sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Um conto de Natal - (Conto premiado pela Centro Cultural Clube Itajubense em Itajubá - 2005)








 

            Sofia olhava atentamente para o parque de diversões. Via crianças e pais felizes. Pensava que não podia haver felicidade maior na vida do que andar naquela roda gigante ou na barquinha. Ah! Tudo devia ser bom!  Ela suspirou profundamente e se deu conta de que já era tarde. Sofia era uma menina de nove anos, muito pobre. Seu pai estava desempregado e a mãe trabalhava como cozinheira de um hotel elegante. Era uma mulher que quase nunca sorria. Celinha, amiga de Sofia, também era pobre, mas sua mãe, ao contrário da mãe de Sofia, era uma mulher alegre como ela só! Imensa de gorda, sentava-se junto das meninas e conversava com elas. Até tinha enfeitado um pinheirinho apanhado ali mesmo, pertinho da casa. Era dezembro, mês do Natal.

            Sofia não gostava do Natal. Ficava triste por causa dos presentes que nunca ganhava. Tudo bem que o Natal não era só presentes, era tempo de ser feliz, lembrando o nascimento de Jesus, que também fora pobre como ela. Ela sabia disso, mas Sofia queria presentes. Só um. E se Papai Noel existisse mesmo, alguma vez ele já teria trazido um presente para ela. Mas nunca, nunca trouxera. E ela tinha visto que Papai Noel era apenas um homem fantasiado. Foi naquele Natal em que o Velhinho, em pessoa, entregaria presentes para as crianças pobres lá na Prefeitura. Sofia ficou maluca para ganhar um presente. A mãe não quis deixar, disse que Papai Noel só existia para as crianças ricas. Sofia chorou e sob os protestos da mãe foi buscar seu presente. Quando chegou perto da Prefeitura, ficou desanimada. Não sabia que existiam tantas crianças pobres assim. Mas foi furando gente de toda a maneira até chegar perto do Papai Noel. Foi então que a confusão começou.  Crianças e mais crianças avançavam em direção ao saco de presentes e pulavam em cima do Papai Noel que, nessa altura dos acontecimentos, estava bravo e xingava todo mundo. No empurra-empurra a barba branca e o bigode caíram. Foi um vexame, quase uma tragédia. Sofia caiu e por pouco não foi pisoteada. Voltou para casa chorando e pensando que a mãe tinha razão. Não existia Papai Noel. Mas era criança e no dia seguinte, sarou com o abraço afetuoso da mãe de Celinha que lhe deu uma cocada ainda quentinha. Tudo bem. Papai Noel não existia, mas ainda assim Sofia queria um presente.

No ano seguinte, a professora avisou que o Papai Noel estaria na escola e pediu que as mães também fossem. A mãe de Sofia não quis ir, mas acabou cedendo e foram no dia marcado. Só que a fila era muito grande. Se ao menos a mãe tivesse saído mais cedo do serviço. Sofia não se aguentava de tanta ansiedade. Mas bem na hora dela, os presentes acabaram. Ela sentira vergonha, o rosto queimava de vermelho, como se tivesse feito alguma coisa errada. Papai Noel, dessa vez, não ficou bravo, até lhe deu um abraço. Voltaram para casa, mãe e filha, em silêncio. Sofia sentia uma grande vontade de chorar, mas teve medo da mãe. As lágrimas saíam sem que ela pudesse controlar. Foi direto para a cama e chorou tanto, tanto, que pensou que ia morrer de tanto chorar. A mãe, silenciosa e séria como sempre, nem veio lhe dar um abraço. Só mais tarde Sofia compreenderia que o sofrimento amolece o coração das pessoas, mas algumas vezes endurece e para sempre. Naquela noite, ela sonhou que estava em um grande parque de diversões e que tinha todos os brinquedos só para ela. Que sorria, que ria muito mesmo, sentindo o vento no rosto, enquanto a barquinha subia cada vez mais alto. Engraçado, tudo em câmera lenta, como num filme em que ela tinha visto sobre uma menina que se perdia dos pais e quando finalmente os encontrava, ia correndo lentamente, com uma música linda de fundo. E desde então, para Sofia, câmera lenta virou sinônimo de felicidade. Sofia acordou pela manhã, lembrou-se do sonho com carinho, mas jurou que nunca mais iria para nenhuma fila de Papai Noel.

            Era domingo outra vez. Sofia foi chamar Celinha para irem ao parque. Celinha não quis. Sofia foi sozinha e lá ficou com a cara grudada na grade. Não sabia, então, que era observada pelo dono do parque, seu Nicolai, um russo gordo, com cabelos, barba e bigode brancos. Ele chegou perto de Sofia. Como é o seu nome?  Sofia -  Sofia, você quer brincar um pouco no parque? - Eu? Que-quero, mas não tenho dinheiro. - Eu sei, mas eu sou o dono do parque e no meu parque, anda quem eu quiser. Sofia não podia acreditar. Entrou pelo portão principal, como se fosse uma princesa.

            A princípio, ela foi entrando timidamente, mas pouco a pouco, foi pegando o jeito. Foi na barquinha, que subia cada vez mais alto, mais alto. Sofia sentia um arrepio, uma felicidade estranha, como nunca então tinha sentido. O vento batia em seu rosto, como no sonho. Agora ela ria alto, tão alto quanto a barquinha. Lembrou-se de Papai Noel e dos presentes. Não tem importância, eu mesma vou comprar um presente quando crescer. E vou pedir para embrulhar naquele papel verde brilhante com fita vermelha, como nos filmes americanos. De repente, Sofia sentiu que a barquinha estava balançando em câmera lenta. Será? Deve ser impressão. Mas estava, podia jurar que estava. Se fosse um filme, as pessoas poderiam ver seu sorriso, sua cabeça se movendo lentamente com os cabelos soltos ao vento. Não viu que Nicolai a observava lá embaixo. Com as mãos, tentava proteger os olhos da claridade e de vez em quando enxugava as lágrimas. Lembrava-se da filha que perdera há tantos anos. É Natal, ele pensou.

 
 
 
 
 

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