Querida
Lígia
Não somos donos de nada nem de
ninguém. O Eros partiu hoje cumprindo sua missão aqui de eterno amigo e
companheiro. Ao contrário das pessoas, ele não deixou nada que pudéssemos
repartir, como roupas, calçados ou guardados. E, no entanto, ficou tanto dele
dentro de seu coração. Como seria bom se pudéssemos deixar para quem amamos uma
herança de um amor tão rico assim. Mas agora o momento é de dor, não poderia
ser de outra maneira. A ausência do Eros na sua vida, assim como a ausência da
Madona na vida da Agueda, deixou vocês perplexas, vazias, vulneráveis como um
exército desfalcado. Não nos convence o argumento de que não deveríamos fazer
luto pelos animais pelo fato de não serem pessoas. Não depende de nós, o luto é
real e vou mais além, de acordo com o que já observei e atestei, esta dor pela
perda de nossos pets às vezes é maior do que já sentimos pelos humanos que perdemos.
É que estes seres encantados, marotos,
brincalhões, fidelíssimos, têm por nós um amor diferente de nossos pais, irmãos,
companheiros e amigos. Seu amor é genuinamente puro, incondicional, sem
julgamentos, único. Como bem disse Cristina Hauser para você, nossa relação de
amor com os cães ou com qualquer outro bichinho está carregada de uma ligação
especial, porque nós, humanos, somos diferentes. Carregamos tanta coisa
conosco, não apenas materiais, mas um lastro de memórias, de sentimentos bons e
maus, enfim vivemos com um fardo de tralhas atado a nós até à morte. E os
animais nada carregam. Vivem o agora com intensidade, pureza e alegria,
despojados de angústias futuras ou culpas. Por isso nos apegamos a eles, talvez
quiséssemos ser como são. E quando se vão, basta uma única hora em que já não
os temos para o mundo inteiro ficar vazio.
Querida Lígia, o Eros, assim como a
Joia e a Madona, estão no Céu dos cães, dos animais ou das pessoas, que seja.
Por ora, para nós ficam a dor da saudade e o silêncio. O mesmo silêncio com que
eles nos falavam, e nós sempre entendíamos, embora multiplicássemos nossas
palavras como é próprio dos humanos. Como ainda estamos no mundo da matéria, a
lembrança física é a que fica, a que dói. Quando estiver passeando com o Rajan,
imagino que vá chorar muitas vezes lembrando-se do Eros que às vezes corria à
frente, ávido por aventuras e, outras vezes, optava por vir mais atrás para se
certificar de que você sempre estava presente ali, no comando. Afinal, nunca
foi preciso a trela para prendê-los, os laços de amor e ternura sempre foram mais
do que suficiente.
Boa viagem Eros. Valeu amigão!
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