terça-feira, 30 de março de 2021

NÃO ME CONTE

 


Não me conte

Não me fale de tantas tristezas

Me deixa voltar pra infância

Plena de exuberância

E jogar bolinha de gude

Ou pular Amarelinha

Até chegar no Céu

 

Não quero escutar mais nada

Me deixe só e calada

Quero me perder nas brumas do tempo

Quero fugir

Para a janela do passado

Não me diga que o passado é passado

Quero sonhar com a manga madura

Reviver toda a ternura e a doçura

Que deixei no meu quintal

 

Não quero mais saber

Quero só esquecer

Até chegar o Natal. 

sexta-feira, 26 de março de 2021

PRENÚNCIO DE OUTONO

 

 

Este dia chuvoso

Este tempo gostoso

Com prenúncio de Outono

Eu aqui ouvindo Bach, se não me engano.

Vou pensando

E recordando

Os tempos idos

Os amores esquecidos

As infâncias benditas

As juventudes infinitas

Como era bom me sentir eterna!

Tudo por culpa de Bach

E da chuva mansa e linda

Que cai serenamente ainda.

 

 

A HORA DO ESPANTO

 

Nos meus dias há sempre uma hora

Que demora

Que custa a passar

É a hora em que vem a dor

E se vai o amor

É a hora do vazio

Da angústia

Do momento sombrio

E eu entre o espanto e o arrepio

Estremeço

Mas faço e aconteço

Mesmo sem jeito sorrio

Ainda que sinta tudo por um fio

Mesmo sem graça

Sorrio porque tudo passa.

SERÁ QUE REALMENTE PRECISO DE TUDO ISSO?

 

Tenho que aprender o desapego, ah tenho sim. Confesso que não passei do primeiro estágio. Quando vou fazer uma viagenzinha bobinha de passar uma noite fora, lá estou preocupada com cremes e batons que nem uso mais, com medicamentos, suplementos e mais alguma coisa. Mas o que me pega de verdade é a minha “preocupação” com algo que possa me fazer falta. E como padeço de toc, confiro mais de uma vez se está tudo lá.

E sempre me lembro do delicioso romance de Eça de Queiroz, “A Cidade e as Serras”: Jacinto, moço rico, nascido praticamente num palácio, tinha ao seu dispor todos os confortos e mordomias que a modernidade do século XIX podia oferecer, como máquina de escrever, telégrafo Morse, fonógrafo, telefone. Bom, o moço tinha tudo - uma biblioteca com 1817 volumes só de sistemas filosóficos, sem falar nos compêndios sobre astrologia, medicina e outros tantos. Tinha uma escova chata e redonda para aparar o cabelo no alto, uma escova estreita para ondear o cabelo sobre a orelha, outra côncava para a parte de trás da cabeça, outra de longas cerdas para o bigode e ainda outra mais leve para as sobrancelhas. Acontece que o Jacinto não era feliz. Trazia uma insatisfação sem remédio dentro do peito, o que o fazia bocejar a todo instante, e a despeito de três cozinheiros experimentados nos melhores cardápios ricos de todas as proteínas, tinha a face pálida e rugas de preocupação.

Em busca de novos ares, Jacinto decidiu passar uma temporada nas serras, em uma quinta cuidada por caseiros havia trinta anos. Por precaução, sabendo ele que a construção estava desgastada pelo tempo, enviou uma equipe de engenheiros, arquitetos, trabalhadores e malas e mais malas com todos os confortos necessários para duas semanas de montanha, como camas de penas, poltronas, divãs, banheiras, tapetes persas, livros, vinhos, champanhe, e mais muitas outras coisas. Ocorre que por um lamentável ou providencial erro de comunicação e extravio das malas cheias de modernidades, Jacinto chegou à quinta com a roupa do corpo, e desolado, deu com a casa de janelas sem vidraças, com paredes enegrecidas, buracos no telhado e apenas enxergas no chão. O caseiro Zé Brás, apavorado, atravessando a pior hora de sua vida e com as mãos na cabeça, tratou de providenciar uma ceia para o patrão. Ordenou a um bando de mulheres experientes que logo “depenava frangos, batia ovos e escarolava arroz, com santo fervor”, no dizer da narração sarcástica e adorável de Eça de Queiroz. Nada restou a Jacinto senão esperar pela ceia, encostado na janela sem vidraça, de olho nu nas estrelas que luziam no céu negro da serra. Acabou por considerar que a teoria dos seus compêndios sobre astros era bem diferente da prática real da observação. Inebriado por uma doce paz que vinha do crepúsculo, foi cear e se descobriu com uma fome leonina. Devorou os frangos, os caldos e as favas, sem se lembrar de que não gostava delas. E o vinho! Ah sim, o vinho! Caseiro, de mesa, simples, saboroso. Enfim, depois de algum tempo, encontramos um Jacinto bem diferente daquele da cidade civilizada. Perdera a palidez, ganhando um tom trigueiro e forte. Pescava trutas que ele mesmo assava, e estava de casamento marcado com uma rapariga bela e forte do lugar. 

Tudo ficção e exagerado para fazer a gente rir um pouco. Mas verdade seja dita: não precisamos de 99,9% das coisas que julgamos precisar. Saindo da Literatura para palestras de Dom Henrique Soares que minha irmã Agueda sempre me envia e muitas vezes não assisto pelo tempo que me falta, assisti a uma hoje que amei: “Pouco é necessário para quem Deus é tudo”. Em determinado ponto ele conta um fato que preciso repassar: ele estava em Roma na época quando um vizinho de quarto relatou que tinha ido celebrar missa numa capela cuidada pelas Irmãzinhas de Santa Teresa. Na saída, a Madre pediu que ele desse carona até o Metrô para uma irmãzinha que havia sido transferida para outro lugar. E eles ficaram conversando até que o padre perguntou para a irmãzinha: e aí, você não vai buscar a mala? E ela disse que já estava com tudo. O tudo não passava de uma bolsa de pano a tiracolo. Ela ia se mudar e tudo o que possuía estava naquela bolsa. Meus olhos transbordaram formando um vale de lágrimas ao ouvir essa parte. Lá vou eu sentindo minha santa inveja dos santos. D. Henrique diz que a pobreza cristã não é por ideologia, mas para dar espaço para Cristo no nosso coração. E Sta. Teresa lembra que a verdadeira pobreza traz consigo uma honra que não há quem lhe resista, mas ela ressalta que esta pobreza é aquela que é abraçada só por Deus. Que beleza!

Não é à toa que minha irmã diz: não precisa ver agora, MAS NÃO DEIXE DE VER, Misa, OK? OK, respondo eu.

             

CARMINHA

 

Carminha plantinha

Carminha florzinha

Que Deus enviou

Que Deus cultivou

 

Carminha plantinha

Carminha filhinha

A mais linda flor

De nosso Amor

 

Carminha plantinha

Carminha estrelinha

Que Deus buscou

Para o Céu

Alegria sem véu

 

Jesus! Jesus!

E a Carminha?

- A Carminha?

Brincando com Santa Teresinha

Em nosso Jardim

De Amor sem fim.

UMA LEMBRANÇA PRECIOSA

 


Em 1993 fui com minha mãe ao Rio de Janeiro para participar de um grande Encontro Internacional da Renovação Carismática. Grande encontro mesmo porque foram sete dias de palestras, missas, orações e mais orações. Havia muitos estrangeiros e gente do Brasil inteiro. Eu já era uma pessoa que procurava por algo, porém não sabia que ainda teria que percorrer um longo caminho em minha vida. Fui mais para fazer um agrado à minha mãe, um presente.

Para dizer a verdade eu só me animei a ir porque li no programa que o Pe. Canadense Emiliano Tardiff viria para esse encontro. Eu já havia lido seu livro “Jesus está vivo”, e fiquei desejando ardentemente estar presente quando este padre fizesse uma oração. É claro que eu sabia que Deus estava sempre comigo, sem precisar de terceiros. Mas eu tinha uma imensa confiança na oração do Pe. Tardiff. Ele foi uma pessoa escolhida por Jesus. E quando Jesus cisma com uma pessoa, Ele cisma. Muitos são chamados e poucos escolhidos.

Aconteceu que o Pe. Tardiff cancelou sua presença no Encontro porque estava doente. Fiquei desolada. Dei por perdida minha viagem, mas não disse isso para minha mãe, pois eu sabia que iria ouvir.   

Ficamos hospedadas no velho Hotel Nacional, aquele redondo, que foi desativado há muito tempo. Muito bom hotel na época e tínhamos uma visão deslumbrante da Favela da Rocinha. Era só abrir de fora a fora as cortinas e a janela envidraçada que rodeava todo o quarto nos oferecia aquela vista surpreendente. Como eu havia ficado desanimada com a ausência do Pe. Tardiff, adorava voltar do Rio Centro, (local do Encontro) porque podia ficar me distraindo a observar a vida pululante na Rocinha. Naquele tempo ainda não era perigoso como se tornou depois. As balas perdidas ainda não pipocavam.  

Bem, do que quero falar? Amados por Deus como somos, mesmo nesta vida de violentas tempestades, Ele, que sabe de todas as coisas, Ele, que é bom pagador, não me deixou de mãos vazias, embora eu não tivesse percebido naquela época.       

Numa manhã quando descemos para o café, o restaurante do hotel estava cheio e eu podia ouvir muitas vozes de nossos companheiros de Encontro falando inglês e espanhol. Numa mesa próxima reparei num homem, talvez colombiano ou boliviano, tanto faz, que estava prestes a começar seu desjejum. Mas antes, ele fechou os olhos, eu reparando, depois ele fez o sinal da cruz bem devagar. Ficou alguns momentos ainda de olhos fechados. Depois foi se servindo, sorridente com quem chegava à sua mesa.  

Eu achei tão bonito isso, como minha sensibilidade mandava, mas tão bonito! Fiquei encantada. Alguém poderá dizer: ora, isso é comum, muita gente faz oração às refeições. Eu sei. Minha irmã mais nova com meu cunhado e os filhos, fazem oração antes da refeição desde sempre. Quando vamos lá, participamos, é claro.

Mas o significado disso para mim naquele momento de minha vida foi especial. Deus me presenteou com aquela lembrança que ficou indelevelmente impressa em minha alma e em meu coração. Uma pessoa que se lembra de Deus na hora da refeição, que agradece e pede que Deus abençoe o alimento, é uma pessoa que já entregou seu dia e sua vida ao Senhor. Senti uma santa inveja daquele homem. A atitude dele era carregada de santidade. 

Não só nunca me esqueci disso, como essa lembrança sempre me visita carinhosamente. E só muitos anos depois, quando li Santa Teresa de Ávila, compreendi o que ela dizia quando falava: um erguer de olhos, como o publicano, já é uma grande intimidade com Deus. Deus nada despreza, Deus é Deus, faz o que quer e como quer.

Não vi o Pe. Emiliano Tardiff, não ouvi sua oração, mas não voltei de mãos vazias. Ali foi plantada uma semente. Compreendi que já no início do dia, podemos deixar Deus entrar e participar de nossa vida. E se puder, em muitos outros momentos do dia. Ele estará disponível sempre. Nós é que O afastamos para nos dar às largas ao mundo.  

Se eu tivesse santidade para ouvir Deus, certamente eu ouviria: “não tem o Pe. Emiliano Tardiff, mas você tem a Mim”.   

NOVA REALIDADE

 

É a terceira vez que começo este texto. Talvez eu desista de vez porque, para dizer a verdade, não quero falar de Pandemia, de vírus, de morte e de medo. Mas é o que tem acontecido e também não posso deixar de falar. Talvez nada precisasse ser dito, só a foto fala por si. E também o que chega pelo whatsapp, pelos grupos, pela família. Também pelo Facebook que a cada dia traz notícias de mais mortes.

Há um ano entrávamos na Quaresma inundados de tristeza e perplexidade. A Pandemia chegava ao Brasil, à Minas e à Itajubá. Pela primeira vez em mais de um século a Igreja Matriz fechou suas portas em plena Semana Santa. Inacreditável! Daí veio a corrida às máscaras, a corrida ao álcool, mais valiosos que ouro e ainda são e serão. Tivemos que nos adaptar à nova realidade. Parece que as máscaras farão parte de nosso cotidiano,  sabe Deus até quando, talvez para sempre, até o fim do mundo que não está longe.

Porém, passados alguns meses, ficamos animados, parecia que tudo caminhava mais ou menos tranquilo. Talvez tudo estivesse terminado até o final do ano. Qual o quê? Quem falou? Mortes, sim, mas Itajubá ainda estava longe das cidades mais devastadas, com multidões de infectados e muitas mortes. De repente chega o fim do ano com tristezas, com mortes e prognósticos alarmantes.

É claro que ficamos tristes pela morte de todos os habitantes do planeta atingidos pelo vírus. Porém, quando são nossos conhecidos, é muito mais triste. E quando são nossos familiares, não é só triste, é trágico, é devastador e a dor é inimaginável.

Me corta o coração por ver filhos que não podem visitar seus pais idosos com receio de que possam contaminá-los. Oh que tristeza vivemos para contemplar!

Fico tensa quando estou na rua. Não há como ficar prisioneira em casa e nem quero, pelo amor de Deus. Mas confesso que uma vez na rua, tudo que quero é voltar para casa. Minha ansiedade cresce, sinto meu coração subir pela garganta. Fico nervosa, já briguei na fila do banco, logo eu que chamavam de meiguinha, viu Alda Castanho? Quando volto pra casa, que alívio, eu abro os braços e digo: Minha Casa, minha Vida. Arranco a roupa, ponho no sol, mas quer saber? Acabo lavando tudo, roupa, sapato, bolsa, aliança e prendedor de cabelo.

Este finalzinho foi pra gente rir um pouco. Mas não há nada engraçado, não há nenhum motivo para rir. Brinco para não enlouquecer, rio para não chorar e escrevo para descarregar, para tirar do peito tanta dor.      

 

 

MORADAS

 

 

Sempre achei bonito, como sempre acho, quando minha enteada se refere à casa e ao endereço como “Morada”, linguajar de Portugal. É porque casa é demasiadamente físico, lembrando paredes e teto, já morada é uma palavra que tem uma elegância, “quem entender a linguagem entende Deus” (Adélia Prado). Enfim, Morada tem uma conotação de vida, de sentimentos sobre onde se mora.

Bom, lendo há dias uma crônica de Rubem Braga (não faço outra coisa ultimamente), fiquei comovida com o que ele dizia sobre casas e moradias. Dizia ele para um corretor que mostrasse qualquer apartamento que fosse, menos aquele que ao abrir uma janela, ele desse de cara com uma parede. Não, isso nunca. Podia até ser a vista para uma rua movimentada, barulhos do trânsito e tal, mas uma parede não. Não precisava ser uma vista que desse para o mar, isso era luxo demais, mas que se visse o céu. Isso sim.

Agora falo de outro Rubem, o Rubem Alves de quem li algo há mais de vinte anos. Contava ele que morou em certo lugar onde a janela de seu quarto dava para um terreno baldio, com monturos de lixos, e aquela visão era de amargar. Pois foi então que ele pouco a pouco transformou aquele terreno num jardim, com arvoredos e flores. O terreno não era seu, porém isso não importava. O que importava era a beleza, era abrir a janela e enxergar algo belo como plantas e flores.

Isso me fez lembrar de minha avó, mãe de minha mãe, que a vida toda morou em casas alugadas. Só que ela sempre deixava cada casa com um quintal que mais parecia um jardim de Versailles de tão florido e lindo, sem falar da grama de tufos onde ela quarava aqueles lençóis branquinhos de antigamente. Minha mãe também era assim, amante das plantas e flores. Nosso quintal era habitado pelos antúrios (milhares), espirradeiras, bicos de papagaio, romãzeiras e parreiras. Ela dizia que adorava a sombra das parreiras (Como falo de minha mãe).

Só que em seus últimos anos de vida, ela queria porque queria uma casa com varanda que desse para a rua para ela se distrair. Eu quebrei a cabeça tentando achar uma solução, mas não foi possível. Ela já estava doente e não encontrava consolo em quase nada. Mas eu carrego esta culpa. Espero que no Céu haja varandas das mais belas.

Estamos construindo uma casa afastada que tem uma vista bonita, mas não as montanhas que vejo daqui. Mudanças são necessárias, perdas são inevitáveis. Se tiver uma vista para o céu, como disse Rubem Braga, tá bom. Isso tem.

Voltando ao início do texto, falo em “Morada”, e agora me vem à mente um dos livros que compõem as Obras Completas de Santa Teresa de Ávila que se chama “Moradas” se referindo ao nosso interior, à nossa alma, um castelo onde Deus habita. Esta Morada devemos cuidar muito bem porque é o lugar onde Deus habita quando nos visita

ESCREVAM

 

Geralmente, pela quarta-feira já sei do que vou falar, ou melhor, escrever. Não gosto de buscar algo já publicado para reprisar. Não, prefiro um texto novo, mesmo que a gente fale sobre alguma coisa já falada. Escrever é a mesma coisa que falar. Em casa, em família ou mesmo entre amigos, acabamos por falar coisas já faladas. Então, com a escrita acontece o mesmo. Qual é o problema? Há sempre outros modos de encarar um assunto, outros ângulos ainda não explorados.

Então, vou à minha Pasta de Ideias (copiei esta expressão que achei ótima, de minha sobrinha) e exploro o assunto. Agora, por que escolhi o título ESCREVAM? Porque justamente hoje li um artigo da Rachel de Queiroz em que ela fala como era procurada por novos escritores, principalmente mulheres que lhe pediam conselhos sobre a arte de escrever. E o título de seu artigo é NÃO ESCREVAM. A famosa escritora desfia um rosário de argumentos para que não procurem este ofício. Diz ela que é um aprendizado penoso, um caminho de agruras. É um “girar em torno de si próprio, do próprio umbigo, da própria alminha, do próprio mundinho interior”. Ah, isso é sim. É verdade. Também acho. Não há como escapar disso. Toda semana minha alma vai para o papel, ou melhor, para a tela do computador. 

Muitos escritores falam isso, sobre derramar a alma no papel. Já conversei com diversas pessoas que dizem sentir vontade de escrever. Pois que ESCREVAM. Há que se ter coragem porque se desnudar assim para os outros não é para qualquer pessoa. Rachel de Queiroz afirma em seu artigo que não há prazer na criação, apenas fadiga, decepção e fracasso. Hummm, aqui no meu minúsculo quadradinho, vou ousar discordar. Para mim há prazer sim. Bem, às vezes sinto um mega prazer porque realmente gostei de ter escrito tal e tal artigo. Mas já deletei muitos pela metade, para não dizer que rasguei a folha do papel. Para publicar, eu tenho que gostar. Escrever mecanicamente, isso não. Simone de Beauvoir dizia que “não se pode escrever nada com indiferença”. Quando desisto pela metade é porque minha alma não estava ali. Pode crer.

Aqueles que queiram escrever, insisto que ESCREVAM porque é gostoso. Se é que posso dar conselhos, na minha humilíssima opinião, ainda que não tenham me pedido, escrevam de alma aberta, como se fala a um amigo. Imagine que está diante de um amigo, com uma taça de vinho ou uma xícara de café. O texto de uma crônica pode ser qualquer um, pode ser engraçado ou triste. Não necessita de comprovação científica. Ou escrevam como se fosse para seu Diário, falando sobre algo que aconteceu ou que você gostaria que tivesse acontecido.

Para os que não querem nem almejam escrever nada, ao menos leiam para se distraírem, que mal não faz. Paz!

      

A ASA DA BORBOLETA

 

Um dia desses eu subi para meu terraço e dei com uma borboleta se debatendo na janela, do lado de dentro. Ela tentava se libertar para ganhar os ares. Eu me aproximei cuidadosamente e fiquei admirando aquela criaturinha frágil. Era pequena, coloridinha como são as borboletas, mas não era nenhum espécime magnifico da classe. Com muito jeito eu abri o vidro e tentei empurrá-la para fora. Nada. Uma asa estava enroscada em algo. Tive receio de puxar aquela asinha de nada, e dar tudo errado na operação resgate. Olhei e estudei todos os ângulos para ver de que maneira poderia ajudá-la a se libertar.

Foi aí que me dei conta de que era a primeira vez que eu tentava salvar uma borboleta. Este era de fato um feito sem precedentes em minha vida. Numa altura dessas, já com meus sessenta e tantos e tantos, eis que estou diante de algo extraordinário. Quem disse que a vida da gente é comum, que os dias são rotineiros? Não, não, não são. Os dias são generosos e recheados de momentos incríveis, realizamos mínimas coisas sem nos darmos conta de que não são mínimas, pois que uma xícara lavada com carinho, ou uma frigideira pregada de gordura, uma vez que oferecemos esses atos a Deus, são atos de amor. A começar pela água que escorre pelas nossas mãos quando lavamos a louça e panelas difíceis. Um erguer de olhos para o Céu já é uma oração de grande valor para Deus.

Voltemos à borboleta. Falei com ela como se ela escutasse, e quem disse que borboletas e flores não escutam? Fiz como minha prima que conversa com as galinhas que furtivamente entram pela sua sala: “Boa tarde, queridas, tudo bem? Estejam à vontade”. É assim que ela, ao invés de enxotar as galinhas como normalmente sempre se faz, ela as acolhe. Assim falei com a borboleta: calma menina, vai dar tudo certo. Com muito jeitinho conseguir despregar a asa de alguma sujeirinha presa no vidro. Ela não esperou um segundo. Levantou voo e partiu, livre, inteira, com suas asas intactas. E eu me senti feliz, como uma médica do Chicago Med que logrou ser bem sucedida numa cirurgia complicada.

E por coincidência ou não, estou lendo o livro “A sala das borboletas”. Rodei, rodei o livro nas mãos tentando imaginar por quais caminhos aquele livro iria me levar. Sei que basta abrir e começar para que eu mergulhe profundo, se o livro me agrada, é claro. Percebi logo que a autora é de uma sensibilidade ímpar. E foi aí que já li uma frase que veio corroborar minha felicidade ao salvar a borboletinha: “O bater de asas de uma borboleta pode fazer toda a diferença no mundo.”

Nada é insignificante na vida, cada coisa pode ser um ato de amor, até a asa de uma borboleta. Minha mãe costumava dizer que quando ela fosse se apresentar diante de Deus, e se Ele lhe perguntasse o que tinha para oferecer de sua vida, ela, se não tivesse mais nada, apresentaria as sacolas pesadas que trazia do mercado para nos alimentar. (Como falo de minha mãe! Minha personagem preferida)

E eu, bem, entre tantos desacertos e imperfeições e pecados, posso apresentar a asa da borboleta que salvei e que fez toda a diferença no mundo.

 

 

 

O ARTESÃO DE GOLFINHOS

 

Meu marido me chama à janela. Além da beleza de uma amostra ao longe de nossa Mantiqueira, eis que vejo no terreno em frente um homem “fazendo” dois golfinhos de cimento. Não vimos o início da arte. Os golfinhos já estavam cobertos de cimento que o artesão alisava aqui e ali. Não é qualquer pessoa que saberia fazer uma arte dessas. O cara é um artista, um artesão trabalhando num trabalho lindo. Para onde vão os golfinhos de cimento? Não faço a menor ideia. Como o prédio em construção ao lado do nosso terá uma piscina, provavelmente os golfinhos irão para lá. Agora já estão pintados de azul. Um amor!

Tenho loucura por golfinhos. Há muitos anos estive passeando em Fernando de Noronha quando tudo lá era agreste, sem um único hotel. Quando íamos de barco para o mar, os golfinhos nos acompanhavam o tempo todo na maior alegria. Eu não quis nadar com eles, tive medo. Enquanto o pessoal todo desceu ao mar eu fiquei sozinha olhando. Pois não é que um golfinho se enamorou de mim? Ele deixou a turma toda e veio por a carinha para dentro do barco a todo instante como se não quisesse me deixar sozinha. Ora vinha por um lado do barco, ora pelo outro lado. Muito fofo!

Meu marido foi tratar da vida e eu fiquei ali olhando, e meu pensamento, minha imaginação alçando voo. Quem seria este homem artista? Como seria sua vida? Provavelmente ele, em casa, teria dito à sua mulher na hora da janta: mulher, estou fazendo dois golfinhos! E ela daria de ombros enquanto atendia a um filho ou mais. Sim, eles teriam filhos. E o filho mais velho que teria puxado mais ao pai, se interessou pelo assunto: Como pai? Dois golfinhos? De cimento? E o pai orgulhoso: Sim, vou te levar lá pra ver.

Estou imaginando um casal feliz, com filhos saudáveis e felizes. Tudo por conta da sensibilidade que julgo que o artesão tem. Como fazer golfinhos tão lindos sem sensibilidade? Estou até arriscando que mais tarde da noite, quando as crianças dormem, o artesão e a mulher trocam juras de amor.

Não é tão simples assim. Feliz do artesão que ainda está empregado porque há muitos que não. A vida está difícil e ainda tem a pandemia para piorar tudo. Ele pode ter chegado em casa e encontrado a mulher de mau humor. Ela teria reclamado dizendo: estou precisando de uma panela nova e ele até hoje nada! E os meninos estão precisando de sapatos. E o homem, como tem sensibilidade, porque quem faz golfinhos é sensível à flor da pele, esperou que a mulher se arrependesse dos maus humores, e lhe fez um carinho nos cabelos, desmanchando o penteado e a cara feia.

Vai que não é nada disso. Vai que o artesão é solteiro e que depois de esculpir os golfinhos ele vai para casa, entra no Facebook, faz suas postagens, brinca com os amigos, toma uma cerveja e vê TV.

Mas eu, sinceramente, fico torcendo pra que ele tenha um amor, que seja feliz com este amor, que tenha filhos bagunceiros e alegres. Sim, e de tardezinha ele vai pra casa. Na hora de dormir, ele abraça seu amor e diz: um dia nós vamos passear no mar e nadar com os golfinhos. Eles são tão risonhos! Você vai adorar!