Aconteceu
de novo: o momento mágico! Estava descendo o morro de carro e me deparei com a
cidade ainda banhada pelo sol se retirando para dormir. Os raios ainda eram
fortes e bateram em meus olhos ofuscando tudo à minha volta. Mas parei o carro
e olhei cheia de encantamento. Era lindo! De repente, de novo e sempre me vem
aquele pensamento de que estamos em cima de um planeta que gira em torno de si
mesmo e do sol. Confrontada por esta verdade incrível, eu me ausento de mim. Uma
força suave me suspende do mundo. Não sei se é a alma que se solta do corpo ou
algum anjo que está silenciosamente ao meu lado. Em um ataque fulminante de
ternura, sou imensamente feliz e agraciada e saciada de beleza. É como se
estivesse nascendo agora e enxergando o mundo pela primeira vez. Não importam
mais os senões, a dependência disso ou daquilo, o passado, o presente ou o
futuro, e os fardos podem ser gentilmente deitados ao chão. O que realmente
importa é que neste raro momento que me assalta de quando em quando é que percebo
a beleza das coisas mais cotidianas, mais simples, mas cheias de grandeza. Não
assisto ao por do sol todos os dias. Deveria. O momento mágico é aquele em que
percebemos ou sentimos a vida pulsar, ou enxergamos a vida assim como as
crianças, sem aquelas escamas que já cobrem nossos olhos desde a adolescência.
Sim, é fato que ao crescer perdemos esta dádiva que só as crianças possuem.
Entretanto, a menina aprisionada dentro de mim de repente consegue se esgueirar
por alguma fresta e me toma por inteiro. Aí eu posso ver o sol, também posso
ver a água que escorre pelas minhas mãos, posso ver atentamente as flores de
primavera, cada detalhe, cada cor. Posso ouvir Mozart, Kate Bush ou Fred
Mercury, sentindo minha alma subir até o céu. Posso ir até o fundo dos oceanos
onde provavelmente o gênero humano tenha nascido das águas profundas como assim
afirmam alguns e descobrir cavernas cheias de mistério e beleza. Como o mundo é
belo! Então o sol é assim? E a água, nossa que linda! O momento mágico! Afinal,
a prisioneira é a menina que habita em minhas profundezas ou sou eu?A menina
que tudo sabe em sua sabedoria inata e que ainda não conhece nem participa do inevitável
caos que a espera. Sim, sou eu a prisioneira que vive encerrada em masmorras
pesadas e tristes. Também é fato que prisões existem de todas as formas. E a
liberdade mora dentro de nós, a gente é que nunca se convence disso. A menina é
quem vem me libertar, que vem me salvar da mesmice, e vem me ensinar tanta
coisa bonita que já me esqueci, que me alerta que a vida exige o “despojamento
de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra” como
descobriu G. Rosa. É o momento mágico quando nós duas nos encontramos. Mesmo em
raros momentos de êxtase, nesta estranha e súbita epifania, descubro que só por
estes momentos vale a pena viver. Vale dizer que o sol se põe quase todas as
tardes e quando chove também é tudo tão bonito, ou isto ou aquilo, como dizia
Cecília Meireles. Maravilhas cobrem este planeta onde habitamos, mas só podemos
enxergar esta beleza se a tivermos dentro de nós ainda que em raros e preciosos
momentos de pura magia! Um bom final de semana de raros momentos mágicos a
todos!
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