Ela estava encantada com o vestido
de passarinhos. É verdade que mais parecia um vestido de menina, e talvez fosse
exatamente por isso que ela se sentiu tão atraída pela roupa. Era um vestido
vermelho pintado de passarinhos azuis e verdes, assim, dois a dois em cima de
um galho e eram milhares de passarinhos. Como não se usa mais ir comprando
assim de tudo o que se vê, ela segurou o impulso, afinal não precisava mais de
nenhum vestido, ainda mais um vestido grande demais para seu tamanho. Mas ela
gostou tanto dele que chegou a sonhar já vestida de passarinhos. Aí se decidiu
e depois de decidido, foi acometida por uma sofreguidão intensa, uma urgência
descabida, era preciso adquirir logo antes que alguém o comprasse. Foi desabalada
para a loja, debaixo de um sol escaldante como se fosse salvar o planeta de uma
terrível catástrofe. Finalmente ele estava em seus braços e ela o abraçou forte
como se abraça um tesouro perdido e finalmente reencontrado. Agora a costureira
espetava os alfinetes aqui e ali para apertar o vestido, e também tecia elogios
para a estampa singela e original.
Foi
exatamente naquele momento que ela sofreu um ataque fulminante de ternura. Voltada
para o espelho, com o olhar perdido nos passarinhos, ela esboçou um sorriso gostoso
e sem pensar, sem compreender, mas com o coração transbordando de amor, falou
mais para si do que para a outra: “se minha mãe estivesse viva, ela ia gostar
muito desse vestido de passarinhos”. Imediatamente estranhou a própria fala,
pois não havia ensaiado e nem pensado nessa frase. Era como se tivesse sido
outra pessoa a falar e não ela, pois no momento, ela própria estava
transportada para outro mundo ou outra vida, tanto fazia. Foi algo que saiu do
âmago de sua alma. Aquela fala atravessou o tempo, idades, vidas, mundos, e
saiu como alguém que ressuscita ou que nasce ou como alguém que está em
completa paz. Aquela voz era dela e não era. Talvez fosse um quase falar
dormindo.
Naqueles
pequenos momentos, ela se lembrou de uma vida inteira, lembrou-se da mãe que
costurava cantando na velha máquina debaixo da janela do quarto do meio,
lembrou-se de seu estojo de corte e costura, das réguas, tesouras, moldes,
agulhas, linhas e retalhos espalhados pelo chão. Lembrou-se do riso das alegres
aprendizes de costura. Daí foi direto para a copa da casa da infância, com a
mesa de fórmica e as cadeiras coloridas, cada uma de uma cor. Viu os cachorros
lá fora, o piso de pedras, viu a escada de madeira, os quartos. Viu pela janela
da sala a enxurrada que descia com violência durante a chuva forte. Viu-se
acompanhando a mãe à sacristia da igreja para trocar as flores do altar. Tudo
isso em poucos minutos, enquanto a costureira a prendia em milhares de
alfinetes no vestido repleto de passarinhos. Ela admirou-se de como a vida podia
caber em apenas alguns minutos. O vestido era grande demais para ela.
Seus
olhos ameaçaram transbordar as lágrimas. Ela fungou constrangida. Contemplou o
vestido e achou-o lindo. Contemplou a vida e achou-a triste e bela. A
costureira acabara de espetar o último alfinete.
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