quinta-feira, 17 de setembro de 2020

SANTA FILA

 


           Se há um ano atrás alguém me dissesse que eu iria à Secretaria Paroquial da Soledade entrar numa fila para pegar uma senha pra missa de domingo, eu diria: tá loka, miga? E também diria que isso seria um “nonsense”, surreal! Fico feliz que minha mãe não viveu pra ver essas coisas. De repente tudo mudou mesmo, a vida mudou, o mundo mudou, os hábitos mudaram. Nunca mais saí pra um café fora de casa, acho que ninguém, né?

            Agora que as igrejas podem abrir e receber os fiéis ainda que timidamente, impossível não me emocionar com o sino batendo e chamando a gente pra missa. Vou, mesmo sendo “de risco”, pela idade. Saudades da Missa presencial. Fui confessar com hora agendada. Horário restringido, compactado, em tempos de pandemia. Uma confissão de menos de vinte minutos, menos que uma sessão de psicanálise lacaniana. Quando a gente começa a se animar pra falar, já está na hora de terminar. Tudo bem. Valeu.  

            Voltemos à senha. Saí de casa antes das sete da manhã e lá fui. Mesmo já tão quente lembrei-me de que na porta da igreja o vento bate furioso por esta hora, então catei uma blusa leve, mas esqueci do pescoço, da cabeça. E eu não posso com vento no rosto, acorda a rinite, sinusite e eu fico péssima. A dor de cabeça começou, ameacei entrar em pânico porque eu sei como fico em crise. Voltar pra casa, nem morta, já estava lá mesmo. O jeito foi virar para trás e começar um papo com a moça que, já precavida, trazia um lenço enrolado na cabeça. Foi ótimo o papo porque me distraí e logo demos conta da senha. Só que a dor de cabeça não foi embora, mas já estou medicada e guardada. Valeu a uma hora que passei na fila.     

            Já entrei em muitas filas, peguei muitas senhas, mas esta santa fila foi de gloriosa, como diria minha mãe. Glória a Deus! 

            No caminho da igreja, observei casas antigas, antes tão festivas, conversas e risos no portão, e agora fechadas há muito tempo. Refleti sobre a efemeridade da vida. Só a alma permanecerá. E como dizia Santo Agostinho: “Tenho que achar tempo, tenho que repartir as horas, para ocupar-me com a salvação de minha alma.”  

            Na volta, já perto de casa, tive que esperar a manobra de um caminhão imenso com estacas para um novo prédio. Quando me mudei para cá só havia meu prédio e mais outro, agora moro na Manhatan da Varginha. Olho para todos os lados e vejo prédios e mais prédios, fora o barulho do bate-estaca o dia todo.

            A vida é mudança! E a gente tem que abraçar as mudanças e seguir com o coração alegre porque Deus se agrada e nós ficamos mais leves, ainda que entristecidas por tantas coisas!   

REFLEXÃO

 


Eu sou as histórias que eu conto

As lembranças que eu tenho

Os sonhos que fiz poemas

Já vivi bem mais do que viverei

Mas pra quê tanta vida que esquecerei?

Tenho uma alma que é eterna

A dor de viver já não me consterna.

As perdas, as dores do coração

Por aqui ficarão,

Também ficará

Uma rosa queixosa

Por ter perdido a beleza

Mas não a delicadeza

De até o último instante

Se exibir em sua nobreza

Para que os poetas nunca percam

A sua inspiração.