sexta-feira, 10 de novembro de 2017

CASAMENTO E REFORMA



            Estamos reformando nossa cozinha já há quase 4 meses, 4 longos e intermináveis meses. Meu marido é o pedreiro, eu, a ajudante de pedreiro. Ele sempre teve uma relação direta, nada secreta nem discreta com o concreto, enquanto eu sou do abstrato. Eu sou das letras, trato com as palavras, com as histórias. Ele é do cimento, da massa corrida, do tijolo sobre tijolo. Como não me lembrar de quando nos conhecemos e ele foi me mostrar seus diplomas com muito orgulho. Mostrou o de engenheiro, o de advogado e o de pedreiro num curso do Senac e me deixou claro que este diploma era o que mais prezava porque fazia o que mais gostava. Não foi difícil adivinhar que gostava do concreto pelo chapéu, botinas e por estar sempre assobiando uma canção enquanto trabalha, um amor. Depois de aposentado então, deu vazão aos sonhos concretos. Quer ver ele feliz? É inventar uma obra aqui e outra ali. Não é que ele já fez duas piscinas, direitinho, com azulejo e tudo?
            Bem, com relação à reforma na cozinha tenho me comportado bem, tenho conseguido manter a duras penas meu senso de humor com algumas avarias, reconheço, mas dadas as circunstâncias, minha nota de esposa doce tem sido em torno de 8,5. Só que com o tempo a gente vai se cansando de tanta poeira, tanto chão sujo, tantos panos, rodos e baldes. Cheguei no meu limite, por Deus. Tenho uma ajudante para a casa apenas uma vez em quinze dias, afinal sou aposentada também, e não tão velha que não possa trabalhar com os afazeres domésticos, mas limpar sujeira de reforma de casa? Estou velhíssima, centenária.
            Bem, temos utilizado a cozinha de cima que teria que ser usada apenas eventualmente, porém é a única que temos no momento, com uma pia a céu aberto, e improvisamos como deu pra fazer. Com este tempo de primavera já quente, minha indumentária para lavar a louça consiste num biquíni com capa de chuva por cima, chapéu e óculos de sol. Se o sol abre, tiro a capa, e aproveito para um bronze real nu e cru, o que faz bem para os ossos, minha vitamina D está pra lá de boa. Já no caso de chover, visto minha velha capa de chuva inglesa por cima do biquíni. Aliás, uma capa que era chiquérrima quando comprei em 1997. 
            Hoje eu estava azeda, um perigo, como dizia meu pai sussurrando (sua mãe está perigosa hoje!). Na hora do almoço, eu perguntei para meu marido: quando você sai da cozinha, você limpa os pés no pano de chão umedecido e no tapetinho de borracha e na passarela que coloquei lá? E ele: é claro! E eu: então por que a sala tem pegadas brancas por todos os cantos chegando aos quartos? Ele, erguendo os braços e se defendendo, disse: eu não fui. Depois do almoço ele foi dormir. E eu, depois de meu bronze lá em cima desci e percebi que as pegadas brancas estavam muito pequenas para serem dele. Caramba! Eram minhas, número 35 (eu calçava 36, tô diminuindo). Poxa, isso não podia ter acontecido. Confesso que quase trapaceei, fiquei tentada a pegar um pano, mesmo com as costas queimando, para apagar os vestígios das minhas pegadinhas, mas sou honesta, nada me restava a fazer senão enfrentar as consequências de minha língua afiada. Meu crime ficaria exposto com todos os detalhes sórdidos e requintes de crueldade. Minha esperança era de que ele não notasse, pois é desligado.
            Santa ingenuidade a minha! Desligado o quê? Não perde nada. Lá veio ele pegar no meu pé por causa de meu pezinho branco. Eu estava no computador quando ele irrompeu pela minha salinha e disse: aquelas pegadinhas brancas não são minhas não, são suas! Este pezinho 35 não é o meu não, olha o tamanho do meu pé! E eu: tá bom, fui eu, mas é que eu estava atarantada com o forno que chegou e a gente providenciando pra tirar da caixa, você me distribuindo afazeres e ordens, pega isso, pega aquilo. Deu no que deu. Agora, eu tive a dignidade e a nobreza de enfrentar meu engano de cabeça erguida, sem limpar as pegadas.
            Mas é claro que tudo sempre acaba num abraço apertado, com risos e muito amor. Mas gente, reforma com a gente dentro da casa, é de enlouquecer! Prudência, prudência, porque casamento é sempre um delicado vaso de porcelana que pode se romper inopinadamente. Cuida gente, cuida bem!        

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