domingo, 6 de dezembro de 2015

Avó





De quando em quando, minha avó tirava os óculos de aros dourados e fininhos que ficavam sempre na ponta do nariz, e parecia fazer um esforço imenso para alcançar o peito do pé. Os dedos finos e brancos se alongavam mais ainda e os lábios se apertavam num franzir de boca, indicando que ela finalmente alcançava e agarrava com dificuldade o pé, com a perna esticada na cama. A testa também ficava franzida em mil rugas. Minha avó tinha uma ferida que coçava, dessas enroladas em gases quilométricas. Aí, ela começava a massagear o pé com movimentos suaves e demorados, para lá e para cá, até que tudo tivesse sossegado. Tornava aos óculos e ao livro de oração, de capa preta e com um dourado finíssimo na borda de cada página, o que fazia um dourado só, grosso e imponente. E lá ficava minha avó, numa quietude de santos, aprendendo o caminho da perfeição e em paz de gente mais velha que não mais precisa correr. Daí a pouco, ela voltava a coçar o pé.
Eu assistia a tudo encantada, por ser ainda criança, pois as crianças sabem tirar encantamento de tudo, até de avó que coça a ferida no pé. Sua imagem, sentada na cama, com a perna magra esticada, não me sai das mais queridas lembranças. Seu cabelo liso, branquinho, puxado para trás e preso por dois pentinhos, sua testa de baronesa, seu perfil nobre e seu olhar afiado. Haverá no mundo coisa mais bonita e terna para lembrar?




                
















Nenhum comentário:

Postar um comentário