quinta-feira, 9 de abril de 2020

"A MAIS SOLITÁRIA DAS DOENÇAS"




Nesses tempos de isolamento, pensamos muito, sentimos muito. Tudo nos dói: a lembrança dos que morreram solitariamente em sofrimento, a preocupação com os nossos e conosco, a preocupação com os trabalhadores que não podem parar, os profissionais de saúde, acima de tudo. Sentimos falta da família, dos amigos, do convívio. Aqui no prédio encontro com uma ou outra pessoa mascarada e com luvas. Tal como eu. Falamos pouco, não convém abusar. De repente aquilo a que estávamos tão acostumadas, a falar, a sorrir livremente, já não é possível. São outros tempos. Mas os olhos falam E sorriem também. E tudo vai passar. É o que dizem.
Fui ao supermercado hoje. Como todo mundo, eu me senti num filme, ou num sonho, mais precisamente num pesadelo. Custava acreditar que era, que é real. As pessoas não falavam, o silêncio é a marca desta pandemia. Todo vírus assusta. Mas este agora assusta mais. No meio daquele desfile de mascarados em silêncio, eu me lembrei de uma bobagem de um filme em que monstros voadores atacavam com ferocidade a Terra. Tudo parou, a Bolsa, a Economia, o fornecimento de energia, enfim, exatamente como naqueles filmes de “Walking Dead”. Neste filme a que me refiro, as aves não atacavam se houvesse silêncio. Elas se norteavam pelo ruído. Então no filme todo é aquele cuidado, aquele silêncio. As pessoas iam e vinham, cochichavam, traziam água, acendiam o fogo, comiam, mas em silêncio. Também me lembrei do silêncio dos monges que em procissão caminham orando em seu coração.   
Este vírus, mais do que os outros, traz a marca da solidão, é “a mais solitária das doenças”, palavras de Luigi Greco, em entrevista para a CRUSOÉ. Luigi Greco é um infectologista italiano, já aposentado, que foi recrutado para suprir a carência de médicos em Salerno. Ele classifica o Covid-19 como “a mais solitária das doenças”. A pessoa que fica doente fica sozinha, isolada, não pode ver ninguém da família. Este isolamento do paciente é um abandono sem remédio, não há alternativa. Nosso isolamento na Quarentena não é nada.
Minha homenagem e admiração aos 66 médicos italianos que morreram na batalha contra o vírus, também aos enfermeiros, a todos que não se esconderam, que lutaram bravamente. Minha admiração à médica que cedeu seu celular para que os pacientes já morrendo se despedissem de suas famílias.
Sem palavras gente, sem palavras! Mesmo com as palavras aqui silenciosamente escritas, meus olhos transbordam, as lágrimas falam por mim.  

segunda-feira, 6 de abril de 2020

ÊXTASE




Não há uma tarde sequer
Em que eu contemple o firmamento
Sem que minha alma plena de contentamento
Se renda e exulte em paz
E meu corpo ausente, incapaz
De um único movimento
Descansa.
E vai longe meu pensamento
Perdido no espaço imenso
Voando plácido ao léu.
E eu penso: se é assim na Terra
Imagina no Céu!
Eu me quedo muda de espanto
E de encanto
Por tudo que há
Admirando em êxtase a criação
Como se fosse sempre a primeira vez
Meu coração saciado
Agradece a Deus que tudo fez
Por tudo o que faz.

O DIA EM QUE A TERRA PAROU




Que saudade do mundo maravilhoso e perfeito antes da Pandemia! Fomos à Trindade sem saber como chegar, fomos indo assim como um casal aventureiro, até que avistei o mar! Nossa! Que coisa linda! Peguei o celular e bati milhares de fotos! Ainda era verão, um céu azul de doer, e eu, há tanto tempo sem ver o mar. A praia apinhada de gente, a pousada de frente pro marzão. E de noite, ouvindo o murmúrio das ondas, tomamos champanhe e vinho. Éramos felizes e não sabíamos! É a história do bode na sala. Tira o bode fedorento da sala e o mundo fica perfeito. Não podemos e não sabemos quando o bode, COVID, vai sair da sala. Nossa vida deu uma guinada de 360 graus.
Ontem tive que sair. Há coisas que não tem jeito, tem que ser resolvidas. Tive que sair à rua, insegura como se lá fora um monstro real me espreitasse. E não é que é? Já desisti de ouvir este ou aquele fulano, beltrano e cicrano, cada um com uma opinião. Ou fico confinada ou saio. Neste voo às cegas, preferi ficar confinada, saindo apenas em casos de extrema necessidade, Deus me ajude. A Quarentena não me aborrece. Já vivo assim, sou caseira, adoro quando chego da rua e entro em casa. 
E como sair tem sido uma exceção, é uma vez ou outra, eu me aprontei, quero dizer, nada de mais, mas passei um batonzinho cor de rosa, um lápis para o contorno dos lábios, escolhi uns brincos e já me dirigia para a porta quando me lembrei: a máscara! A bendita máscara! Tá bom, fui lá para o espelho e ao ajeitar a máscara na cara, lembrei-me do batom. Tirei o batom que se transformaria numa meleca só. Ao tentar novamente ajeitar a bendita máscara no rosto, o elástico se enrolou no brinco, e aí tento aqui, tento ali até que consegui desenroscar. Então neste pandemônio de pandemia eu desisto dessas bobagens femininas. Cheirando desinfetante de cabo a rabo, sou feminina apenas dentro de casa. Há que se brincar um pouquinho para não perder o senso de humor.      
Já fiz mistura de água com água sanitária para desinfetar tudo, desde maçanetas, de portas de casa, de carros, chave do carro, volante, bancos, pneus, controles remotos, chão de casa. Agora aprendi que com sal grosso também é muito bom: 5 litros de água, 50 gramas de sal grosso, 150 ml de água sanitária, diluir e aplicar com borrifador.
Bem, aprendi muitas coisas, mas manter distância de 1 metro e meio de qualquer pessoa é o mais difícil, sou pegajosa, se alguém me vir na rua, é melhor me evitar. Eu me esqueço sempre de que nossa vida deu um giro de 360 graus e de que somos testemunhas de dias em que a Terra parou.  
Acima de tudo, o maior aprendizado pode ser a gente se conhecer um pouco mais em tempos como esses, a desenvolver nossa autoconsciência, o nosso mapa interior, fortalecendo nossa resiliência e nosso amor ao próximo e à Terra que generosamente nos foi dada por Deus. Pode parecer bobagem, mas é muito mais provável que a gente se sinta mais perdida por dentro do que fora de nós.  

MUDANÇA DE HÁBITOS / QUARENTENA EM CURSO


MUDANÇA DE HÁBITOS / QUARENTENA EM CURSO
Misa Ferreira

Com toda a certeza, estamos navegando em mares nunca dantes navegados. Pela primeira vez em minha vida, eu me vejo “presa” em casa por muitos dias, quiçá serão meses. Evidentemente que há uma grande parte da população que não tem como se resguardar em casa, muita gente tem que trabalhar. Resta a elas seguir o protocolo de guardar a distância de outras pessoas, não conversar, fazer o que tem que fazer e rezar porque vírus é algo que não se vê. Na verdade, não estamos seguros em lugar nenhum, pois não se é possível ficar cem por cento porta a dentro. Há outras pessoas a quem devemos atender. Nesta ida e volta não sabemos se continuamos a salvo.
Ainda há o complicador de divergência de pontos de vista. Há aqueles que defendem parar tudo, tudo, metrô, aeroportos, fábricas, etc para que todos se escondam e se protejam. E há infectologistas que são contra o isolamento sem sintomas do vírus, que vai gerar o apagão econômico. Não sei o que caminha mais rápido, se o vírus ou o colapso econômico. Não sei se faço isso ou aquilo. Parem o mundo que eu quero descer.
Enquanto isso mudamos os hábitos. Tivemos que nos adequar aos novos comportamentos. Olho com tristeza nossas máscaras perto da porta, apetrechos indispensáveis para os novos tempos. Nossos sapatos já ficam para fora. Lá se foi o tempo em que eu escolhia as sandálias que combinavam com este vestido ou blusa. Agora é um calçado só, aquele que está do lado de fora do apto.
Senti tanta inveja dos pássaros voando livremente, indo para onde apraz seu desejo. Senti inveja dos pássaros que buscam as alturas, “que não semeiam nem ceifam, nem ajuntam em celeiros, e vosso Pai do Céu as alimenta”.