Nós, mulheres, somos seres
especiais. Se Deus fez a gente da costela do homem não sei, mas certamente
nesta estranha operação, ocorreu algo não previsto ou pode ser até que tenha
sido previsto, não sei, só sei que muito nos beneficiou. A verdade é que nos
saímos muito bem, bem melhor do que a costela e o resto do homem, que me perdoe
o suposto, pretenso e fora de moda sexo forte. Somos bonitas, de beleza que não
é só de traços físicos, mas de entranhas, de alma, de espírito, de virtudes, de
fortaleza, de grandeza. Somos desdobráveis, como diz Adélia Prado. Parimos sem
dor ou com ela (bem, eu nunca), mas a maioria absoluta já. Nossa alma é sutil,
e não há quem entenda nossas sutilezas se não for mulher. Rimos sozinhas ou
acompanhadas e podemos chorar prantos sem fim até dormir. Somos de paz, não
fazemos guerra, contudo se for necessário, defendemos os nossos filhos com
unhas e dentes, matando vinte leões por dia.
Já nos enganamos. Era coisa de tempo
antigo, a tal da cultura da época. Houve um tempo em que a mulher de valor
tinha que aprender a bordar, guardar a virgindade para o futuro marido, saber
cozinhar e sair nas fotos em pé, ao lado do marido sentado. Se a mulher
solteira ficava grávida, deveria ter um comportamento exemplar para o resto de
sua vida, só saindo para ir à igreja. Esperávamos o príncipe que nos salvaria e
dançaria conosco aquela valsa magnífica, eterna. Ledo engano, doce ilusão,
santa ingenuidade. A vida é dura, mas é bela. Até que enfim chegou um espelho
honesto que nos mostrou que éramos especiais, aí as escamas dos olhos caíram,
as lágrimas de emoção também saíram porque compreendemos o valor e a alegria de
ser mulher, afinal ser mulher é ser desdobrável! Minha mãe era canhota de
nascimento, sabia fazer coisas gostosas de comer, fazia camisas de homem com
colarinho e tudo, teve seis filhos. Queria ser amada, porém acima de tudo queria
ter estudado leis. Era desdobrável ao máximo!
Dizem os homens que somos
complicadas. Não é verdade. Eles não entendem as sutilezas da alma feminina.
Feliz o homem que capta esta nuance e feliz a mulher que puder caminhar ao seu
lado. Feliz o homem que respeita e perdoa a angústia que amanhece nos olhos da
mulher e que dura até de noite. Elas sabem e sentem coisas milenares, inomináveis,
que brotam da noite pro dia, é um desejo de alguma coisa, uma fome, uma sede de
algo inexplicável. Carregam dores inconsoláveis em silêncio, ou simplesmente
têm saudades da mãe que morreu ou que está longe. No entanto, mesmo tristes,
varrem a casa, cantam baixinho, dão aula de física, cozinham em restaurantes,
escrevem, ninam bebês no colo, e quase sempre, vivem encantadas e emocionadas
com histórias de amor. E vão se desdobrando em muitas até que o riso volte, o olhar
se acalme, o sorriso perdure, e no calor da cama soltam as amarras da
sensualidade, deixam o jeito de menina para as manhãs singelas e para as noites
ardentes, transformam-se em mulheres amantes em tórridos jogos de amor.
Certa vez, conversando com uma amiga
sobre temas de crônicas, contei que fiz uma crônica sobre os 100 anos da
Primeira Guerra Mundial. Falando sobre os fatos da guerra, ela ficou pensativa
e disse: guerra é coisa de homens. Se às mulheres estivesse destinado naquela
época conduzir o mundo, essas guerras provavelmente não teriam acontecido. E ocorreu
que assistindo a uma entrevista com o jornalista e ambientalista Yann
Arthus-Bertrand, ele comentou que tem a esperança de que no futuro o mundo seja
conduzido pelas mulheres. Assim como também, Bunker Roy, um indiano rico que
abandonou sua vida de facilidades e fundou a Universidade de Pés Descalços
contando com o trabalho de pessoas pobres, principalmente de mulheres que,
incluídas e valorizadas, revelaram-se verdadeiras engenheiras solares
competentes, sem nunca terem frequentado uma universidade tradicional.
Sim, nós mulheres, somos seres
especiais. Somos desdobráveis, como disse Adélia Prado em suas maravilhosas
poesias.
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