Há
lembranças que nunca se vão, permanecem intactas desde a infância, seguem pela vida
afora e desde que o momento exija e sejam convocadas, elas se apresentam
novinhas como se tudo tivesse acontecido naquele momento. Por que umas
lembranças e não outras? Vai depender do que ou do quanto significaram para
nós, geralmente muito.
Recebi
a notícia do falecimento de uma pessoa e fui inundada por várias lembranças. Fiquei
pensativa e ensimesmada. Voltei ao passado. As lembranças foram surgindo uma a
uma e brincando de mãos dadas ao meu redor.
Foi
assim: em determinada época de minha vida, coisa de mais de cinquenta anos, eu
passava uns dias na casa de uns tios. Conversávamos, as primas e eu, quando a
mãe delas entrou no quarto onde estávamos. Ela falou sobre algo com uma das
meninas, conversaram e de repente ela veio e abraçou a filha, apertou a menina
nos braços como se fosse um bebê e as duas permaneceram abraçadas de um jeito
carinhoso e terno. Minha prima chegou a fechar os olhos enquanto a mãe
acariciava seus cabelos, e falava palavras amorosas. A mocinha, dengosa,
parecia estar flutuando naquele abraço. Eu me quedei muda, paralisada, maravilhada
e atraída por aquela cena tão bonita. Experimentei uma mistura de sentimentos
enquanto, embevecida, assistia àquela cena de carinho. Era uma extrema comunhão
de amor, um momento tão delicado e eu, na minha famigerada sensibilidade fui
tocada e feita prisioneira. Enquanto aquilo durasse eu permaneceria como fiel e
emocionada testemunha de um momento de amor entre mãe e filha.
Em
minha família não havia essa demonstração escancarada de amor. É claro que
havia amor, demonstrações não. Minha mãe tinha o cuidado de não paparicar para
que não ficássemos “estragados”. Com seu extremo rigor para essas questões, ela
chegou a dizer com todo orgulho para uma nora: eu nunca elogio filhos.
Evidentemente que minha avó também não elogiava filhos, nem minha bisavó e daí
para trás. A verdade é que muitas gerações devem ter crescido sem nunca
experimentar uma comunhão de amor tão gostosa como aquela que eu presenciara e
que me marcaria para sempre. Este rigor não era só de minha mãe, não. Conheci
muitas famílias que também vivenciaram isso. Era a cultura da época, costumes
de lugares pequenos. Que pena! Tudo bem! Ninguém ficou traumatizado por causa
disso. Depois que a gente cresce e amadurece, a gente entende. Tivemos a chance
de quebrar a corrente, de abraçar e beijar com todo o nosso direito e desejo. E não há coisa mais bonita do mundo do que a
gente mudar as regras do jogo, dulcificar as durezas, aparar as arestas e
asperezas, abolir as penas e agradecer aos pais que fizeram tudo como puderam.
No
momento em que assisti àquela terna cena de amor, eu não devo ter entendido o
porquê do meu encantamento, e nem estava preocupada em entender, mas em viver
aquela emoção, isso sim. Instintivamente, eu sabia que era algo precioso porque
meu coração pulsava. Era como ter descoberto um tesouro de incalculável valor. Sabia
que um dia eu viria a falar disso, só que não sabia como. Chegou o momento.
Com a
partida daquela mãe carinhosa, eu pude resgatar esta lembrança especial.
Para
você que partiu, minha querida, saiba que você me emocionou muito naquele dia
de nossas vidas. Obrigada! Que Deus acolha você em Seu Amor!
Como a vida é bendita!