domingo, 17 de outubro de 2021

UMA LEMBRANÇA ESPECIAL


 Há lembranças que nunca se vão, permanecem intactas desde a infância, seguem pela vida afora e desde que o momento exija e sejam convocadas, elas se apresentam novinhas como se tudo tivesse acontecido naquele momento. Por que umas lembranças e não outras? Vai depender do que ou do quanto significaram para nós, geralmente muito.

Recebi a notícia do falecimento de uma pessoa e fui inundada por várias lembranças. Fiquei pensativa e ensimesmada. Voltei ao passado. As lembranças foram surgindo uma a uma e brincando de mãos dadas ao meu redor.

Foi assim: em determinada época de minha vida, coisa de mais de cinquenta anos, eu passava uns dias na casa de uns tios. Conversávamos, as primas e eu, quando a mãe delas entrou no quarto onde estávamos. Ela falou sobre algo com uma das meninas, conversaram e de repente ela veio e abraçou a filha, apertou a menina nos braços como se fosse um bebê e as duas permaneceram abraçadas de um jeito carinhoso e terno. Minha prima chegou a fechar os olhos enquanto a mãe acariciava seus cabelos, e falava palavras amorosas. A mocinha, dengosa, parecia estar flutuando naquele abraço. Eu me quedei muda, paralisada, maravilhada e atraída por aquela cena tão bonita. Experimentei uma mistura de sentimentos enquanto, embevecida, assistia àquela cena de carinho. Era uma extrema comunhão de amor, um momento tão delicado e eu, na minha famigerada sensibilidade fui tocada e feita prisioneira. Enquanto aquilo durasse eu permaneceria como fiel e emocionada testemunha de um momento de amor entre mãe e filha.

Em minha família não havia essa demonstração escancarada de amor. É claro que havia amor, demonstrações não. Minha mãe tinha o cuidado de não paparicar para que não ficássemos “estragados”. Com seu extremo rigor para essas questões, ela chegou a dizer com todo orgulho para uma nora: eu nunca elogio filhos. Evidentemente que minha avó também não elogiava filhos, nem minha bisavó e daí para trás. A verdade é que muitas gerações devem ter crescido sem nunca experimentar uma comunhão de amor tão gostosa como aquela que eu presenciara e que me marcaria para sempre. Este rigor não era só de minha mãe, não. Conheci muitas famílias que também vivenciaram isso. Era a cultura da época, costumes de lugares pequenos. Que pena! Tudo bem! Ninguém ficou traumatizado por causa disso. Depois que a gente cresce e amadurece, a gente entende. Tivemos a chance de quebrar a corrente, de abraçar e beijar com todo o nosso direito e desejo.  E não há coisa mais bonita do mundo do que a gente mudar as regras do jogo, dulcificar as durezas, aparar as arestas e asperezas, abolir as penas e agradecer aos pais que fizeram tudo como puderam.       

No momento em que assisti àquela terna cena de amor, eu não devo ter entendido o porquê do meu encantamento, e nem estava preocupada em entender, mas em viver aquela emoção, isso sim. Instintivamente, eu sabia que era algo precioso porque meu coração pulsava. Era como ter descoberto um tesouro de incalculável valor. Sabia que um dia eu viria a falar disso, só que não sabia como. Chegou o momento.

Com a partida daquela mãe carinhosa, eu pude resgatar esta lembrança especial.

Para você que partiu, minha querida, saiba que você me emocionou muito naquele dia de nossas vidas. Obrigada! Que Deus acolha você em Seu Amor!

 Como a vida é bendita!

   

 

 

 

 

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