mimada por todos. Falava muitas coisas bonitinhas sobre o Céu. 

A infância é receptiva e sábia, marcada pela intuição. Não é por acaso que Jesus aconselhava que acolhêssemos o reino de Deus como uma criança. Quando nos tornamos adultos, vacilamos na fé. Vamos caminhando sobre as águas, mas tal como Pedro, quando o vento fica mais acirrado, somos tomados pelo medo e afundamos. Já não podemos mais contar com a sagrada inocência da infância em que todas as coisas são possíveis.

Se a gente não se fizer criança, a vida ficará difícil, seremos estranhos num mundo cada vez mais estranho e impossível. Não podemos também mais contar com o colo dos pais, mas temos os braços do Pai do Céu para nos acolher. 

Feliz Dia das Crianças para todos nós!

 

 

 

 

 

CELULITE - Luta inglória

 


Sempre convivemos bem, eu e a celulite. Ela, bem longe de mim. Eu a conhecia de outras mulheres. Vista assim de longe, eu sempre achei feio, mas não era comigo, então eu não sentia na pele. Quando as mulheres reclamavam perto de mim, eu dizia, “bobagem, toda mulher tem”. Aí me chamavam atenção, “você não tem”. E eu fazia um ar bobinho de sem graça. É fato, eu não tinha celulite até os quarenta e tantos.

Eu era lisinha, firminha, bonitinha. E sinceramente eu achava que nunca teria celulite. Por volta dos cinquenta, a coisa foi degringolando, mas era pouco. Assim mesmo, batalhei contra ela. Fiz isso, mais aquilo, bota gesso, corrente russa, mandei vir do Canadá uns cremes sofisticados. Prometi a mim mesma que a venceria. Bem, batalhar contra a celulite é uma luta inglória! Para ganhar eu teria que amanhecer e dormir na estética, ganhar três vezes mais e ser muito persistente. Teria que mudar minha alimentação, fazer exercícios a contento. Ah, envelheci, dá licença? Quero curtir mais a vida, me dar ao luxo de comer doce, de ficar de bobeira, exercício físico, tá bom, a gente precisa, mas nem tanto.

Enfim, eu ainda batalhava, mas acabei apelando para uns cremezinhos mais baratinhos, numa ilusória esperança de que a celulite não aumentasse, quem sabe né? Capaz! Qual o quê? Depois dos sessenta fui covardemente massacrada e vencida pela celulite. Foi ladeira abaixo. Eu me olho no espelho e digo: ah Misa, que feiura! Aí a outra de mim fala pra mim: azar Misa, não tô nem aí. Já tenho idade, deixa rolar, há outras belezas a serem cuidadas, inclusive a beleza interior. Ah, mas eu queria ser como era antes. Impossible! Eu me rendi. Não se pode vencer toda guerra. Todo mudo envelhece. A gente pode e deve ficar bem cuidada, mas jovem nunca mais.   

Meu marido me consola dizendo que se eu fosse uma alienígena reptiliana eu não precisaria ficar preocupada com massagens ou cremes caros, pois o casco de réptil é imune à celulite. Prefiro a celulite. Ele, sempre carinhoso, ainda diz: deixa de ser enjoada, uma celulitizinha de nada! Quem ama, ama! Tá barrigudo, mas é feliz! É que homem é diferente de mulher.

Sou vaidosa, confesso. Não queria ser, mas sou. Há muitos anos conheci uma fisioterapeuta que me atendia. Ficamos amigas, e admirada, percebi que em seu cantinho simples, quase espartano, não havia enfeites, sequer um espelho!  Ela riu muito, me contou que sua mãe veio visitá-la e ficou brava com ela, por sua falta de vaidade. Senti uma santa inveja, se é que a inveja pode ser santa. Queria ser despojada assim, mais livre, sem querer me ver de perfil, coisas de mulher vaidosa. Acho bonito, honestamente.

A gente vai aprendendo. A idade chega e ensina. Ainda bem.  

       

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

SANTA FILA

 


           Se há um ano atrás alguém me dissesse que eu iria à Secretaria Paroquial da Soledade entrar numa fila para pegar uma senha pra missa de domingo, eu diria: tá loka, miga? E também diria que isso seria um “nonsense”, surreal! Fico feliz que minha mãe não viveu pra ver essas coisas. De repente tudo mudou mesmo, a vida mudou, o mundo mudou, os hábitos mudaram. Nunca mais saí pra um café fora de casa, acho que ninguém, né?

            Agora que as igrejas podem abrir e receber os fiéis ainda que timidamente, impossível não me emocionar com o sino batendo e chamando a gente pra missa. Vou, mesmo sendo “de risco”, pela idade. Saudades da Missa presencial. Fui confessar com hora agendada. Horário restringido, compactado, em tempos de pandemia. Uma confissão de menos de vinte minutos, menos que uma sessão de psicanálise lacaniana. Quando a gente começa a se animar pra falar, já está na hora de terminar. Tudo bem. Valeu.  

            Voltemos à senha. Saí de casa antes das sete da manhã e lá fui. Mesmo já tão quente lembrei-me de que na porta da igreja o vento bate furioso por esta hora, então catei uma blusa leve, mas esqueci do pescoço, da cabeça. E eu não posso com vento no rosto, acorda a rinite, sinusite e eu fico péssima. A dor de cabeça começou, ameacei entrar em pânico porque eu sei como fico em crise. Voltar pra casa, nem morta, já estava lá mesmo. O jeito foi virar para trás e começar um papo com a moça que, já precavida, trazia um lenço enrolado na cabeça. Foi ótimo o papo porque me distraí e logo demos conta da senha. Só que a dor de cabeça não foi embora, mas já estou medicada e guardada. Valeu a uma hora que passei na fila.     

            Já entrei em muitas filas, peguei muitas senhas, mas esta santa fila foi de gloriosa, como diria minha mãe. Glória a Deus! 

            No caminho da igreja, observei casas antigas, antes tão festivas, conversas e risos no portão, e agora fechadas há muito tempo. Refleti sobre a efemeridade da vida. Só a alma permanecerá. E como dizia Santo Agostinho: “Tenho que achar tempo, tenho que repartir as horas, para ocupar-me com a salvação de minha alma.”  

            Na volta, já perto de casa, tive que esperar a manobra de um caminhão imenso com estacas para um novo prédio. Quando me mudei para cá só havia meu prédio e mais outro, agora moro na Manhatan da Varginha. Olho para todos os lados e vejo prédios e mais prédios, fora o barulho do bate-estaca o dia todo.

            A vida é mudança! E a gente tem que abraçar as mudanças e seguir com o coração alegre porque Deus se agrada e nós ficamos mais leves, ainda que entristecidas por tantas coisas!   

REFLEXÃO

 


Eu sou as histórias que eu conto

As lembranças que eu tenho

Os sonhos que fiz poemas

Já vivi bem mais do que viverei

Mas pra quê tanta vida que esquecerei?

Tenho uma alma que é eterna

A dor de viver já não me consterna.

As perdas, as dores do coração

Por aqui ficarão,

Também ficará

Uma rosa queixosa

Por ter perdido a beleza

Mas não a delicadeza

De até o último instante

Se exibir em sua nobreza

Para que os poetas nunca percam

A sua inspiração.

 

 

domingo, 19 de julho de 2020

BRINCAR NA LUA




E se sem explicação
O mundo parasse
A Terra despencasse
E eu caísse no Japão
Sem passagem de avião?
E a Lua tão pertinho chegasse
Que iluminasse
A escuridão de nosso coração!
E num gesto cordial
Ela nos convidasse
Pra brincar de esconde-esconde
Em seu quintal
E se talvez aparecesse por lá
O Jesus menino querendo brincar com a gente
Todo mundo criança, todo mundo contente
E lá pelas tantas, Maria se punha a chamar:
Menino, tá na hora de estudar!
A gente também voltava pra Terra
Mas não via a hora de ir pra Lua brincar
E quando minha mãe perguntasse:
O que tem na Lua?
Eu diria com alegria: a Lua mãe?
A Lua tem quintal
É genial!




sexta-feira, 17 de julho de 2020

MARTHA ROCHA - A efemeridade da vida


MARTHA ROCHA
A efemeridade da vida

Fui ler sobre a vida da lindíssima Martha Rocha, primeira Miss Brasil em 1954. Nunca me esqueci de minha mãe contando sobre ela, de como havia perdido o posto de Miss Universo por ter duas polegadas a mais no quadril. Só agora li que isto é lenda, foi inventado por um jornalista brasileiro da época para consolar o orgulho brasileiro ferido. A própria Martha dizia não se lembrar de ninguém tirando suas medidas.
Li também o artigo do colunista do UOL Reinaldo Polito (Como conheci Martha Rocha), uma história verdadeira e pitoresca. Conheceram-se por volta de 1985 em uma viagem de avião e ele ficou emocionado com a beleza da moça, na época já com seus cinquenta e alguma coisa, mas estonteantemente bela. Ele acabou mencionando que teria seu primeiro livro lançado por aqueles dias e prometeu enviar a ela o primeiro exemplar autografado, ao que ela agradeceu gentilmente. Não é que trinta anos depois, ele garimpando em sebos, surpreso, encontrou o livro autografado que enviara à Martha Rocha. Não se importou, compreendeu que todos nós, vez por outra, temos que nos desvencilhar de tantos livros que acumulamos.
Bom, mas o que quero falar é sobre a efemeridade da vida. Sei que todo mundo sabe, inclusive eu, que a vida passa e passa velozmente e acaba, mas só percebemos isso mais tarde. Nossa vida tem muitos acontecimentos, fatos e feitos e pouquíssimas décadas. Enquanto jovem eu sabia disso, porém eu não sentia dessa maneira, pelo contrário, sentia que a vida se oferecia generosamente a mim e isso tinha algo de eterno, como diz Adélia Prado: “o jovem se sente eterno”. Deus sabe o que faz. Deixa a gente viver a  ilusão de ser eterno até que tenhamos idade para saber e sentir que a vida não é eterna, aliás, muito breve.
Assisti na Netflix um documentário sobre a vida e sucesso de Mike Jordan, considerado o melhor jogador de basquete de todos os tempos. Este atleta incrível praticamente levitava e não perdia um só lance. Hoje, com quase sessenta anos ele recorda, emocionado, os episódios mais marcantes de sua carreira e sua vida. Não tem mais a magreza dos tempos de moço, seus olhos um pouco embaçados não escondem que o tempo passou. Não vi fotos de Martha Rocha idosa e não queria ver, não vem ao caso, não interessa.
Fico pensativa diante da vida que passa, segundo minha irmã, já passou. Não foi uma nem duas vezes que ouvi a frase dita por uma tia: você chega lá. Todos chegamos, todos chegaremos, a menos que a morte apareça mais cedo. Mesmo os famosos, os reis e rainhas, filósofos, escritores, músicos, estadistas, todos ficam velhos, perdem o brilho da pele, dos olhos. Não há como deter o efeito devastador do tempo seja no corpo, às vezes de forma cruel na mente. Não importa.
É preciso pedir a Deus que nos ensine a contar nossos dias e que dê sabedoria ao nosso coração. Assim, todos passarão, mas nós passarinhos, aludindo ao que disse, adoravelmente, Mário Quintana.   


A GRAÇA DA TORNEIRA




Sou mal-humorada. Também nem tanto, é que sou perfeccionista e quando as coisas não saem do jeito que quero, armo um burro, um burrinho. Mas logo saro. Fico feliz com grandes alegrias e com as pequenas também, por exemplo, conseguir um carro zero ou se não, um brinquinho bonitinho, que me cai bem. Esta sou eu. Enfim, vamos à torneira.
Nosso apartamento é antigo, desses que se a gente vai mexer em uma coisa, tem que mexer em outra, um reparo puxa outro, no final, pra ficar bom mesmo tinha que derrubar e fazer tudo novo. Também nem tanto, hoje estou mais para oitenta do que pra oito e quem escreve histórias sempre terá que aumentar um pouco, bordar aqui e pintar ali para conseguir prender o leitor. Então, vamos lá, meu marido teve que trocar a torneira de um lavatório. Aí me perguntou: que tipo de torneira você quer? Eu respondi: nem a caríssima, nem a baratíssima, a intermediária. E ele: mas e a anatomia? Ah, você escolhe. Ok.
A torneira nova ficou feia em dois tempos. Funcionava, tudo bem, mas uma feiura, pegou uma cor esverdeada e por mais que eu limpasse, não ficava limpinha. Odiei. Não sei em que bacia das almas ele comprou esta torneira. Evidentemente que foi a mais barata. Fiquei quieta. Já tenho fama de reclamadora, então, larguei mão. Mas confesso que toda vez que olhava para a bendita torneira, tinha vontade de encher a cabeça do marido. Pior do que uma mulher megera é um homem mal-humorado e isto ele não é. É um amor!
Eis que subo um dia desses e dou com meu marido deitado debaixo da pia, desparafusando algo no chão molhado, e eu pergunto: Bem, o que houve? Vazamento? E ele: estou trocando a torneira que estava muito feia! Não acreditei. Que bom que foi não ter reclamado, ganhei pontos no quesito de mulher encantadora. Ou a torneira estava tão feia que até ele resolveu tomar providências.  
Quando temos que comprar algo para a casa, ele logo diz: prefiro que você vá junto para não haver reclamação. E eu vou. E o que acontece? Fico apaixonada pelo item mais bonito que coincidentemente é o mais caro. E o barato já sabemos que sai caro.   
Bom, a nova torneira é uma graça e ainda não ficou esverdeada, o que é um bom sinal. Não é anatômica, não é a melhor, mas comparada com a marmotice da anterior, tá mordebão como dizia minha amiga Sandra.
Logo que nos casamos, eu já sabia que ele era do tipo de economizar e eu de gastar. Mas como cada um tem sua renda, tudo bem. Com o tempo fomos trocando experiências. Um belo dia quando eu fui lhe dizer que estava aprendendo com ele a economizar, ele se antecipou e me segredou que estava aprendendo comigo a gastar, quer dizer, a se dar mais prazer, a comprar uma mercadoria melhor, um vinho bom, qualquer coisa que fosse. Rimos muito porque foi no mesmo dia e na mesma hora. Naquele momento e em muitos outros percebi que nosso casamento “tinha dado certo”.   
A nova torneira é simples como nossa vida é. A felicidade nunca é sofisticada. Ela é simples.          

HUMILDADE - Quem pensa que tem, já não tem mais




Há tempos que desisti de assistir ao jornal pela TV. Televisão tem que ser para distrair, então eu já vou direto para a Netflix ou Amazon Prime. Mas tem um programa do GNT que não perco: Que seja doce! Logo eu que não sei fazer nem um docinho de leite. Deu oito horas da noite, já estou grudada na tela para assistir à competição geralmente de três candidatos fazendo doces maravilhosos! Primeiramente um dos três é eliminado e por fim vencerá o melhor. Um grupo de três jurados decide quem será o ganhador.
Bem, aprender a fazer doces não aprendi, mas aprendi neste programa que a humildade nunca é demais. Em um episódio, uma das duas concorrentes finais obteve a vantagem de escolher qual bichinho iria usar em seu “cake pop no palito”. A moça escolheu urso panda, acho, e escolheu para a concorrente a zebra. Bom, se ela teve ou não teve a intenção, ficou feio. O rapaz da zebra suava em bicas, sua ajudante e ele trabalharam incansáveis até o último segundo. Torci por eles. A zebrinha ficou lindinha, com carinha de zebra mesmo, uma fofura. O urso panda não parecia urso nem nenhum outro bichinho. Quem ganhou? Quem ganhou? A zebra.
Em outro episódio, a moça sofreu as críticas dos jurados, agradeceu gentilmente e voltou para a sala de espera. Sentou-se ao lado da outra moça que ainda não tinha feito sua apresentação e ficou amuada, dizendo: que pena, seu eu tivesse feito isso ou aquilo, ao que a outra redarguiu: ah não fica triste não, eu deixo você usar minha batedeira. Ela se referia ao prêmio final que sempre é uma batedeira maravilhosa. Pode ter sido apenas uma brincadeira, pode, mas a moça não deveria ter dito isso. Lá foi ela apresentar seu doce, recebeu críticas também, porém eu tinha certeza de que ela ganharia porque seu doce estava divino. Adivinha quem ganhou? Adivinha? A primeira, a que achava que não ia ganhar. Achar, todo mundo pode achar, mas o silêncio é ouro.
Bom, não estou dizendo que a gente não deva ser confiante, pelo contrário, todos devemos ser confiantes e otimistas. Mas falar menos e sorrir mais é melhor. Também não precisamos nos justificar quando recebemos elogios. Assim como: nossa que blusa linda a sua! E lá vou eu: xiii, é tão antiga! Ou quando dizem: que olhos! E eu: já viu minhas pálpebras caídas? Bom, um obrigada é o suficiente para reconhecer a sinceridade do elogio e agradecer. Pronto. Ficar contradizendo o elogio não é humildade. É bobice.
Enfim, a humildade é uma joia rara e preciosa! Poucos a tem de fato. A humildade é o passaporte para o Céu. Santa Teresa de Ávila dizia: “Enquanto estivermos nesta Terra, não há coisa que mais importe do que a humildade – este é o caminho. Ponhamos os olhos em Cristo e em seus santos e aprenderemos a verdadeira humildade.”
Depois dessa lição nada mais a acrescentar.

  

quinta-feira, 25 de junho de 2020

TEMER A MORTE OU SENTIR PENA DE MORRER



Outro dia conversava com uma prima sobre um episódio em que Saramago conta em seu livro “As Pequenas Memórias”. Disse ele que estava com sua avó, os dois sentados “na soleira da porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas”, quando sua avó disse, com a serenidade de seus noventa anos:   “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”.
Ela era uma mulher simples, pobre, uma camponesa, sem qualquer estudo, no entanto, ela tinha tudo o que cada ser humano precisaria ter: encanto pela vida. E quando ela falou isso é porque estava admirada pela beleza da noite, pelo céu repleto de estrelas. Certamente ela sempre se sentava ali na soleira de sua porta e nunca havia se cansado de admirar a beleza do mundo. Sabia que com noventa anos, chegava no outono da vida, ou seja, próxima da morte e ela não tinha queixas de sua vida, tampouco medo da morte. Tinha apenas pena de morrer.
E nós? Sentimos pena de morrer ou medo de morrer? E uma coisa é bem diferente da outra. Todos vamos partir e quase todos dizem que o que temem não é propriamente a morte, mas a doença, a dependência, o sofrimento. É. É verdade, embora a morte, sendo uma desconhecida, assusta sim. Tudo o que é desconhecido assusta. É humano.
De qualquer maneira o fantástico para mim é uma pessoa chegar a uma idade avançada com lucidez, simplicidade, serenidade e encanto pela vida a tal ponto de sentir pena de morrer por não ver mais a beleza do mundo. Quanto mais nos intelectualizamos, quanto mais adquirimos conhecimento, acabamos por temer a morte. O sábio não é aquele que acumula conhecimentos, é aquele que é feliz em sua simplicidade e assim pode desfrutar da beleza do mundo e da vida.
Alguém poderá me contestar: ah mas ela tinha saúde, não era dependente fisicamente, não perdeu nenhum filho. Bem, aí complica pra mim. Recorro à minha Mestra Santa Teresa de Ávila. Ela dizia que podemos ser felizes cá nesta vida se fizermos a vontade de Deus, coisa fácil na teoria, mas dificílimo na prática. Já entreguei prontamente minha vontade a Deus e já tomei de volta mais de mil vezes.
Não sabemos entregar. Santa Teresa insistia que a medida de Deus é a medida de nossa entrega. Deus não abandona quem se entrega verdadeiramente a Ele. Já nos ensinava Jesus na Oração do Pai Nosso: Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no Céu. Santa Teresa dizia que Jesus colocou essas duas petições juntas porque uma dependia da outra. Temos medo de entregar nossa vontade a Deus e Ele nos mandar sofrimentos. Sim, mas tem um porém: juntamente com os sofrimentos Ele nos dará Seu Reino ainda aqui na terra e quem prova de Seu Reino ainda aqui na terra é feliz, mesmo com sofrimentos.
Outra coisa que minha Mestra diz: a Vontade de Deus há de se cumprir, quer queiramos ou não, portanto, fazei da necessidade uma virtude, palavras dela. Vamos aprender a entregar nossa vontade a Ele e receber em troca presente tão precioso como o Reino de Deus ainda aqui na Terra.  
Bem, para não me alongar, já tendo me alongado tanto, encerro com uma observação: sou humana, ainda vivo cá na terra, tenho medo de sofrer e tenho medo de morrer, tenho muito a aprender. Mas paralelamente sou encantada com a beleza do mundo que Deus nos deu, o céu, o firmamento, a lua, o mar, as flores, a chuva, os gatinhos, os cães e tudo o mais que não caberá neste texto. Deus me pega forte pela natureza e pelos animais. E se aqui é tão bonito, já pensou o Céu?
A avó de Saramago deve estar admirando a beleza do Céu que é infinitamente maior do que a beleza deste mundo.      


quinta-feira, 11 de junho de 2020

PEQUENAS GRANDES GENTILEZAS




O presente era leve, embalado em papel bolha dentro de uma sacolinha amarela. Fui lá buscar seguindo as instruções de minha amiga gentil. E vim para casa louca pra abrir o presente. Eu já sabia o que era, pois eu mesma havia encomendado pra ela e era surpresa para meu marido. Ela postou no Face, lindo, pronto, vi e quis. Então, eu já sabia o que era, mas uma coisa é saber e outra o abrir o presente embrulhado. Já dizia Mia Couto: “mas não é assim mesmo a festa: feita de ilusão e brilhos maiores que as substâncias?”
Aquela expectativa, abro aqui, tiro um durex ali, vou desembrulhando o papel bolha e eis que surge diante de mim o joguinho de cafezinho. Sorrio enquanto pego em cada peça, em cada canequinha, o coador pequenininho, o bule. Mais parecia um joguinho para meninas brincarem de comidinha. Mas o cafezinho a gente faz de verdade. Meu marido adorou!
Bem, neste vasto e estranho universo do Face encontramos muitas coisas: propagandas de toda a espécie, sapatos, bolsas, soutiens que já comprei, que não gostei, que já briguei porque demorou pra chegar. Encontramos receitas de salgados e doces para todos os gostos. Encontramos pessoas que convivemos na infância e nunca mais vimos, encontramos amigos que ainda só conhecemos virtualmente, mas que um dia vamos nos conhecer cara a cara. Assim eu tenho muitos amigos virtuais, pessoas que já amo, que leem meus escritos, meus poemas.
Às vezes na rua, antes da Pandemia, agora saímos menos, alguém me parava e perguntava: você é a Misa né? Sou. Ah eu adoro o que você escreve! E eu, vaidosa, ficava toda prosa. Pois é. Tenho alguns amigos e amigas que conheço só no Face. E esta amiga que me presenteou com este delicado presentinho eu ainda não conheço pessoalmente. Eu tinha a intenção de pagar, mas ela não quis, tinha sido meu aniversário e eu aceitei com muito gosto.
Obrigada Olívia, estamos aqui fazendo amorosos cafezinhos de coador de pano como minha mãe fazia em nossa casa há muitos anos. Isto é generosidade que faz brotar a alegria. E o presente dado é diferente porque é subjetivo, singular, afetivo e espontâneo. Obrigada pela sua amizade virtual, real e generosa, assim como você é.  

A QUESTÃO DOS NOMES




Mais cedo ou mais tarde sempre retorno à questão dos nomes. Fico imaginando como os homens das cavernas se chamavam uns aos outros, depois que a linguagem teve início, é claro. Ninguém existe sem um nome. É da essência do “homem” (da mulher também) ter um nome e chamar seus próximos por um nome.
Colocamos nomes nos animais. Evidentemente que há aqueles que não têm nome, mas assim que são adotados ou recolhidos a um abrigo, logo já recebem um nome. Os nomes são importantes para todos. Mas isso de dar nome aos animais é coisa dos humanos porque eles próprios vivem muito bem sem nomes. Acho uma graça os nomes de cachorros: Piloto, Pitoco (apelido: Toquinho), Pituca, Juju, Joia, Diana, Fineza, Lalá, Rex, Belinha, Tukinha, Bolinha. Os nomes de gatos vão por aí também.
Mas nossos nomes, nossos dos homens e das mulheres, esses sim são indispensáveis. As pessoas não existem sem seus nomes. Quando a mulher fica grávida, já trata de procurar um nome para seu filho ou filha. E quem encontra com uma grávida logo pergunta: já escolheu um nome? e a moça responde: estamos em dúvida, não sei se escolho tal ou tal nome. Um escritor que escreve seu romance já escolhe os nomes para seus personagens, pois não existirá história sem os nomes. Até que é possível, fiz um conto que se chama “O Amante” em que trato meus personagens por Ele e Ela e assim vai até o fim do conto. Mas não nos esqueçamos de que é um conto curto e assim fica mais fácil não se preocupar com os nomes. Este conto ganhou um prêmio nacional, diga-se de passagem.  
Adoro os nomes que vão mudando para apelidos. Minha avó paterna chamava-se Mariana, mas era Dona Mulata e permaneceu assim para sempre. Acho que lá no Céu também ela ficou sendo Mulata. A Babá da família da minha prima foi Babá a vida inteira e poucos sabiam que seu nome era Aparecida Inês.   
Relendo o livro “A jangada de Pedra” de Saramago, apenas e unicamente para ler de novo a passagem em que acontece a paixão ou o amor ou ambos entre José Anaiço e Joana Carda (os nomes portugueses são geniais) achei um exemplo de como os nomes vão se transformando. Joana pergunta a José Anaiço: este apelido de Anaiço, donde é que te veio? E ele responde: Um avô meu chamava-se Inácio, mas lá na aldeia trocavam-lhe o nome, deram em dizer Anaiço e com o tempo tornou-se apelido da família (em Portugal, acho que Espanha também, sobrenome é apelido). E tu por que é que te chamas Carda? Em tempos passados a família tinha o apelido de Cardo, mas a uma avó que depois de lhe morrer o marido ficou com a família, começaram a lhe dar o nome de Carda e assim foi passando e ficando.
Muito antigamente não havia sobrenomes. As pessoas eram conhecidas pelo lugar de nascimento ou de morada. Jesus de Nazaré, que nem nasceu em Nazaré, mas em Belém. Paulo de Tarso (Tarso, cidade da Turquia), Francisco de Assis. Ou em tempos modernos, pela profissão, Jorge eletricista, Juca bombeiro.
As mulheres eram identificadas pelos nomes do marido, Zezé do Tote, tia Dita do tio Finfa, a Tusa do Jofre, Sebastiana do Bernardino. Quando a mulher não era casada, era a fulana, irmã da Zezé do Tote, por exemplo. Também os filhos são identificados pela mãe, Antonio Carlos da Samaria, Fátima da Dona Olímpia.
Eu sou a Misa, segunda filha da Zezé do Tote. Depois de casada, passei a ser a Misa do Motta. Ele adorou!     

terça-feira, 9 de junho de 2020

EM BUSCA DE UMA FOTO OU DE UMA GAROTA




A nossa mente, nossos pensamentos, também os sentimentos e desejos fazem os seres que somos. Sempre fiquei muito impressionada com a questão do desejo. Se você deseja algo com todo o seu coração, se você vive motivado por um desejo que não deixa você por nada, o que você deseja virá ao seu encontro mais cedo ou mais tarde. Mas para isso você terá que desejar com ar dor, sentirá este desejo como um espinho na carne, a pedrinha no sapato, a mosquinha que passa em frente aos seus olhos e que você, em vão, passa a mão para espantá-la. É o desejo forte. Evidentemente que falo de desejos possíveis, contudo, vale para os impossíveis também.  
Há alguns dias recebi um presente maravilhoso. A acompanhante de minha tia me enviou pelo zap uma foto. Olhei, aumentei e era a foto que esperei por mais de cinquenta anos. A foto que sempre desejei ver. Evidentemente que eu não pensava nisso todos os dias, todas as horas, todos os instantes. Não. Mas pensava sempre, de tempos em tempos me vinha aquele desejo de me ver em uma tal foto. Que foto? Explico: Não é segredo que sofri muito quando nos mudamos de Pedralva. Para os meus doze anos, para a menina que já se sentia mocinha ou como a mocinha que ainda se sentia menina foi uma perda devastadora. Confirmo que se alguém me perguntar qual foi o dia mais triste de minha vida, sem sombra de dúvida que direi: o dia da mudança de Pedralva.
Pouco tempo antes de nos mudarmos, fui convidada ou devo ter me oferecido, já não me lembro, para “desfilar” com a bola de vôlei à frente das jogadoras em algum jogo do passado lá no Ginásio São Sebastião de Pedralva. Daquele evento restaram lembranças que me acompanharam por esses anos todos. Quando surgiu a página do Face “Pedralvenses Ausentes”, sempre que a Alda postava fotos dos jogos de vôlei, meu coração batia forte porque eu pensava, quem sabe é esta foto em que eu menina estou. Mas nunca era. Na verdade, eu nem sabia se existia alguma foto, podia ser que não, mas geralmente fotos eram tiradas antes ou depois dos jogos em questão. Sinceramente eu não me lembrava. O que eu sempre trazia comigo eram coisas esparsas como brumas em sonhos.

Nunca joguei vôlei. Se participei daquela foto foi unicamente pelo desejo de jogar, achava aquelas meninas fantásticas, aqueles gritos, aqueles pulos. O gosto da vitória, enfim, bem que eu gostaria de ter jogado. Desfilar como “mascote” à frente do time com a bola já era demais para minha cabeça. Exibida, sempre fui. Eu tinha que me apresentar com um saiote pregueado. Minha mãe era costureira, mas se recusou veementemente a fazer o tal saiote. Onde já se viu, Maria Luiza, com as pernas de fora! Você já não é criança! Que escândalo! Então eu pedi pra Dita que era ajudante da mamãe, ao que ela respondeu: se dona Zezé deixar eu faço! De costas para nós em sua máquina, minha mãe deu de ombros como quem quis dizer: se a Dita quiser, ela faz, eu não faço.
Por que falo tanto nesta foto? Por insisto tanto na tal foto? Não sei, talvez porque tenha sido minha última foto em Pedralva. A última prova de que realmente eu vivi aquela minha infância num tempo feliz, perdido para sempre. Minha infância dava seus últimos suspiros e em breve minha vida iria dar um giro de 360 graus. Daí por diante eu iria computar perdas e lágrimas sem fim. Como eu sofri, como eu chorei. Coitada da mamãe, que trabalho teve comigo! Eu e Proust sempre em busca do tempo perdido!
Como as fotos das jogadoras foram praticamente todas exibidas e eu não estava lá, talvez não houvesse foto. Mas eu continuava secretamente desejando ver aquela foto. Que coisa. Nos dias que antecederam a chegada da foto, eu havia pensado nela e com uma dor pungente. Aquele espinho voltava a me espetar. Meu inconsciente sabia que existia e ela chegou às minhas mãos por uma pessoa que nunca esteve em Pedralva.
O desejo é algo grandioso. Nesta vida carregamos uma bagagem de desejos e sonhos aparentemente impossíveis. A Alda vai tentar melhorar a qualidade da foto e eu vou tê-la em minha sala, em meu quarto ou talvez no meu cantinho do computador, do meu coração. E vou olhar para ela todos os dias e feliz, vou poder dizer: finalmente menina, até que enfim nos encontramos.      

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS MÃES



Bom, na verdade, falei sim, falei de minha mãe naquela crônica em que eu chorosa, pergunto por ela. E de pensar que escrevi aquele texto no dia de seu sepultamento, assim que entrei em casa. Nunca pensei que sairia tanta coisa de meu coração. No entanto, com o pensamento em minha mãe, não pensei nas outras mães. Ocorreu então que ontem, já de noite, minha irmã caçula, que não deu as caras durante o dia, contou que passou o dia todo com uma dor de cabeça, daquelas de enxaqueca mesmo e que só aquela hora da noite é que tinha melhorado um pouco. Ainda desanimada, ia fazer o bolo de aniversário do meu sobrinho que é hoje. Fiquei com pena, pensei, ah meu Deus, coitada, devia ir dormir, mas mãe é mãe.
Justamente naqueles momentos, recebo uma mensagem de minha amiga Fátima, acompanhante de minha tia, que me enviava fotos de seu 13º bisneto, isso mesmo, décimo terceiro bisneto, e minha amiga é mais nova do que eu! Fiquei olhando para aquele bebezinho enrugadinho como são todos os bebês, com as mãozinhas na carinha como quem queria dizer: onde está minha mãe? Estava tão quentinho lá dentro! E vi a mãe com um largo e lindo sorriso, os olhos brilhando de alegria! Cara de mãe mega feliz!
Mãe é um mistério de amor! Logo eu que não fui mãe, sei disso porque sou mulher e sei que nasci com um brutal instinto maternal. Então eu exulto de alegria também! Fiquei profundamente emocionada com minha irmã em plena enxaqueca fazendo o bolo para seu filho e vendo aquela cena da jovem mãe com seu filhinho bebê acabando de vir ao mundo.
Mãe é mãe! Mãe é um mistério de amor. Parabéns a todas as mães que estão lendo o que escrevo agora e para aquelas que não estão lendo também. Parabéns para todas as mulheres que não deram à luz seus próprios filhos e nem por isso deixaram de ser mães em seu coração e de agradecer a Deus por serem mulheres, mães por natureza e por amor. 
Quero homenagear todas as mães, afinal o mês de Maio ainda está em curso, é mês de Maria, a Mãe de Deus e nossa mãe, mês de meu aniversário, do aniversário de minha mãe que foi ontem, dia 14  e mês de Dia das Mães. Mãe é sim um Mistério de Amor.

NUM PISCAR DE OLHOS A VIDA PODE MUDAR




Fazendo um balanço de minha vida desde o inevitável confinamento pelo COVID 19, aprendi algumas coisas que já sabia, mas vivo me esquecendo. Ficar em casa sempre foi um prazer para mim. Quando tinha algum compromisso, mesmo aqueles que sempre adoro, eu me aprontava meio preguiçosa, depois curtia, é claro, mas ao voltar para casa, que gostosura, como dizia minha mãe. Gosto da minha toca.   
Uma coisa é certa: aquele ou aquilo que perdemos sempre será mais precioso quando reencontrado do que quando o tínhamos à mão, diante de nossos olhos e de nosso coração. Eu gostava de ficar em casa porque gostava, porque queria, porque podia, agora já não é bem assim. Sabemos que é melhor nos resguardarmos para não adoecermos. Então algo me impede de sair. Já não sou tão livre. Contudo, a gente se adapta. Dispensei temporariamente minha ajudante, remunerada, para que não ficasse prejudicada. Meu marido e eu dividimos as tarefas. E vamos que vamos.
Impossível não tecer reflexões. O mundo está tomando novos rumos. Este vírus vai passar, porém outros virão, inimigos invisíveis. Os estragos na Economia também vão matar muitas pessoas, talvez mais do que o próprio Corona. Ainda que sejamos otimistas, um fio de medo sempre perpassa pela alma. Queiramos ou não, paira no ar uma insegurança que nos incomoda.
Pouco antes da Pandemia meu marido trouxe algumas orquídeas da casa de minha enteada que se mudou. Desde há muitos meses fico olhando as orquídeas sem flores. Cá pensei comigo: disso não vai sair flor não. Mas como a vida sempre pode mudar, eis que um dia no início do confinamento, uma das orquídeas deu ares de abrir suas primeiras flores, a princípio tímidas. Mas minha alegria foi de quem recebe um presente de Deus e o era de fato. Sempre me lembro de que foi Deus quem nos deu a Terra para morar, a Lua para admirar e as Flores para nos alegrar. Eu me senti uma rainha em dia de glória! Criei alma nova, outra vez como dizia minha mãe.
Em poucos dias, a orquídea já se apresentava em sua roupagem mais rica, de um amarelo vivo incrivelmente belo. Durante este confinamento esta flor tem me ensinado a ser paciente. Assim como ela, guardo dentro de mim um tempo de espera. A gente precisa aprender a enxergar além dos olhos físicos, como fazem os santos, os poetas e os artistas. Não foi assim que Michelangelo enxergou David e Moisés enquanto observava o bloco de mármore? Sempre que estou diante da página em branco do computador, eu ouso e me pergunto que poema sairá de mim para a tela. Então, as flores já estavam dentro da orquídea este tempo todo. Também dentro de nós estão tesouros de valor incalculável com sua hora para serem externados.
Neste confinamento percebo que é necessário sermos humildes e cultivarmos a paciência porque a vida que passa tem muito a nos ensinar. Eu já sabia, mas aprendi de novo que entre a manhã e a tarde se muda o tempo, que a vida pode mudar num piscar de olhos. Eu já sabia, mas aprendi de novo que enquanto estivermos nesta vida não há segurança. Tolo aquele que acha que agora pode dormir tranquilo porque seus celeiros estão cheios. Não sabe que a morte virá buscá-lo ainda esta noite. Nunca entendeu que a riqueza não está no que acumula materialmente.
Não andemos descuidados de tal sorte que não possamos enxergar a beleza e não andemos esquecidos de que os olhos espirituais veem as belezas que ainda estão ocultas. A orquídea me ensinou a esperar, a agradecer e viver bem o momento de agora, ainda que seja difícil.