Palavras de minha mãe no início dos anos 80:
"Eu me sentia exausta e muito fraca, e percebi que os médicos
estavam muito preocupados. Quando me levaram para a sala de cirurgias, eu tinha
certeza de que ia morrer. Mais tarde soube que eles também tinham essa certeza.
Fiquei muito feliz, finalmente eu ia me encontrar com Deus. Então, fui cantando
baixinho, um pouco porque estava tão fraca e cansada que não conseguia emitir
nenhum som, e também porque não queria que ninguém ouvisse. Eu cantava uma
música de louvor a Deus, emocionada com a minha morte. Mas aí, eu me lembrei
dos meus filhos. Só a Agueda estava casada, os outros ainda não estavam
encaminhados. Eu fiquei preocupada, achei que ainda não podia morrer, mas fui
encomendando cada um deles a Deus, depois o Tote. E pensei que Deus resolveria
tudo a seu modo, pois eu queria morrer para estar com Ele. No outro dia,
acordei cheia de dores, abri os olhos e pensei - 'isto não pode ser o Céu!'"
(Isto se passou no início dos anos 80. Minha mãe foi se encontrar com
Deus em 2010 - O céu teve que esperar e ela também!)
Depois de publicado qualquer um dos 7 livros que publiquei, raramente eu
abria um deles para ler. Era algo como uma missão cumprida, acabada, passada.
Achava estranho folhear o livro. Não sei ao certo, penso que temia encontrar um
erro ou alguma coisa que não me convencesse de que fosse boa. Achava estranho
que fosse eu quem tivesse escrito tal e tal coisa. Mas ultimamente tenho feito
isso, folheio os livros ao acaso, um e outro, e tenho encontrado passagens
líricas como o diálogo com minha avó. E também foi assim que nunca achei tão
bonito como hoje este relato da minha mãe que transcrevi quando publiquei
“Demência: o resgate da ternura”. De fato, a gente nunca é a mesma de anos
atrás ou mesmo a de ontem, ou de horas. A cada momento alguma coisa que escrevemos
ou lemos vai cair em cheio de forma diferente em nossas emoções, em nosso
coração. O rio não é mais o mesmo e nós também não somos mais os mesmos.