E já chegamos aos últimos dias da Quaresma deste ano, quarenta dias de
reflexão. Gosto deste tempo, das
cerimônias na igreja, das músicas! As músicas de Quaresma, a Ladainha de Todos
os Santos na missa da Páscoa, aquela em que os ministros vêm aspergindo água
benta com galhos e todos cantando: “Banhados em Cristo somos uma nova criatura,
as coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo, aleluia, aleluia
...”. Que beleza! Como dizia minha mãe. Agradeço a Deus pela semente plantada
por ela, de como fomos com o tempo resgatando tudo o que ela prezava! Fomos
juntas algumas vezes assistir a missas de Páscoa, e a emoção da hora em que
apagam as luzes, todos com velas acesas, depois acendem as luzes, os sinos
repicando. Não tem preço essa beleza toda. É como quase estar no
Céu!
Bem, mas até chegar à Semana Santa propriamente dita e à Páscoa, temos a
caminhada das reflexões, as vias sacras, as matracas. O difícil são as
penitências, sacrifícios e jejuns. Minhas primas, mais piedosas que nós, não
comiam doce ou carne na Quaresma. Na casa de minha mãe já não comíamos carne às
sextas feiras durante todo o ano. Penso que com a modernidade outros
sacrifícios são também valiosos como privar-se da televisão, dos filmes, da
Netflix e afins, mas confesso que acho muito difícil me desfazer desses bezerros
de ouro. E o que tanto os pregadores recomendam, o jejum da língua, o silêncio
máximo, dificílimo! Não falar dos outros, guardar no coração. Intenção é o que
me sobra. Contudo, o que Deus mais quer de nós é um coração alegre e que
confiemos em sua bondade e misericórdia, faça chuva, faça sol. E olha que às
vezes faz mais chuva.
Sou encantada com o mundo, não é para menos, o mundo é de Deus. Falo
mundo no sentido da natureza, das estações que se alternam, da chuva que cai do
céu, das flores, da lua tão pertinho de nós girando em volta da terra e de si
mesma, do mistério dos mares, das criaturas, dos sentimentos que nos emocionam,
das lágrimas que em seu estranho e belo engenho afloram das nossas fontes
subterrâneas. Como não me lembrar que fomos idealizados e criados por Deus. Sou
encantada com o mundo e também sou mundana. Gosto de guloseimas, de vinho, de
filmes, de viagens, de compras. Pendo para um lado, pendo para o outro.
Contudo, sou eterna apaixonada por Jesus.
Leio Saramago, Mia Couto, Graciliano Ramos e também Santo Agostinho e as
duas Teresas. Sei na ponta da língua e do coração o que disse uma e o que disse
outra, se bem que ambas nos ensinam a chegar perto de Deus. Os santos são
nossos amigos e professores que nos ajudam na caminhada. Contemplo, emocionada,
as feições serenas de Santa Catarina Labouré e Santa Bernadete em suas urnas.
Há nelas algo que eu nunca teria, mas queria. Não, não devo dizer nunca – o
caminho da santidade é aberto, livre a todos, não há nada que nos impeça. Contudo,
um esforço é necessário, lembro-me de Santo Agostinho: “Mas tenho que achar
tempo, tenho que repartir as horas para ocupar-me com a salvação de minha alma
... deixemos de vãs frivolidades, dediquemo-nos à busca da Verdade ... a vida é
infelicidade, a hora da morte é incerta, esta chega de repente e eu, em que
condições deixarei este mundo? Onde poderei aprender o que nesta vida
negligenciei saber? Não terei antes que pagar com duras penas essa
negligência?”
Basta um desejo que arde no peito e uma vontade forte e plena de querer
a Deus!
Santa Quaresma e Feliz Páscoa!
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