sexta-feira, 30 de abril de 2021

SOLIDARIEDADE E GRATIDÃO ETERNA

 

Fiquei muito emocionada ao saber que uma amiga, passando por um momento difícil, chorando muito, completamente desesperada, foi socorrida por uma vizinha que deixou a casa, a pia cheia, o tanque cheio de roupas, deixou os próprios problemas e foi tentar amenizar o sofrimento da vizinha. Bendita essa mulher que tirou a angústia da amiga, sem se incomodar com o perigo dos tempos de isolamento. Devemos ser cuidadosos, mas não podemos faltar com a caridade. Abençoada essa vizinha que deixou sua vida de lado por algumas horas para socorrer o próximo. É solidariedade.

Isso me transportou para outra cena que até hoje me enche o coração de ternura. Meu pai faleceu há dezoito anos. Entre suas recomendações coladas atrás da porta de seu armário estavam: “em caso de minha morte ... “, e aí vinham instruções para as coisas práticas que todos também devemos fazer, mesmo porque ninguém por aqui há de ficar para sempre. Depois vinham os pedidos do coração: “quero ser velado na casa de meus pais, em Pedralva, e enterrado no túmulo deles.”

Obviamente esse dia chegou. Como ele morreu à noite, foi levado no carro da funerária para Pedralva. Dois irmãos, minha cunhada Bel e minha prima Inácia acompanharam o carro da funerária até a casa de meu tio, anteriormente a casa da Vovó Mulata e Vovô Zeca. Ficamos eu outros irmãos para irmos no dia seguinte cedinho com minha mãe. Antes que fôssemos eu passei casa por casa de nossos bons vizinhos, que já sabiam da morte, mas eu precisava avisar que o velório e sepultamento seriam em Pedralva. Ficaram consternados, pois, certamente gostariam de se despedir do papai. Tantos anos nós vizinhos ali passamos por tanta coisa juntos.

E lá fomos num frio gelado de junho para Pedralva. Lá pelas tantas, estaciona uma perua dessas de vários bancos em frente à casa da vovó. E surpresa, vejo o Seu Genésio Rivoli, abrindo a porta. E aí sai a Dona Nilza, e sai a Dona Lígia, a Dona Irene e a Dona Luzia e vêm dar o último adeus ao papai e abraçar a mamãe. Aquela cena e aquele momento eu levo sempre dentro do meu coração. E agora, aqui, gente, eu peço licença para deixar o computador e ir desembaçar meus olhos. Vou chorar um pouco e já volto.

E sempre fiquei me perguntando como teria se passado aquela combinação entre as vizinhas para irem à Pedralva, que não é longe, mas não importa, importa o gesto de carinho. O Seu Genésio tinha essa perua, ou seria do querido Edson, homem tão bom, tão bom como ele só. Ou foi o próprio Edson que estava dirigindo. Não, foi Seu Genésio. Imagino a Dona Nilza no portão da Dona Lígia, chamando as vizinhas e combinando a hora. As outras queridas vizinhas não puderam ir, mandaram abraços.

Isso é solidariedade, isso é vizinhança, isso é amor! A vida mudou, as casas e os quintais são raros, mas ainda existem. Só que os muros são tão altos que não dá pra uma vizinha chegar na cerca e chamar: Oh Zezé, pega aqui um espinafre cozido com molho branco que eu trouxe. E eu própria provei e achei um manjar dos deuses este espinafre que a Dona Nilza levou. Se eu tivesse netos, estaria agora contando para eles como era a vida de antigamente.

Bom, depois de tantos anos, deixo aqui registrado minha eterna gratidão à D.Nilza, à D. Luzia, D. Ligia, que também já partiu, e à D.Irene. A vida passa, mas esses gestos irão para o Céu, são eternos. 

Não são planos mirabolantes que salvam o mundo. É o amor. É a solidariedade.

 

    

 

sexta-feira, 23 de abril de 2021

NOSSA VIDA LITERALMENTE SEM RODINHAS

 


Há anos li uma crônica da Martha Medeiros que gostei muito: “A vida sem rodinhas”. Nesta crônica ela conta como aos seis ou sete anos ela conseguiu andar de bicicleta sem precisar das rodinhas de apoio para o equilíbrio. Foi um feito vitorioso que mereceu uma foto tirada pelo pai. De fato, em pouco tempo as crianças já estão aptas a andar por conta própria, dirigindo suas bikes de duas rodas apenas. E a autora faz um paralelo com nossa trajetória de vida, perguntando: “Quando é que estamos aptos a andar por nossa conta?” Isto em todas as situações, na adolescência, no primeiro emprego, no namoro, enfim, em tudo.

Isso me remeteu à nossa infância em Pedralva. Naquela época, não andávamos de bicicleta nem com rodinhas nem sem, ou seja, não tínhamos bicicleta. O ano? Talvez, 1963, por aí. E minha irmã, doente de vontade de andar de bicicleta, ficou pedindo ao papai que lhe comprasse uma, sem dar trégua ao pobre homem. Lógico que ele disse que não, ainda mais que não era Natal e mesmo que fosse, era muito caro. Águeda empregou a técnica de vencer pelo cansaço, mas o papai ficou irredutível. Aí ela partiu para a última cartada que era a chantagem, a manipulação: papai, o senhor vai ficar com muito remorso se eu ficar doente e morrer. Tudo o que eu pedi foi uma bicicleta.

Coitadinho, o papai saiu de casa e foi lá na loja do tio Joffre. Pediu a ele que na próxima compra que fosse fazer em São Paulo, incluísse uma bicicleta das menos caras. Daí a alguns dias a bicicleta chegou e não só a Agueda, mas todos nós, os irmãos, os primos, amigos e conhecidos tivemos a chance de aprender e andar de bicicleta na pacata Pedralva de 63. Evidentemente que o local apropriado para os primeiros treinos foi na rua da Santa Casa, considerando que era uma das poucas ruas planas da cidade. E lá, diariamente se formava uma fila de crianças esperando sua vez. Cada uma tinha direito a uma volta completa até à Santa Casa.

A bicicleta vermelha era de adulto, com as duas rodas grandes, é claro, e nós não éramos mais tão crianças assim, mas não sabíamos andar de bicicleta. Aprendemos rapidinho, cambeteando e caindo pelo caminho. Quando conseguíamos fazer uma volta inteira sem cair era o paraíso de felicidade.

Bem, o que eu quero realmente dizer é que nossa vida foi literalmente sem rodinhas em tudo. Nossos pais não tinham como nos proteger o tempo inteiro, nem a metade. As famílias numerosas viviam um dia de cada vez, os mais novos herdavam roupas dos mais velhos, a comida era simples, carne um dia por semana. Só Deus para dar conta. O primeiro dia no Grupo Escolar acontecia do jeito que tinha que acontecer. As crianças com seus cadernos e lápis seguiam com medo ou sem medo. Vale lembrar que já existiam crianças autistas, borderlines e outros transtornos que sempre existiram. Só não existiam psicólogos, não ainda. Sobrevivemos. E fomos felizes.

Um fato marcante com a bicicleta: o Zezinho que trabalhava no Wilson, tinha um violão que tocava pelas tardes, e ele sempre via a Agueda, saindo e voltando com a bike. Um dia ele disse a ela: aposto meu violão que você não consegue subir o morro de sua casa até aqui. E ela conseguiu. Com doze anos, plena de energia, pernas grossas e fortes, cumpriu e ganhou a aposta, só que não levou o violão. Não era justo. Mas o Zezinho foi quem ensinou para minha irmã os primeiros acordes de violão e daí por diante ela foi violonista, tecladista e cantora. Mais tarde, ela passou num concurso do BB e foi trabalhar e morar no norte de Minas onde os homens ainda usavam arma na cintura, como nos filmes de faroeste. Minha irmã era uma garota de vinte anos apenas, desgarrada da saia da mãe, valente e bonita como ela só. Sou suspeita para falar. 

Pena que não temos fotos da bicicleta. Não precisa. Os mais velhos se lembram e podem atestar. Nossa época foi da vida sem rodinhas em tudo, da vida literalmente sem rodinhas.         

       

sábado, 10 de abril de 2021

SIM, RACHEL, VALE A PENA!

 

Há pouco tempo escrevi o texto “Escrevam” tendo por base uma crônica de Rachel de Queiroz, uma de minhas cronistas preferidas. O título de sua crônica era “Não escrevam” em que ela faz desabafos sobre a dureza do ofício, tirando as “ilusões da pena” de qualquer filho de Deus que acalentasse o desejo de escrever. Já em meu texto expus as delícias da escrita, também as dificuldades, é fato, porém, sempre o prazer.

Agora, li de Rachel de Queiroz, “Confissão do engolidor de espadas”, uma resposta para os leitores que se manifestaram sobre artigo “Não escrevam”. Escrevo diretamente para a escritora, como se viva estivesse e pudesse ler minhas mal traçadas linhas.

Querida Rachel, gostei tanto do que você escreveu, gostei tanto das pessoas que sentiram necessidade de expor seu protesto com palavras simples e sensíveis. Como você mesmo ressalta, nem todos que leem têm ambições literárias, na verdade, a grande maioria lê porque gosta de seus artigos, porque se acostumaram às conversas semanais sobre temas de importância nacional ou simplesmente divagações sobre temas cotidianos de quem já viveu mais do que viverá. Ler suas crônicas é para eles um oásis no deserto.

E o que mais me encantou foi essa maioria que simplesmente gosta de ler e assim, exprimiu sua solidariedade e gratidão, sim, gratidão, por que não? Gratidão que sentem por você, pelos escritores que trabalham, faça chuva, faça sol, se desnudando, mostrando suas tristezas, suas alegrias e esperanças. Rachel, por tabela me apossei do meu quinhão. Entro aqui pela porta dos fundos, sim, porque não sou nenhuma Rachel de Queiroz como você, apenas a Misa, a segunda filha da Zezé do Tote, que se meteu a escrever depois de aposentada. Tenho cá meus seguidores e seu carinho compensa o esforço prazeroso de transportar para a tela meus pensamentos e sentimentos.

Sim, concordo que somos vaidosos, complicados e deformados. Como você bem disse somos como aqueles que trabalham no Circo, que voam pelos ares saltando dos trapézios e os que engolem espadas, para tanto tendo que dilatar a garganta. Concordo que a grande sensibilidade machuca. E para mim, escrever é soltar o pássaro angustiado que não suporta as grades.

Adorei você falar sobre nossa recompensa, percebeu que agora eu me incluí de vez na sua crônica? Nossa recompensa: a amizade dos leitores, sua compreensão e carinho, palavras suas, Rachel. Adorei quando você disse para você mesma: “Escreve, criatura, escreve. Arranja uma história alegre ou triste, mas escreve.” É verdade, querida escritora, precisamos escrever porque as pessoas precisam de histórias verdadeiras que as acalentem, que as façam rir ou chorar. Por isso amo ser cronista.

Então, Rachel, escrever vale a pena. Faz um ano e meio que escrevo para o jornal O Sul de Minas. Dá um pouco de trabalho porque tenho que compactar minhas crônicas, o espaço do jornal é pequeno. Mas vale a pena. Encontro com pessoas que não conheço e que me agradecem por escrever. Li um dia no Face o comentário de uma filha de um leitor meu do jornal. Disse ela: “meu pai tem 96 anos. Não perde uma crônica sua, vai chegando o fim de semana e ele já se alegra”. Tal como você, eu ouso dizer com os olhos rasos d’água: tenho um dever a cumprir. “Escreve criatura, escreve. Arranja uma história alegre ou triste, mas escreve”. Pode doer pouco ou muito, não importa, vou continuar engolindo espadas. Importa escrever.       

 

EM CIMA DO MURO

 

 

Não queira que eu seja verdadeira

A vida inteira

Não me peça para abrir o coração

Isso não

Falar a verdade pode ser complicado

Nem sempre é o acertado

Prefiro ficar em cima do muro

Juro

Calada no escuro

E só responder: Talvez

Talvez isso, talvez aquilo

É mais tranquilo

Deixar sempre a dúvida no ar

E agora que o mundo está para acabar

Há algo com certeza que eu posso falar:

Perdão

Do fundo do coração

Mais do que isso, não.  

segunda-feira, 5 de abril de 2021

O DRAMA DOS OVOS DE PÁSCOA

 


Tudo começou com uma decisão enganosa e precipitada de minha parte. Gosto muito de chocolate, mas como um tabletinho por dia, quando como. Decidi que não encomendaria ovos de Páscoa para este ano. Por que? Sei lá, porque de repente achei bobeira. Tudo caríssimo. Bem que a D. Nedita me mandou avisos no início de março, e olhe que ela faz um ovo de nozes com abacaxi que é um paraíso de bom. Bem que a Luciana do salão me avisou pelo whatsapp: Misa, estamos fazendo ovos para a Páscoa.

Aí, quando foi a véspera da Páscoa, tipo assim, ontem, por exemplo, eu amanheci com ideia fixa nos ovos. Quero porque quero. Meu marido ia sair e eu encomendei: Bem, me traz dois ovos de Páscoa, não se esqueça, por favor! Melhor prevenir. Como ele sai bem cedo e volta até antes de nove horas da manhã, eu sabia que da Cacau Show não ia dar porque eles não iriam abrir antes das nove. Meu marido me telefonou: Bem, não estou gostando dos ovos do supermercado, melhor você telefonar para o Cacau Show, eles estão entregando em casa. E me passou o número. Eu adicionei, mandei mensagem: Bom dia gente, olha, eu quero um ovo Trufa 280g e outro Montebello 280g. Passei nome, endereço, tudo conforme as instruções.

Nada de resposta. Até que enfim, a senhora não gostaria de nossa promoção? Na compra de dois ovos clássicos de 280g, a senhora leva mais um grátis. Quero. Espero. E espero. Ninguém mais falou comigo. E eu mandando mensagem: gente, e aí? Pelo amor de Deus, vocês não vão me deixar na mão, né? E nada. Lembrei-me do Brasil Cacau, mas me distraí e não liguei. Eu fazendo tudo de casa e de olho no celular. Nada. Ninguém sequer leu minha frase “eu quero”. E eu pensei, bom, eu encomendei, eles vão separar meu pedido. Nada. Lá pelas cinco da tarde, vejo que estão digitando. Oba! São eles.

- O que a senhora quer?

-  Meus ovos, veja acima!

- Acabou tudo. Loja abarrotada de gente.

- Mas eu pedi pelas nove da manhã.

- Pois é, mas acabou.

Me senti enganada, frustrada. Nisso minha amiga Cecília fala comigo. E eu conto o drama pra ela. Ela me passa o contato do Brasil Cacau. Valeu Ciça! Vamos lá, eu adiciono o Brasil Cacau. Digito ansiosa: boa tarde gente! Vocês ainda têm ovo de Páscoa né? Pelo amor de Deus gente, digam que sim, por favor! Eu pago o dobro! Até hoje ninguém leu minha mensagem.

Liguei para o Pilar. Resposta: nem um ovo sobrou para contar a história.

Passo mensagem pra dona Nedita, torcendo os dedos para que tivesse sobrado alguma rebarba e ela: sinto muito, não sobrou nada. Meus olhos se encheram de lágrimas. Me senti trapaceada, mega infeliz. Afinal, sou mulher, sou romântica, sou voluntariosa, sou borderline. Carrego dentro de mim um vale de lágrimas, um par de asas, um coração disparado e pensamentos e sentimentos que são cavalos selvagens.     

Hoje meu marido saiu me prometendo que traria qualquer ovo até porque hoje só qualquer ovo ou nada. E ele me trouxe dois ovinhos minúsculos, de marca desconhecidíssima. Era o que tinha sobrado.

Ano que vem vou encher a casa de Ovos de Páscoa. Só para o ano, gente.

Feliz Páscoa!