segunda-feira, 29 de maio de 2023

A MORTE DE UMA GIRAFA


Há algum tempo, passando por aqueles canais do Discovery, topei com uma reportagem que me chamou a atenção. Havia uma girafa deitada no chão, aparentemente dormindo e várias pessoas ao seu redor confabulavam algo que eu não entendi, pois peguei o bonde andando. Acabei supondo que ela estaria doente ou ferida e que todo aquele pessoal tentava ajudá-la, o que aumentou minha esperança na humanidade. Alguns homens conseguiram fazê-la se sentar, ajeitando uma perna sobre a outra.

O rapaz que narrava sobre o que estava ocorrendo estava mais à frente de todos. Ele chamava a atenção para a mulher que enxugava um sangue que escorria das narinas da girafa. Eu me emocionei mais ainda. Pensei comigo, ela está ferida ou talvez esteja morrendo de alguma doença, sei lá. Enfatizo que meu sentimento foi de esperança, de admiração por essas pessoas que ajudam os animais, como aquelas equipes que vão às praias para retirar óleo dos pássaros ou desenroscá-los de fios.

Qual o quê? Estarrecida saquei que não era nada daquilo. A mulher que enxugara o sangue da girafa estava com uma máquina fotográfica dessas profissionais e já se aprontava para uma foto e outra. Também havia outro fotógrafo com outra máquina chique. Vários homens que agora percebi serem empregados de alguém com muito dinheiro e poder ajeitavam o corpo da girafa para uma foto, de tal forma que parecesse que ela estava viva. Deprimente. A princípio pensei que o rapaz que fazia a reportagem estaria lá, “in loco”, pois ele se conservava à frente, mas na verdade ele não estava na cena, ele explicava o horror daquela cena. Enfim, a girafa estava morta.

O pior estava por vir. Chegou um homem vestido de caçador com um rifle e se posicionou de cócoras ao lado girafa abatida. Logo em seguida veio outro. Fizeram pose para as fotos, estavam alegres, comemoravam e sorriam despudoradamente. O repórter, indignado, disse que as fotos seriam para serem exibidas na sala de estar de um dos homens. Alguém já estaria contratado para pintar um quadro tomando por base a foto.

Eu julgava que as touradas e essas outras barbáries estivessem proibidas e extintas. Claro que mesmo ilegais, elas sempre acontecem, a gente sabe, mas assim escancaradamente, com fotos e risos, foi terrível assistir. A Terra pertence também aos animais, criaturas de Deus. Os animais selvagens, deixemos que vivam como vivem lá em seu habitat. Já os animais domésticos, que bom que os temos em nosso convívio diário, cuidando e desfrutando da alegria que nos trazem. 

O homem sempre arrogante se sente o dono do mundo e dos animais que ficam à mercê de seus caprichos decidindo que vida e fim terão. Uma girafa vive em média 15 anos. Fiquei imaginando quantos anos aquela girafa ainda poderia viver. É lógico que ela poderia ter sido morta por um tigre ou outro animal mais veloz do que ela, mas nenhum animal mata o outro por prazer. Só o homem faz isso, matando animais, seus próprios semelhantes, até crianças.

Tudo isso me fez lembrar de meu sobrinho refletindo sobre a natureza humana, quando disse: a humanidade fracassou. É verdade. Não estranharia se as pedras chorassem e Deus tirasse para sempre a alma dos homens e a colocasse nos animais. Aliás, penso que a grande maioria dos homens já nem alma tem, literalmente. Restaram aos homens apenas a crueldade e a maldição do intelecto. 

        

terça-feira, 16 de maio de 2023

FOLHA SECA

 FOLHA SECA

Misa Ferreira

(Inspirado no poema “Canção de Outono” de Cecília Meireles)

 

“Perdoa-me, folha seca,”

Não pude te trazer comigo

Fiz pouco do teu gesto amigo

Caindo carinhosamente à minha frente.

Cheguei a apanhar-te

E por um segundo a segurar-te,

Mas deixei-te ao chão,

Hoje sangra meu coração.

Perdoa-me, folha seca!”

Perdoa-me pela minha falta

É que me falta o sentido da vida,

E sentida, sigo vivendo

E aprendendo

Que uma folha seca

Cai porque Deus quis

Ainda assim,

Perdoa-me pelo que não fiz.

No Outono de minha vida

Também eu um dia cairei

Pois humana sou, humana serei.

Vou devagar divagando

Sempre errando

Talvez bem mais do que já errei.