Hoje,
lendo a crônica de Carlos Drummond de Andrade “Furto de flor”, fui inspirada a
parodiar o grande poeta e cronista, escrevendo não sobre o furto de uma flor,
mas de muitas flores. A autora dos furtos foi ninguém mais, ninguém menos do
que minha mãe. Eterna apaixonada por plantas e flores, minha mãe nos criou em
casas rodeadas de imagens religiosas, muito verde e muitas flores. Sem dinheiro
para vasos chiques, ela conservava seus antúrios, costelas de Adão,
palmeirinhas e outras espécies em latas grandes, daquelas de óleo Ya-Yá e
Violeta. As flores, então, eram seu mimo. Em sua última casa havia um corredor externo
comprido com um bosque de plantas dos dois lados que dificultava nossa
passagem. Meu pai ficava irritado, pois sempre saía picado por algum espinho de
roseira. Minha mãe a- ma- va rosas. Ao fundo do quintal, ficava uma área com
canteiros largos onde ela plantou uma espirradeira maravilhosa que oferecia
prodigamente suas flores cor de rosa e um pé de hibisco igualmente maravilhoso.
Ao lado do muro tinha uma arvore de romãs que deu muitos frutos e beleza por
muito tempo.
Bem,
não foi uma vez nem duas que minha mãe chegava à casa com um galhinho de alguma
planta, de uma flor e já ia lá fora tratar de plantar. Quando estávamos de
carro, ela dizia, “para aqui, para aqui”, e eu, assustada, parava, ela descia,
colocava o braço para dentro de alguma grade e apanhava uma flor com 99,9% de
chance de brotar. Ela plantava de tal modo, mexia a terra de um jeito todo seu
e a flor gostava e pegava. Eu falava, “mãe, alguém vai ver e vai xingar, é
melhor chamar alguém da casa e pedir, pelo amor de Deus, mãe!”. Mesma coisa que
nada. Apanhava do jardim da praça, de todo lugar que queria, enfim, minha mãe
era “a mulher que roubava flores”.
Certa
vez eu estava no salão e o cabeleireiro, moço muito bonzinho e educado que
conhecia minha mãe, disse: Misa, sua mãe está bem? Na verdade, ela já não
estava bem, começava a apresentar alguns sinais de demência, mas ainda tinha
toda a autonomia e nós não tínhamos nenhuma voz ativa com ela. O moço, que
morava na rua do rio, contou que ele estava cortando um cabelo quando viu minha
mãe chegar até à margem do rio, aí olhou, olhou, depois desceu como quem vai
entrar no rio. Ele ficou muito preocupado, saiu do salão e foi até lá. Mas
quando se aproximava da margem, eis que surge minha mãe subindo a encosta
carregada de plantas até o pescoço. Ela ficou meio sem graça, sorriu pra ele e
foi embora pra casa. Eu expliquei, brincando, que minha mãe era uma
cleptomaníaca de flores, sempre havia sido, mas que no momento ela realmente já
não estava bem. Onde já se viu? Descer para dentro do rio para apanhar plantas!
Que perigo!
Faz
oito anos que ela agora colhe flores no Céu. Aposto que ficou maravilhada com
as flores de lá, dizem que ninguém acredita a beleza que é o Jardim Celestial. Minha
amiga escritora, de intuições mágicas, de vez em quando tem sonhos vívidos e já
sonhou com lugares encantados com flores multicores que nunca viu em sua vida.
Já vejo minha mãe dizendo: que beleza! Que beleza! Tenho certeza de que não foi
questionada no tribunal celeste sobre o furto das mudas e flores. Afinal, quem
furta flores, planta um jardim. Assim ela fez.
Quem
já não roubou uma rosa?