quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A CASA

 

 

Um dia desses atrás meu marido foi supervisionar o trator que iria aplainar o terreno onde será nossa nova casa. Nem sei se aplainar é o termo correto, de construções nada entendo, quero dizer, construções de tijolos, cimentos, telhas e outros itens assim. Construo textos e poemas, mas isso é outra coisa. O trator trabalhou um dia inteiro e no dia seguinte choveu. E no outro dia seguinte também. Ele voltou com as botinas enlameadas e eu disse: Bem, deixe as botinas aí fora como no tempo brabo da pandemia, nem pensar em trazer lama para dentro. Enfim, enquanto lavava a louça, pensei um tanto apreensiva. Uma nova casa, um novo lugar, logo eu que sou tão conservadora. Mas a casa está dentro da gente como o amor está dentro da gente e como a felicidade também está. A casa é toda a gente.

Vou cultivando sonhos e desejos. Vou querer floreiras nas janelas, coisas que não se pode ter em apartamento. Também vou querer um balanço desses antigos na varanda e uma pequena lareira, sempre quis uma lareira e nunca é tarde para se ter uma. Também uma nova estante de parede inteira para meus livros amigos e uma poltrona dessas confortáveis para ler. Nossos quadros irão para novas paredes, e quando eu os olhar, pensarei em todos os lugares onde já morei. Não sou tão apegada assim, tenho quadros novos, mas gosto dos antigos, eles fazem parte de lembranças inesquecíveis. Já sei que a casa construída não será grande, o terreno é pequeno, mas não tão pequeno que não comporte uma árvore no quintal, canteiros de tomatinhos, salsinhas, cebolinhas, o pé de louro e plantas, muitas plantas e flores de infinitas cores, afinal teremos terra no chão e não apenas em vasos como é aqui. Porém tenho que admitir que sentirei falta de onde moramos há tantos anos. Tanta vida vivida, tantas lembranças, mas só gratidão por tudo. Afinal, ser peregrino e não se sentir dono de nada é o segredo. Levamos a esperança dentro do coração.

Como podem ver, já viajei anos-luz nos planos para a nova casa. É preciso coragem para mudar depois de mais velhos, mas a vida é mudança. Serei corajosa como fui quando deixei a casa de meus pais e não foi para casar, foi para viver sozinha, alçar voos intrépidos como a corajosa Amélia Earheart, ou como a corajosa Elsa Wolcott de “Os quatro ventos”. “Seja corajosa, lute sempre para ser feliz”. E a gente tem mesmo que ser porque a vida exige assim. E depois, para quem nasceu com asas e ânsias, não é bom ficar sempre no mesmo lugar.

Avante! A nova casa, embora ainda na planta, está a caminho! A vida é constr

INAUGURAR UMA VIDA NOVA (Seja mais forte que suas desculpas)


Esta frase, “seja mais forte que suas desculpas”, está escrita e pintada na parede da Academia onde tenho ido praticar exercícios para fortalecer os músculos. De cara isso me chamou a atenção porque minhas desculpas são inexoravelmente mais fortes do que eu. Fiz o que pude para evitar esses exercícios, mesmo sabendo de sua importância, é claro. Arranjei todo tipo de desculpas para os médicos, para os outros e para mim mesma. Mas tive que capitular, ou ficaria me entupindo de torsilax e dorflex para todo o sempre. Ah isso eu também não queria.

Era necessário que eu tomasse uma decisão pra valer e cultivasse uma determinação, pois sem determinação não vamos chegar a lugar nenhum em coisa alguma. Tudo bem, vamos lá. Mas não é fácil. Significa acrescentar um componente novo na vida habitual. É uma mudança. É uma vida nova. Lembrei-me de uma frase que li no conto “O galo”, de Paulo Mendes Campos: “inaugurar uma vida nova é muito difícil”. É vencer a si próprio. É batalha!

Até que enfim tomei a decisão e fui para os exercícios. Suportei todos os obstáculos, tanto os físicos como os emocionais e dificuldades sociais. Não conhecia ninguém, eu me apresentei e fingi que eu não era tímida. As mulheres gentis me acolheram, mas todo início é difícil, há que enfrentar. Grandes coisas, como a gente costumava dizer! Em dois tempos eu já aprendia onde pegar os pesinhos, caneleiras, barras e outros trecos para os exercícios. Em dois tempos eu já não me sentia tão estranha no ninho. A gente pode tudo ou quase tudo. Basta uma decisão, uma determinação.

Vou lá três vezes por semana, subo me arrastando por seis andares e enfrento. É necessário. Enfrento dificuldades sim, como a coordenação dos movimentos. Sempre evitei aulas de dança sincronizada porque invariavelmente vou para o lado oposto ao da turma e sinto vergonha. Mas a gente tem que vencer essas bobices, não ligar, pronto. Que é que tem a gente ser descoordenada? ninguém é perfeito. O importante é ir. E olhe que em poucos dias minha dor arrefeceu.  

Os exercícios são pesados, pelo menos para mim, embora as meninas e mulheres de terceira ou melhor idade sempre me digam que também tiveram que se acostumar. Vamos ver. Meus ossos, músculos, tendões e ligamentos estão doloridos, revoltados por terem sido provocados, acordados de um sono milenar.

Ainda não perdi a mania de olhar o relógio da parede para saber se falta pouco para acabar. Mas quando toca a música do filme “Flashdance” da década de 80, eu viajo, nem sinto tanta dificuldade. Simplesmente me sinto a própria moça protagonista do filme e sonho que estou realizando aqueles malabarismos próprios de um corpo jovem. É incrível como a música faz milagres! Na mente e na alma eu posso tudo! Sou uma bailarina e ginasta perfeita!

Comprovei com os exercícios que tenho sim um lado diferente, como todo mundo tem. Um lado é mais fácil ou difícil do que o outro, definitivamente. Também comprovei que o segredo da vida é um eterno adaptar-se, Yeats que o diga: “O segredo da sobrevivência é abraçar a mudança e se adaptar”. Também digo que é incrível como a adaptação chega para nós de maneira natural e inevitável em todas as circunstâncias da vida. Lógico que a gente se debate e sofre, mas a gente se adapta.  

Por fim, faço mais uma observação: quem sabe se ao vencer a si mesmo fazendo exercícios físicos, ou seja, melhorando o corpo e suas engrenagens, de repente, nos vejamos mais aptos para vencer os vícios espirituais, como a preguiça, o fastio, o desânimo. Somos seres complexos, compostos de corpo, alma, mente, espírito. Eles estão ligados até que a vida termine. Melhorando o corpo, ou seja, a parte palpável, a que pode ser vista e sentida com suas dificuldades e dores, talvez possamos também melhorar a mente e o espírito.   

De qualquer forma, é necessário um gesto, um passo, uma decisão e depois uma determinação. Ninguém pode fazer isso por nós. Acordar um corpo adormecido é difícil tal como inaugurar uma vida nova, mas é possível, ainda que seja com suor e lágrimas. E sempre é.  

 

  

 

 

MAS ESTAVA CHOVENDO

  

            Há anos e anos meu sobrinho, ainda bem novo, entre adolescente e jovem, morou comigo. Eu nunca fui mãe, portanto, sem prática alguma na educação de crianças, quanto mais de jovens. Bem, imagino que as mães só muito mais tarde terão aprendido o que gostariam de ter sabido na época. É da vida. Por esse tempo, um amigo me viu tirando o carro para levar meu sobrinho para a escola que era bem perto de casa. E numa oportunidade, ele me admoestou com delicadeza, porém sem dispensar alguns laivos de sarcasmo: “seu sobrinho já é grandinho, ele pode ir sozinho para a escola”, ao que eu redargui: “mas estava chovendo!” Na verdade, quando estava muito frio eu também levava. Na verdade verdadeira mesmo, eu gostaria de levar todos os dias, por toda a vida, mesmo sabendo que não devia. 

            Meu amigo ficou pensativo, refletindo como quem viaja longe e voltou ao assunto. Disse ele: “como as mulheres são diferentes dos homens, você não é mãe, mas seu coração é de mãe porque você é mulher”. O que ele quis dizer é que as mulheres são protetoras, cuidadoras por excelência. Acho lindo isso, lindo, lindo as mulheres serem protetoras e cuidadoras. Tomara que nenhuma feminista esteja lendo o que escrevo. E ele prosseguiu: “se o pai estivesse presente, certamente diria, deixa o moleque ir na chuva pra aprender as dificuldades da vida!” Tá certo! Cada macaco no seu galho. Como os homens são diferentes das mulheres! E como eu gosto de ser mulher e ter coração de mãe.

Assisti a um episódio de um seriado bobinho qualquer que tratava de seres de outras galáxias que ocuparam a terra. E a mãe da outra galáxia acabava ter vários filhos, algo assim como uma ninhada como os cachorrinhos e gatinhos costumam ter. Entre os “filhotes” havia um que não se mexia, que não respirava. O pai percebeu, então ele pegou o bebê e disse à mulher que ele estava morto e se apressou a levá-lo para sepultar, ao que a mãe já chorosa, pediu para segurar um pouco o filhinho. Aconteceu que ela começou a ninar o bebê já morto, apertou-o contra o peito, afagando-o e cantando entre lágrimas uma música suave. De repente o bebê voltou à vida, a princípio num chorinho fraquinho, que depois foi se fortalecendo, e ele começou a brandir os bracinhos. Mãe é mãe, seja da terra ou de outra galáxia. Amor de mãe cura e ressuscita.  

 É verdade que não se ouve mais mãe dizer para os filhos: você volta já pra casa senão eu vou contar pro seu pai. E quantas vezes, quantas e quantas mães esconderam coisas dos maridos para proteger os filhos! As mães são e sempre serão diferentes dos pais, ainda que a psicologia moderna tenha incorporado novos olhares sobre essa questão.

            Bem, eu aqui encantada com meu coração materno!             Então, mesmo não tendo tido filhos eu sou mãe em potencial. Digito isso emocionada como se estivesse descobrindo esta verdade que eu sempre soube, alegre como se me trouxessem agora um bebê para eu acalentar no meu colo. Ser superprotetora é comigo mesmo! E se alguém disser alguma coisa, eu digo: levei sim porque estava chovendo!