sábado, 30 de novembro de 2019

ADORÁVEL TECLADO DO WHATSAPP




Quem já não topou com uma mensagem de whatsapp que traz uma palavra completamente sem sentido no meio das outras? E não adianta prestar atenção, o erro acontece. O teclado supõe que seja tal e tal palavra e a gente bobinha digita sem conferir. Nisso a mensagem já seguiu veloz. Ou a gente faz o acerto mais abaixo explicando ou “apaga para todos” quando a palavra é comprometedora. Na verdade todo mundo já sabe que é assim, então ninguém vai se ofender. Aliás, apagar é pior. Geralmente apagamos uma mensagem que seria para outro grupo porque de fato nem sempre tudo poder ser lido ou ouvido. Aí tem sempre alguém que digita em seguida: “Deus viu o que você digitou ...”  “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. Eu morro de rir.
O teclado é realmente hilário. Minha prima que sempre me chamava de Misinha, nunca chegava “Misinha” pra mim, mas “Modinha”. Tudo bem, eu nem ligava pra isso. Aí ela preferiu “Misa”, mas às vezes vinha o “Miss” que eu achei superchique!  Às vezes aparecia “Muda” em vez de “Misa” e não raro meu nome era “Misantropia”, kkkkkk
É costume em nosso encontro de café, todas as vezes que uma amiga viaja, trazer lembrancinhas do lugar visitado. Apelidamos essas lembrancinhas de “regalos”, palavra que vem do espanhol e pouco usada no português. Bem, em certo encontro, uma prima e outra amiga trouxeram regalos para nós outras. E mais tarde, já em casa, fui passar uma mensagem para o grupo manifestando minha alegria de ter estado presente em nosso encontro e agradeci pelos “cavalos”. Minha prima, muito espirituosa, imediatamente respondeu: eu não ganhei nenhum cavalo. Ainda tem?  
Ontem, depois de nosso encontro, uma delas fotografou as guloseimas da mesa e mais tarde enviou mensagem digitando: “vejam as fotos dos quilates”. Eu olhei, olhei e pensei, afinal quilates tem tudo a ver, pois as guloseimas estavam pra lá de 1.000 quilates. E mais abaixo ela consertou: “vejam as fotos dos quitutes”, já morrendo de rir.
Em certo grupo que alguém me contou havia uma moça chamada Dora. No final desistiram de tentar acertar e seu apelido passou a ser “Doravante” porque ninguém conseguia acertar o nome da moça. Só saía Doravante.
Já em outro grupo, alguém tinha que passar um recado para Dona Regininha. Pois Dona Regininha passou a ser “Dona Risadinha”. Achei carinhoso!
Enfim, para mim, Maria Luiza, Misa, Misinha, Modinha, Mudinha, Miss, Muda ou Misantropia, está tudo certo. A gente se comunica bem e tudo é motivo de riso. São os ossos do ofício da tecnologia, as sequelas da modernidade. Uma coisa é certa; do celular ninguém mais se separa!      



SÃO FRANCISCO DO SUL A NOVA YORK




Meu marido me conta sempre sobre sua meninice e juventude em São Francisco do Sul (SC). Eu adoro ouvir suas histórias sobre os navios que lá aportavam, vindos da Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos. Os soldados americanos davam caixinhas de fósforos para a meninada, tudo escrito em inglês. Menino pobre como era, qualquer coisa dessas era um tesouro. Hoje São Francisco do Sul é um balneário de luxo, nossa meta de viagem qualquer dia por aí. Mas o assunto que quero mesmo falar é sobre como eram as coisas no passado e são agora.
O dia mais feliz para ele era o domingo pela ida ao cinema. Os filmes eram a suprema felicidade não só para ele como para a pequena população da cidade. Lá ele assistiu a muitos filmes americanos de mocinhos e bandidos. Torcendo feito um louco para os mocinhos, vibrava quando os bandidos eram então massacrados. Não sobrava um. Tudo certo até que um dia, diante de um espelho de uma barbearia ele descobriu que fisicamente ele estava muito mais para bandido do que para mocinho. Os bandidos eram os mexicanos, morenos, tez escura e os mocinhos eram os americanos loiros de olhos azuis. E em todos os filmes os americanos venciam. Quando ele enfim se identificou com os mexicanos, não torcia mais para os mocinhos loirinhos. Estava crescendo, aprendendo a pensar.
Mas ainda não cheguei onde quero chegar. Às vezes sou duramente criticada por ser prolixa, mas o preâmbulo é importante para compreender o contexto. Bem, o assunto da semana para todos era sobre o filme assistido. Na escola, nas brincadeiras. Mesmo os adultos passavam vários dias discutindo sobre o filme que havia passado. Passavam também os filmes bons, famosos. Enfim, o cinema era o ponto alto. Todos sabiam os nomes dos atores, ninguém ficava assim, ah aquele ator, daquele filme, como é que é o nome mesmo? Por que? Porque era apenas um filme por semana que viria a ser o tema das conversas dos habitantes. Havia tempo de sobra.
E hoje? É claro que com a modernidade, primeiro com os antigos aparelhos de vídeos cassetes, depois com a internet que colocou o mundo à disposição de todos os habitantes do planeta, temos milhares de filmes a qualquer dia, a qualquer hora. Nem sempre são bons, há dias que varro a TV e não encontro nada que preste, nem na Netflix, nem nos Telecines e HBOs  da vida. E quando topamos com os bons filmes, ficamos discutindo um ou outro apenas durante alguns minutos de algum dia. Nosso estoque de informações está sempre lotado, não há como pensar muito tempo sobre um enredo que tenha nos emocionado. Lá vem outro para nos distrair.
Existe sempre aquela pergunta para qualquer pessoa famosa ou não: livro, preferido, filme preferido, uma frase. No item filme preferido, fico com “Um sonho de liberdade”, não sou só eu, já sei que muitas pessoas também. Tá aí um filme que me emocionou muito mesmo. A tenacidade do espírito do Andy (Tim Robbins), a amizade do Ellis (Morgan Freeman), a delicadeza do velho Brooks ao cuidar do passarinho na gaiola, sua impossibilidade de conviver com a liberdade por ter passado a vida na prisão, quantos simbólicos, quantas metáforas, quanta sensibilidade. Ouvi que o produtor ficou anos sem produzir nada por não conseguir se refazer do impacto da beleza daquele filme.
Há filmes e filmes. Os de antigamente eram bons, alguns ótimos, os épicos, os filmes de guerra, mas em matéria de ação, ficção, os atuais são imbatíveis, seja pelos efeitos especiais só agora possíveis, seja pela trama inteligente. Assisti novamente Bonequinha de luxo há pouco tempo. Foi meu tesouro dos anos 60, no entanto agora achei de uma ingenuidade ímpar. Mas para a época era nosso sonho. Tenho vívida em minha mente a última cena do filme em que a Audrey Hepburn tem seu gatinho no colo debaixo de uma chuva sendo abraçada e beijada pelo George Peppard.
Hoje viajei bastante, desde São Francisco do Sul até Nova York dos anos 60. Agora se alguém pensa que tenho esses nomes de atores todos na memória, ledo engano. Olhei tudo no Google. Só guardo o Tim Robbins e o imortal Morgan Freeman. 
Mais um filme dos últimos tempos, que nem todo mundo gostou, mas eu amei: Her. Que sensibilidade! E as cartas que o Theodore (Joaquim Phoenix) escrevia. Nossa! Fala a verdade! Chega né gente?                      

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

HISTÓRIA DE UMA AMEIXEIRA



A época foi final dos anos 70. Novinhas colegas bancárias, amigas do coração, a Sandra e eu éramos muito unidas. Pois bem, a Sandra me telefona um dia pedindo que eu fosse com ela à Santa Casa porque ela achava que havia quebrado o dedinho do pé. Lá fomos e nos ajeitamos em uma sala velha e pobre onde ficamos esperando um atendimento por muitas horas, o que não constituiu problema para nós que sempre tínhamos assuntos infindáveis.
Um pouco depois de termos chegado, apareceu um jovem casal da roça, da roça mesmo, vestidos pobremente. O rapaz, jovem, magro e alto trazia no colo um garotinho de uns seis anos que chorava cada vez que se mexia. A moça, tão humilde que não levantava os olhos para ninguém, também estava com um bebezinho ao colo que mamava avidamente em seu peito. A Sandra, sempre curiosa no bom sentido de ajudar, logo crivou o casal de perguntas. A moça, nunca conhecemos o som de sua voz. Mas o rapaz contou que o garoto havia caído de uma grande altura e eles estavam apreensivos porque ele gritava de dor. Talvez tivesse quebrado a perna.
Bom, e o tempo passando e ninguém aparecia para atender nenhum dos pacientes que esperavam. Horas e horas. Neste meio tempo apareceu por lá certa moça da sociedade, muito conhecida, muito falante e que logo soube da história de todos. Ficamos incomodados com o casal e o menino que estavam sem alimentação o dia todo, pois haviam saído muito cedo de casa. Eu, por exemplo, que nunca parei de pé sem um café quente à tarde, também já estava fraca e cansada. O único alimentado era o bebezinho que alheio a tudo, mamava e dormia. Naquela época, não havia na Santa Casa nem um barzinho mixuruca que fosse.
A moça da sociedade, muito despachada e admiravelmente bondosa invadiu a secretaria e usou o telefone para chamar sua casa e logo distribuiu ordens, tragam duas garrafas de café novo, aquela rosca, pães com manteiga, o bolo que fiz hoje, queijo e isso mais aquilo, ah também copos e xícaras. Não demorou nada e chegou um carrão com toda a matula encomendada pela moça. Se não me falha a memória ou talvez seja produto da minha criativa mente de escritora, trouxeram até uma toalha de mesa. O problema foi o casal aceitar comer. Recusavam, envergonhados, não precisa, diziam eles. Bolamos um plano, levamos tudo lá para uma salinha, dispusemos de tal forma que só eles ficassem lá com o lanche, talvez assim comessem. E deu certo. O casal comeu satisfeito, o menino com a perna quebrada não queria nada, só chorava.
Depois também nós comemos o bolo e tomamos café. Até que enfim o médico, assistentes e enfermeiros surgiram não sei de onde. O médico que já morreu faz tempo chegou com um vozeirão e perguntou para todos nós: Que que isso aqui? A Santa casa virou campo de piquenique agora? Mas ele falava brincando porque era amigo da tal moça e ela passou o maior sermão no médico e em todo mundo pela demora no atendimento. A sala de espera apinhada de gente. O garotinho foi eleito o primeiro a ser atendido e todos ficamos até tarde da noite por lá.
Ficamos sabendo pelo pai do menino que não tinham para onde ir, só a roça onde moravam, longe pra caramba, sem ônibus, sem charrete, sem nada. Eu cogitei de levar a família para a casa de minha mãe, poderiam dormir na sala, havia o sofá que poderia ser aberto e colchões, mas a Sandra achou que não dava certo pela timidez da moça. Teriam que ir para sua própria casa. Pensamos em chamar um taxi e rachar entre nós três a conta quando o carro da funerária surgiu trazendo um morto para ser arrumado e ficamos sabendo que voltaria para Delfim Moreira. O casal não morava na cidade, mas o motorista da funerária se dispôs a levá-los.
Depois de um longo tempo, lá veio o rapaz com o menino engessado da cintura para baixo. Todos entraram no carro da funerária e lá se foram. Não me lembro se a Sandra resolveu o dedinho do pé. O garoto hoje deve ser pai, provavelmente avô de um garotinho como ele e talvez nem se lembre do acontecido. Seus pais, sim. Tenho certeza de que não se esqueceram.
Se a moça da sociedade não tivesse aparecido, eu e a Sandra teríamos dividido um táxi, certamente, mas aquela moça despachada fez toda a diferença. Era um tempo em que as mulheres não eram ainda tão ousadas e esta moça era famosa por fazer balizas espetaculares estacionando o carrão num espaço considerado impossível até para experientes motoristas e em plena praça. Soube que ela está doente, nunca mais a vimos.
Registro aqui esta história real como uma homenagem a esta mulher por quem sempre tive grande admiração e peço a Deus que retribua a ela todo o bem que trazia em seu coração. Quando me lembro de suas atitudes ousadas, de como se antecipou para resolver o problema daquelas pessoas que não tinham boca para nada, de como generosamente os alimentou, eu me reporto a uma frase que li, mas não sei o autor:
 “Dizem que a ameixeira sofre porque floresce antes das outras árvores ainda nos rigores do inverno”. E eu ouso complementar: “Querida moça, parabéns por ter sido ameixeira”.              
        

JUGO SUAVE



Meu marido e eu não costumamos sair juntos. Isso realmente ficou nos primeiros tempos quando tudo é novidade, éramos mais novos e tal ... (coloquei esses pontinhos aí porque parei de digitar e fiquei tentando encontrar outra desculpa para justificar por que não saímos mais, rss). A verdade é que nunca fomos de sair, somos caseiros, curtimos ficar em casa. Saio com minhas amigas, mas pouco também. De resto saio para o supermercado, o banco. Fico muito em casa.
Bem, tudo isso só para dizer que de vez em quando nos encontramos na rua, eu e ele.  Isso mesmo. E quando eu o vejo, por um átimo de segundo sou tomada por uma sensação de estranhamento. É como se eu dissesse para mim: eu conheço este cara não sei de onde. Claro que é menos de um átimo de segundo. E ele também tem esta sensação. A verdade é que eu adoro encontrar com ele assim, de repente, acho uma delícia, é como se flertássemos ainda, o coração fica feliz. Eu sorrio, ele sorri, vou ao seu encontro. Que lindo!
E isso aconteceu justamente hoje. Eu saí toda faceira e quem vejo? Aquele bonitão do meu marido. Abri o maior sorriso e ele também. Parecia até que não nos víamos há tempos. E depois do almoço já quase pegando no sono, ele falou qualquer coisa sobre mim, bonitinha, que eu entendi que assim eu estava há 17 anos. Ele sorriu e disse: não, estou falando de você agora, hoje, bonitinha, cinturinha fina, sorrindo, vindo ao meu encontro,  rssss. Achei a maior graça! Um amor!
Já ouvi que casamento bom é loteria, é agulha no palheiro. Não sei, não sei. Um casamento tem suas dificuldades, impossível não ter! “No mundo tereis aflições” e tempestades, mesmo um bom casamento. Sei que até um casamento feliz tem seu ônus e seu bônus como qualquer situação na vida. Por exemplo, comparação, como diz a “coisinha” Conceta: minhas amigas já andaram combinando aí uma estada em Portugal de dois meses. Eu fiquei com água na boca e de olho comprido porque não vou ficar dois meses longe do meu marido, nem convém e nem quero. Nem ele. Viajo sim, máximo de 15 dias. Se eu fosse sozinha, iria ficar com elas. Pois não?
Em um casamento existe um jugo. Não há como negar. Não sou inteiramente livre. Compartilho uma vida com meu marido. Ele nunca exigiu nada de mim, nem eu dele. Tudo é implícito, de boa vontade, é companheirismo, cumplicidade, cuidado um com o outro, compreensão e, acima de tudo, uma boa dose de perdão diário. É um jugo suave. “Não temos amarras”. Temos laços. Sabemos que o elo que nos une é forte. Não precisa estar no papel, não precisa ser dito. É amor.
Não foi o que Jesus quis dizer com “meu jugo é suave”?