quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

A LIÇÃO DO FUTURO

 


 

Tenho vergonha de contar que assisto, de vez em quando, aos “Largados e Pelados”. Assisto, assisto sim. Fico envolvida para acompanhar até quando o casal vai se desentender, se vão achar água rapidamente ou só no dia seguinte, se vão conseguir acender o fogo ou não. Sorrio quando vejo no início a segurança de todo participante, dizendo que é socorrista, guarda de floresta, guia de escaladas, instrutor de técnicas de sobrevivência, que já combateu no Iraque e tal e tal. O fato é que a coisa não é fácil na floresta. Nem um pouco, até para os mais experientes. Rapidinho eles ficam ofegantes e angustiados.

Bom, todo mundo tem o direito e a necessidade de assistir a uma bobeira de vez em quando para se desligar um pouco do mundo cruel e caótico atual que nos entristece e amedronta. Um pouco de tudo faz bem. Eu me distraio com isso, dá licença. Depois enjoo. Daí a uma semana assisto mais outro episódio, se não for repetido.  

Acho o maior absurdo alguém deixar o lugar onde mora para tirar a roupa e tentar sobreviver por vinte e um dias num lugar muito quente ou muito frio, com animais ferozes, cobras, escorpiões, mosquitos horrorosos, etc. Cada um, cada um. Eu jamais.

Fico alegre quando conseguem a água e o fogo, sobretudo gosto de assistir à emoção do final quando as duas pessoas finalmente se ajudam, ignorando as antipatias iniciais, as grosserias que podem surgir e surgem, e ao final se abraçam em lágrimas, uma reconhecendo o valor da outra, exercitando a cooperação, a colaboração. Isso aí acho válido. Mas nem sempre termina assim. Muitas pessoas não aguentam e saem do programa antes do previsto, seja pelas dificuldades de fome, frio, como pelos desentendimentos ou por tudo junto. Conviver é uma arte e um desafio.

Todos nós temos nossos defeitos e pontos fracos, somos ou egocêntricos, ou individualistas, ou intolerantes, ou casquinhas de ferida. Todos também temos virtudes, enfim, temos nossas boas e más inclinações, porém, lembrando que nossas inclinações pendem mais para o mal do que para o bem. É da nossa humanidade.

Além dos defeitos, também já sabemos que cada pessoa tem seu temperamento. Há os sanguíneos, os melancólicos, os coléricos e variações de cada categoria. Os casais têm que passar pela experiência do cotidiano, não há outro caminho, não há mágica, tem que ser no dia a dia mesmo. Se no mundo real, quem convive na mesma casa há anos se desentende e se estranha, imagina um que um nunca viu a cara do outro, largado, pelado e zangado por vinte e um dias! Tiro o chapéu para quem chega ao final.

Do jeito que caminha a humanidade neste individualismo exacerbado, não há bons prognósticos para o futuro. Se não aprendermos a conviver em paz, respeitando e reconhecendo o valor das outras pessoas, a necessidade de ajudar o vizinho, seja de prédio, de casa, de rua, o mundo vai ruir, já está ruindo. Nada é fácil, a cooperação é imprescindível bem como a compreensão dos sentimentos alheios.

O filme “O mundo depois de nós” da Netflix ilustra bem isso. A princípio, seja nos Largados e Pelados, seja no mundo real, no triste futuro que se avizinha, repito, a princípio, vamos nos estranhar, depois vamos nos digladiar, depois, se tivermos maturidade, vamos tentar nos compreender uns aos outros, e finalmente vamos nos ajudar. Aí pode ser que dê certo. A lição para o futuro vai ser essa, a cooperação, a boa vontade, o respeito e o perdão, como sempre.      

DEUS É DEUS

 


 

Por total falta de assunto para o momento, lá vou eu tomar emprestadas palavras de outros. Quem duvidar que duvide. Quem é que pode ainda ter assunto com tanta coisa triste, meu Deus! Eu não. Mas aí está o assunto: Deus. Tem gente que acredita, tem gente que não. Tem gente que tem medo de Deus e tem gente que ama Deus. Minha mãe era uma eterna apaixonada por Deus. Era sair o assunto e ela dizia: Que beleza! Que beleza! A vida toda ela foi assim, sem duvidar, mesmo sofrendo, vertendo todas as lágrimas, com tudo atestando que Deus podia ou não podia fazer isso ou aquilo, ela sempre foi a fiel enamorada. É fácil confiar em Deus quando tudo vai bem, mas quando o bicho pega, é dura prova confiar. Santa Teresa dizia que Deus permite as tempestades em nossa vida para sermos fortalecidos. Deus é Deus. A gente tenta e teima em ser feliz, mas Deus sempre fez e faz tudo como sempre quis.

Quando meu avô morreu, um avô que eu nem conheci, minha mãe estava aqui em Itajubá com seu irmão mais novo. Depois do sepultamento, eles voltaram para Caxambu com malas pesadas porque não mais morariam em Itajubá, para dizer a verdade, não sei a verdadeira razão. Só sei que pela morte do meu avô, eles voltaram para Caxambu com malas pesadas e muito pouco dinheiro. E antes do trem partir, subiu um moço muito alegre vendendo cocadas. Meu tio pediu que ela comprasse, ela comprou uma cocada pra ele e outra pra ela. Saborearam, lambendo os dedos. Ainda antes do trem partir subiu outro moço, este não vendia nada, pedia, pelo amor de Deus, uma esmola. Era jovem, mas muito pobre, devia estar com fome.

Minha mãe abriu a carteira e deu os últimos tostões para o moço. Meu tio ficou só olhando e perguntou: Zezé, você tem mais dinheiro, não tem? E ela respondeu que não, que havia comprado as cocadas e dado o restante que era um tiquinho de nada para o moço. Meu tio brigou, xingou, falou das malas pesadas, e que nem uma carroça eles poderiam pagar. Ela apenas respondeu: Deus proverá! No fundo da alma, ela não tinha certeza, mas confiava. Pois bem, quando lá chegaram, assim que desceram do trem, logo viram a namoradinha do meu tio acenando para ele. Meu tio queria morrer! E agora, ela vai saber que não temos dinheiro nem para uma carroça, ao que minha mãe respondeu: ela já sabe, sempre soube!

Então, a moça chegou alegrinha e contou que estava com o tio, recém chegado do Rio e que estavam de carro. Onde estão as malas? Ela perguntou. Logo, o tio chegou todo alegre de mangas arregaçadas e já foi carregando as malas junto com meu tio. Quando chegaram no carro, minha mãe não podia acreditar! Era um “Coupe Deville” (faz de conta) muito chique. Minha mãe estava encantada! Acariciou a lataria do carro e disse baixinho assim: Querido Deus, obrigada! Não precisava exagerar tanto!

E Deus é exagerado mesmo!  E é exatamente aqui que tomo emprestadas as palavras do cronista da década de 50, Antonio Maria, palavras que não eram exatamente dele, mas que, tal como eu, tomou emprestadas de outros escritores daquela época. Havia um tal de Jayme Ovalle, que não tenho a mínima ideia de quem quer que fosse, que era muito querido pelos escritores famosos da época, aliás, foi Fernando Sabino quem levou Antonio Maria à casa de Ovalle. Bem, contavam que “um amigo de Ovalle gostava de provocar seu pronunciamento católico sobre coisas de igreja e de Deus. Na época do Congresso Eucarístico, esse amigo perguntou o que Ovalle achava dos excessos de ouro e púrpura dos altares. E Ovalle explicou: ‘você já viu um amanhecer? você já viu o sol que faz de manhã? (ao que eu, Misa, acrescento – você já viu um pôr do sol? Você já admirou a abóboda celeste?) Deus é assim. Deus sempre foi um exagerado, meu filho!”

Continuando as palavras de Antonio Maria, “esse mesmo amigo, dias depois queria saber: Ovalle, Deus gosta de você? E Ovalle respondeu: acho que não. Sou o carcereiro de Deus. Ele está preso no meu coração”.

A história da cocada e dos últimos tostões é verdadeira, eu própria ouvi minha mãe contar e recontar inúmeras vezes. E Deus faz coisas muito mais grandiosas, milagrosas, maravilhosas e impossíveis para nós pobres. Ovalle, que nunca conheci, e minha mãe sabiam disso.

Não sei quanto a vocês, eu achei lindo isso do tal Ovalle amando tanto a Deus! Eu ainda preciso de coisas palpáveis, como clama minha pobre humanidade. No entanto me dói a saudade de coisas do espírito, pois eu sempre quis e cri que Deus existisse e me corrigisse tão logo eu caísse. Sem problemas, Deus é Deus.

PARA QUAL OBRA SERÍAMOS CONVIDADOS COMO MODELO

 


Certa vez assisti a uma pequena homilia feita pelo Pe. Ricardo Basso em que ele contou uma história que não se sabe se verdadeira ou não. Serviu apenas para ilustrar o que o padre queria ensinar. Pois bem, a história foi a seguinte: dizem que Leonardo da Vinci, o grande cientista, inventor e pintor, entre outros tantos títulos quanto obras, tinha por hábito procurar por pessoas reais para suas pinturas, ou seja, aquelas que melhor poderiam espelhar o que ele pretendia pintar. E as procurava onde sabia que as encontraria, por exemplo, uma dona de casa comum naquela época medieval, uma criança encantadora, um homem do povo ou um ricaço. O fato é que ele convidava essas pessoas para servirem de modelo.

Querendo encontrar um homem grosseiro, encrenqueiro e fanfarrão para certa pintura, ele foi até uma taverna onde, sem muitas delongas, logo encontrou o modelo perfeito para seu quadro. Pagou uma bebida para o sujeito e depois de combinado o preço, lá foram para o local onde o pintor trabalhava. Chegando lá o homem caiu em profundo mutismo, e visivelmente emocionado, pôs-se a chorar. O pintor, surpreso, lhe perguntou o que havia acontecido, ao que o homem respondeu:

Eu já estive aqui, foi há bastante tempo. O senhor me convidou para posar servindo como modelo para o bom ladrão na cruz, ao lado de Jesus. Foi aí que Leonardo da Vinci compreendeu. O mesmo homem agora iria servir como modelo para o mau ladrão na cruz. Da primeira vez seu modelo era praticamente outro homem, semblante tranquilo, e naturalmente, não estava numa taverna. O homem lhe revelou que sua vida havia degringolado, perdera a família, embriagava-se todos os dias, começou a cometer furtos e frequentemente metia-se em confusões e brigas. No momento ele era o modelo perfeito procurado por Da Vinci. E o coração daquele pobre homem foi tocado pela triste e real constatação do que havia se tornado.

Lenda ou história real, o fato é que me pus a pensar para que quadro seríamos convidados para posar. Dificilmente conseguimos enganar as pessoas, pois o que somos interiormente acaba por se revelar em nossas atitudes exteriores ou nosso semblante agitado, com reações agressivas e impacientes. Há que considerar que somos seres humanos imperfeitos, sujeitos à nossa miserável humanidade. Fazemos bons propósitos, mas caímos sete vezes ao dia diz a Bíblia, também não fazemos o bem que queremos e sim o mal que não queremos, São Paulo que o diga. Queremos ser pacíficos e encontrar uma forma de vida pacífica, mas logo somos cutucados por espadas afiadas seja no trânsito maluco, seja no trabalho ou em nosso próprio lar. E tudo vai por água abaixo. Deve haver um meio termo, um caminho do meio que nos permita olharmos e conhecermos quem realmente somos. Alguma coisa em nós deve ser mudada, aliás, jamais mudaremos os outros. A faxina começa em nós mesmos. Ainda assim seremos imperfeitos, mas com serenidade, não percamos a esperança.