PREFÁCIO
“As palavras querem voar como os passarinhos,
Desabrochar em uma margarida.”
(Debora Laurito Friend)
Fôssemos
pássaros, talvez não precisássemos de poesia para viver. Voaríamos livremente
pelos céus degustando poeticamente a beleza do mundo. Assim, porque nos faltam
asas, alimentamos nosso espírito com os poemas que dizem o que sentimos e o que
não sabemos como dizer. Há poemas que traduzem tão exatamente o que nos vai na
alma que me pergunto onde os poetas conseguem a chave desse dizer encantado, elevando-nos
nos ares e nos propiciando ver a beleza e a profundidade dos dias supostamente banais.
Debora
Ferreira Laurito Friend tem a chave do dizer encantado. Diz o que está dentro
de nós e não sabemos como externar. Suscita em nós o desejo de escrever, não propriamente
o que ela diz tão bem e nem como diz, mas simplesmente aflora em nós o desejo
de poetar. “Ninguém nasce a passeio” é um livro que reúne preciosos poemas
filosóficos cheios de leveza, apresentados numa linguagem simples e
encantadoramente lírica. Debora é poeta, enxerga o mundo com um olhar sensível
e sagaz e com o tal dizer encantado nos revela a grandiosidade da vida presente
nas questões cotidianas e nos questionamentos humanos. Por isso seus poemas
também são profundos e nos fazem refletir sobre a imprevisibilidade da vida e a
permanência das incertezas: “Deem-me o direito de não saber! ... Aonde vão com
tanta coerência? ... Nosso destino é o mistério.” (Dúvidas) Ou “Sim, eu escolhi
a solidão profunda, a imaginação viva e o coração cheio de porquês!”
(Felicidade X Verdade).
“Seu
direito de não saber” está sempre presente como no estranhamento de si própria:
“Posso lhe dizer todos os meus sonhos ... posso lhe abrir todos os meus
diários, meus cadernos de poesias ... Posso lhe dizer tudo o que sei, ou que
acho que sei. Será que sei? Não sei.” (Quem sou eu?) E ao tentar saber, a
resposta se desvanece no ar: “mais eu me estico para agarrar a resposta que
foge de mim, como bolhas de sabão”. (Poema sobre sílabas soltas e bolhas de
sabão).
Ora ela
questiona os verdadeiros valores: “Ser rico de dinheiro nenhum, ser pobre de
mão vazia, ser próspero de cores azuis ... Eu quero mesmo poder herdar o
arco-íris.” (Uma herança para vida).
Ora constata
a inconsistência das verdades que nunca serão permanentes: “Minhas verdades
mudam e por isso eu as carrego na mochila. Tenho as mãos livres para recolher
as pedras do caminho e quem sabe, as conchas da praia que se aproxima.” (Certas
verdades).
“Ninguém
nasce a passeio” nos alerta para a inexatidão da vida, das verdades e das
certezas. Por outro lado nos alerta para algo que sem dúvida é absolutamente exato:
a estonteante beleza do mundo, mas para enxergá-la torna-se necessário “ter
olhos e ouvidos que se abram, basta crer”, nos diz Debora em “17 horas”. E há
outra certeza para Debora: “Refletindo sobre minha missão de vida, me decidi:
quero ser uma catadora de sonhos”. (Ninguém nasce a passeio)
Os
poemas de Debora vão na contramão da vida comum, robotizada, da mesmice dos
dias. É preciso “contemplar o silêncio”(Poema sobre sílabas soltas e bolhas de
sabão), “encontrar sentido nenhum ... não prestar atenção nas horas” (Viver).
“Ninguém
nasce a passeio” nos apresenta um mundo difícil, que “parece feio”, porém pode se tornar belo se tivermos olhos para
contemplá-lo nos detalhes, “ainda que o asfalto seja quente e queime a pele” (Ecdise,
quando a serpente resolve mudar). Fica patente em todo o conjunto de poemas de
Debora que existem duas realidades: a real, cotidiana e áspera em que há um
chão onde nossos pés são feridos pela brutalidade do caminhar. Entretanto, como
universos paralelos, há outra realidade, a que existe acima de nós, a das
alturas, para onde podemos voar e tal como os pássaros, enxergar o mundo sob
outra ótica, aquela dos sonhos, dos devaneios e fantasias, onde podemos tocar
as cores do arco-íris, saborear a mágica dos momentos “para nutrir-me com o que
basta: “Poesia, único alimento para a vida.” (Banquete)
Tenho
certeza de que os leitores vão se encantar com os poemas de Debora, talvez até
possam voar em suas asas, embora ela continue esperando por elas: “Estou
constantemente a ponto de cair, até o dia em que eu crie asas.” (Por um triz)
E
nós podemos ter outra certeza: enquanto Debora tiver asas e cumprir sua missão
de uma catadora de sonhos, seremos presenteados com belos poemas!
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