Outro
dia conversava com uma prima sobre um episódio em que Saramago conta em seu
livro “As Pequenas Memórias”. Disse ele que estava com sua avó, os dois sentados
“na soleira da porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o silêncio
dos campos e das árvores assombradas”, quando sua avó disse, com a serenidade
de seus noventa anos: “O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de
morrer”.
Ela
era uma mulher simples, pobre, uma camponesa, sem qualquer estudo, no entanto,
ela tinha tudo o que cada ser humano precisaria ter: encanto pela vida. E
quando ela falou isso é porque estava admirada pela beleza da noite, pelo céu
repleto de estrelas. Certamente ela sempre se sentava ali na soleira de sua
porta e nunca havia se cansado de admirar a beleza do mundo. Sabia que com
noventa anos, chegava no outono da vida, ou seja, próxima da morte e ela não
tinha queixas de sua vida, tampouco medo da morte. Tinha apenas pena de morrer.
E
nós? Sentimos pena de morrer ou medo de morrer? E uma coisa é bem diferente da
outra. Todos vamos partir e quase todos dizem que o que temem não é
propriamente a morte, mas a doença, a dependência, o sofrimento. É. É verdade,
embora a morte, sendo uma desconhecida, assusta sim. Tudo o que é desconhecido
assusta. É humano.
De
qualquer maneira o fantástico para mim é uma pessoa chegar a uma idade avançada
com lucidez, simplicidade, serenidade e encanto pela vida a tal ponto de sentir
pena de morrer por não ver mais a beleza do mundo. Quanto mais nos
intelectualizamos, quanto mais adquirimos conhecimento, acabamos por temer a
morte. O sábio não é aquele que acumula conhecimentos, é aquele que é feliz em
sua simplicidade e assim pode desfrutar da beleza do mundo e da vida.
Alguém
poderá me contestar: ah mas ela tinha saúde, não era dependente fisicamente,
não perdeu nenhum filho. Bem, aí complica pra mim. Recorro à minha Mestra Santa
Teresa de Ávila. Ela dizia que podemos ser felizes cá nesta vida se fizermos a
vontade de Deus, coisa fácil na teoria, mas dificílimo na prática. Já entreguei
prontamente minha vontade a Deus e já tomei de volta mais de mil vezes.
Não
sabemos entregar. Santa Teresa insistia que a medida de Deus é a medida de
nossa entrega. Deus não abandona quem se entrega verdadeiramente a Ele. Já nos
ensinava Jesus na Oração do Pai Nosso: Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a
Vossa Vontade assim na terra como no Céu. Santa Teresa dizia que Jesus colocou
essas duas petições juntas porque uma dependia da outra. Temos medo de entregar
nossa vontade a Deus e Ele nos mandar sofrimentos. Sim, mas tem um porém:
juntamente com os sofrimentos Ele nos dará Seu Reino ainda aqui na terra e quem
prova de Seu Reino ainda aqui na terra é feliz, mesmo com sofrimentos.
Outra
coisa que minha Mestra diz: a Vontade de Deus há de se cumprir, quer queiramos
ou não, portanto, fazei da necessidade uma virtude, palavras dela. Vamos aprender
a entregar nossa vontade a Ele e receber em troca presente tão precioso como o
Reino de Deus ainda aqui na Terra.
Bem,
para não me alongar, já tendo me alongado tanto, encerro com uma observação:
sou humana, ainda vivo cá na terra, tenho medo de sofrer e tenho medo de
morrer, tenho muito a aprender. Mas paralelamente sou encantada com a beleza do
mundo que Deus nos deu, o céu, o firmamento, a lua, o mar, as flores, a chuva,
os gatinhos, os cães e tudo o mais que não caberá neste texto. Deus me pega
forte pela natureza e pelos animais. E se aqui é tão bonito, já pensou o Céu?
A
avó de Saramago deve estar admirando a beleza do Céu que é infinitamente maior
do que a beleza deste mundo.