segunda-feira, 28 de novembro de 2022

BOA VIAGEM, NOVEMBRO

 

 

Boa viagem, novembro. Assim formulei minha despedida deste mês tão difícil, tão sofrido. Estava à janela olhando tudo e o nada. Meu olhar atravessava as coisas sem se deter, daquele jeito de olhar perdido, como quando alguém estala um dedo na frente de meus olhos e ainda assim, eu nem piscar, pisco. Só permaneço “em transe”, hipnotizada. Aliás ficar em transe todo esse período não seria má ideia. Dizem que quando estamos com o olhar perdido é que descansamos a mente. É provável porque não elaboramos nada, nenhum pensamento, nem bom nem mau, assim ficamos neutros, desligados de tudo.

Bom, vamos lá, faz trinta e cinco anos que não fumo. Odeio cigarros, o cheiro de longe me faz mal, mas de vez em quando, muito, muito de vez em quando sinto falta do cigarrinho entre os dedos, um simbólico de consolo e de refúgio. De minha janela às vezes assisto à cena de um cara que fuma sozinho de noite, sentado numa cadeira de varanda, fumando e olhando o céu. Pois por este mês de novembro não é que eu quase seria capaz de fumar, qualquer marca que fosse, até aquele antigo continental rascante que nunca fumei. Oh mês de amargar, de cada dia uma surpresa, boa ou má.

Mas tudo passa debaixo do céu e da terra. Vamos chegando ilesos ao final do mês, enfrentando noite e dia, fazendo inverno e verão de frio e calor, a pé, de carro, a cavalo, com fome e sede, entre impropérios e vitupérios, sujeitos a todas as inclemências do céu. Já sei que aquela maravilhosa quietude de idos dias nunca dura mais do que eu gostaria e que de seguro e de exato a vida não tem nada. Pois sejamos fortes e corajosos e verdadeiros.

É fato que às vezes quando procuramos muito uma coisa, acabamos por achar outra. E foi nesses momentos de maior tormenta que me fortaleci. Deus permite tempestades em nossa vida para nosso próprio bem. Deus faz como lhe apraz. Bendito seja Ele para sempre. Não sabemos como será dezembro ou janeiro ou amanhã, ou ainda hoje de noite, mas aqui estarei, de ansiedade em ansiedade, de esperança em esperança. Estarei com meu coração ligado em duzentos e vinte, com um furacão dentro do peito e pensamentos loucos como cavalos selvagens, aliás, como sempre estive.   

De noite eu me refaço, afrouxo o laço, deponho minhas armas no chão e me lembro de que todas as coisas passarão.

Boa viagem, novembro! Vai tarde, como dizia minha mãe.   

domingo, 13 de novembro de 2022

DEIXA ROLAR

 

Muitas vezes eu fico apreensiva com algum comportamento do qual me arrependo. Nada sério, eu que sou muito exigente comigo, sempre fui, insegurança, confesso. Como acho bom falar o que é e o que não é, dá um alívio. Bem, estamos todos na chuva, vai ter dia em que ficaremos molhados. Nem todo dia estamos bem, felizes da vida e acontece de não reagirmos bem à determinada situação. Também nada escabroso, mas como conhecemos nosso coração, sabemos que poderíamos ter deixado passar, poderíamos ter saído de tal situação sem estresse, poderíamos, mas não deixamos. Paciência. Agora deixa rolar. Se o caso foi grave, um pedido de perdão é remédio. Se o “grave” é mais por conta de nossa “imagem” ferida, então, deixa rolar sim. 

Temos que aprender a viver, ainda que já tenhamos vivido muito mais do que ainda viveremos. Estamos sempre aprendendo e caindo e errando e começando tudo de novo, como uma criança, ainda bem.

Certa vez ouvi esta frase: “Só pisa na bola quem está em campo”. Verdade verdadeiríssima! Ficar na arquibancada pode ser seguro, mas a vida não é segura. Quantas vezes fiz um gol? Humm, poucas, algumas, talvez algumas mais. Quantas vezes pisei na bola? Xiiii, perdi a conta. Certamente meu número de erros foi infinitamente maior do que meu número de acertos. Tenho uma coleção de micos imbatíveis, erros irreparáveis, pecados imperdoáveis, mas eu estava em campo, aí tudo é possível. A pessoa que me disse isso estava desolada quando eu contei talvez a maior pisada de bola que eu dei na vida. Ela simplesmente encolheu os ombros e me disse: “bom, só pisa na bola quem está em campo.” Nunca mais me esqueci disso. É preciso esclarecer que nem sempre estive em campo. Só que depois que experimentei o gramado nunca mais voltei para a arquibancada. Há sempre uma nova partida que se inicia. Se vou pisar na bola só Deus sabe. Provavelmente sim.

Devemos procurar ser verdadeiros, o mais que pudermos. Sábios, muito difícil. Perfeitos, impossível!   

 

JEITO DE POETA

 

Faça chuva, faça sol

Faça guerra, faça paz

Ao poeta tudo dói

Mói e remói

Mexe e remexe

A folha seca que cai

A lágrima que se esvai

A dor da saudade

O coração se enternece

A alma estremece

Ser poeta é sentir demais

Demais, mais e mais

Das inclemências do céu

Ao desencontro cruel

De déu em déu

Sem rumo e ao léu

O poeta só tem paz

A deitar a alma no papel.

 

 

EM BUSCA DA GAIVOTA - Antes e depois

 

O ano, não sei precisar, início dos anos 80, certamente. Foi minha primeira viagem, Buenos Aires, “Bariloche”, Lagos Andinos, subindo o Chile por toda sua extensão, seguindo as Cordilheiras dos Andes. A imagem parecia um maravilhoso bolo de noivas confeitado com suspiros branquinhos. Paramos em Puert Montt, depois Santiago, Vinha Del Mar, Valparaiso, como não me lembrar? Eu, Sandra, Musa e Fernando.

Em Bariloche fizemos um passeio de barco, parando na Isla Victoria e Bosque de Arrayanes. Ao sabor das ondas no lago Nahuel Huapi, tivemos a oportunidade de posar para uma foto individual dando bolachinhas para as ruidosas gaivotas que sobrevoavam o barco. Fiquei um pouco apreensiva com a ave se aproximando, quando senti um puxão na bolacha. Esqueci o fato. Depois de alguns dias apareceu o fotógrafo em nosso hotel para nos passar as fotos. Imagine só: a minha foto foi a única que pegava a gaivota bicando a bolachinha. Todos os outros participantes não tiveram esse carinho. Era a gaivota pra lá e a bolacha pra cá, mas a minha! Que linda!

Sempre quis voltar a Bariloche. Poderia em qualquer tempo, mas não o fiz antes, por que será? Não sei. Guardava imagens vagas do hotel, dos lugares lindos, pudera, quantos anos depois! Só que apenas agora de algum tempo pra cá me acossou um desejo sôfrego de voltar àquela cidade linda. E não é que no momento em que a simpática Carol da CVC me mostrava imagens de hotéis, eu me deparei com o hotel em que ficamos hospedadas há quase quarenta anos! Fui inundada de recordações, sempre comprovando que envelhecer é viver de saudades, emoções e lembranças. Realmente, coincidências à parte, foi o momento exato, preparado pelo destino, vida, chamem lá do que quiserem. O fato é que eu percorri o velho hotel, o saguão onde o fotógrafo nos entregou as fotos, localizei até o quarto onde ficamos.

Só faltava rever a gaivota! Lógico que estou brincando, gente, mas quem sabe foi uma descendente direta daquela! Nada foi fácil, juro! Ventava frio pra caramba! Era uma fotógrafa muito jovem. Diferentemente do fotógrafo daquela época, ela foi logo me dizendo que não tinha bolachas, que eu providenciasse. Subi para o convés, quase desisti. O quê? Desistir o quê? Eu? Nunca! Comprei a bolacha, desci, entrei na fila. Tiritando de frio, fui me deliciando com a proximidade do momento. Até que enfim! Demorou, eu de braço em riste, firme esperando pela gaivota. Ela veio feliz, eu mais ainda! Agora, quatro décadas depois, eu a encarei nos olhos e ela me encarou também. Eu era só felicidade! Como sou romântica! Como mereci este reencontro!

Não fui com o maridão. Se até já fui de lua de mel para Portugal com minha irmã, agora fui para Bariloche de lua de mel com minha prima Lígia! Minha lua de mel com o marido é todo dia, toda hora, em todo o tempo e qualquer lugar.

Vale dizer que a gaivota não era a mesma, tampouco eu. Sou mais eu agora, mais feliz, mais

livre! Não é por nada que a gaivota é um símbolo de magia e liberdade!

CARTA A UM AMIGO

  

Amigo querido, eu sei bem como você se sente, sei como está triste e apreensivo. Conheço a generosidade de seu coração, seu caráter reto, sua humanidade. Não se preocupe tanto, não se espante com essas coisas que acontecem nesses tempos tenebrosos, já sabíamos que viriam tribulações. Não se entristeça seu coração porque tudo passa. Sempre soubemos que esta terra ou esta vida é apenas nossa embarcação. Nossa vida, de fato, é a Pátria Celeste. Vamos navegando em mares tempestuosos, ninguém está seguro, nem aqueles que são poderosos. Nem aqueles que torturam, que matam o corpo e os sonhos, aqueles que roubam, aqueles que proíbem e silenciam as palavras.  Aqueles, querido, não são de Deus, nem agradam a Deus.

Coragem, “Olha! Eis que voltam os filhos que vão partir.”  Você se lembra deste versículo?

São Paulo já dizia que “a figura deste mundo passa”. Tudo passa, tudo passará. Todos eles passarão, mas nós passarinhos, como dizia o poeta Mário Quintana, nós apenas passarinhos. Passarinhos com asas que voam alto, acima de toda a lama que inunda os corações dos maus.

Repasso aqui as palavras de Santo Agostinho: “Como será feliz o Aleluia! Quanta segurança!  Nada de adverso! Onde ninguém será o inimigo, não morre nenhum amigo. Lá, louvores a Deus, aqui louvores a Deus. Mas aqui apreensivos, lá tranquilos. Aqui, de quem vai morrer, lá , dos que hão de viver para sempre. Aqui, na esperança, lá na posse. Aqui, no caminho, lá na Pátria.”

Fique em paz!

Te amo! 

OPHELIA - UMA DELICADEZA PARA O CORAÇÃO

 

Tive o prazer de assistir ao filme “Ophelia”, baseado na peça de Shakespeare “Hamlet” (A tragédia de Hamlet). Fiquei profundamente emocionada com a delicadeza de releitura da obra de Shakespeare contada a partir do ponto de vista de Ophelia. Amei as falas de Ophelia, seus diálogos com o irmão e Hamlet. Como sou romântica! Como mereci um grande amor, e o tive, embora tardasse tanto! Ora, isso não importa, os últimos sempre acabam sendo os primeiros e os últimos anos serão os melhores!

 Há um momento do filme em que Ophelia diz a Hamlet que “sobreviver não basta”. Como gosto dessas filosofias poéticas shakespeareanas! É claro que sobreviver não basta. Há algo maior, muito maior e melhor que não está ao nosso redor, não, está é dentro de nós, nas cercanias de nosso coração e que nos faz viver com plenitude. Se formos depender do que nos acontece à nossa volta para estarmos fortes, firmes e exultantes, como seremos infelizes! Ledo engano! Doce ilusão! Já o que está dentro de nós é intocável e ninguém pode roubar, é nosso tesouro.  

Em outro momento quando Ophelia está conversando com o irmão, ele conta a ela sobre a tarefa de abrir cadáveres para estudar os órgãos que existem no corpo, algo ainda degradante para aquela época. Ophelia se põe a conjeturar sobre o que existe dentro de cada um de nós, não fisicamente, mas falando de sentimentos. E ela diz: “sempre me pergunto em que parte do coração reside o amor!” Lindo! E eu aqui me pergunto em que parte de mim existe essa fonte inesgotável de ternura que a cada dia em que fico mais e mais velha, mais borbulha com tanta profusão! Se me desmanchassem hoje, encontrariam ossos, sangue e ternura em abundância. Ouso repetir o que li em Raul Brandão: “A que se reduz afinal a vida? A um momento de ternura e mais nada, extraio ternura duma pedra”. Eu também!

Sobreviver não basta não. É preciso dar asas aos sonhos, não recusar as dores, antes agradecer porque Deus sempre transforma o mal em bem e em nossa alma moram anjos. Não podemos passar pelo tropel da vida sem afinar os sentimentos, identificar o que realmente importa. E realmente os últimos anos serão os melhores, os mais bonitos.

Tive uma plantinha que envelheceu, ficou feinha, mas eu teimava em conservá-la comigo, dava-lhe água e palavras gentis, nem sei por que. Num belo dia, percebi que dela brotou uma florzinha azulzinha, um mimo! Logo depois secou e morreu para sempre. Mas fez essa delicadeza antes do fim. Vivo encantada com a beleza de tudo que há, eu me quedo muda em gratidão, extasiada por ter a honra de assistir ao assombroso espetáculo da vida. E o mais assombroso de tudo está no coração.

Divaguei, elucubrei, viajei. Assim que gosto de viver.     

LUA DE MEL


Quando nos casamos, em outubro de 2003, meu marido já era viúvo. Eu solteira, bem mais velha do que costumam casar as moças. A lua de mel? Bem, fomos para Campos do Jordão, passar a primeira noite que de primeira não tinha nada, não foi a primeira nem a segunda. Mas ocorreu que neste final de ano de 2003, minha irmã teve que ir a Portugal e não tendo companhia, fui com ela. A família toda fez caçoada, a Misa se casou com o Motta e saiu de lua de mel com a Agueda para Portugal. Ora, pois, pois, e não foi?

Foi. Meu marido detesta viagens. E nós, irmãs puxa-saco que sempre fomos, fomos juntas a Portugal. Lá conheci minha enteada, que fez questão de comprar a camisa e gravata para o pai que se casaria comigo, agora na igreja em final de dezembro de 2003. Não abri mão de nada. Não mesmo. Quero tudo: vestido de noiva? Bem, não era vestido de noiva, mas de princesa, isso sim, era mesmo, de princesa! Buquê de flores? É claro que sim, que fiz questão de jogar para trás, só não me lembro de quem pegou.

Mas o mais engraçado é que hoje, em 05 de julho de 2019, meu marido me lembra, coisa que não me lembro de jeito nenhum, que o querido tio Iado confidenciou à filha Inácia: que coisa mais esquisita esses tempos modernos, a Misa se casa com o Motta e sai de lua de mel com a irmã? Ri até. Não me lembrava disso.