Quando
ainda era menina, quase mocinha, fui desintegrada em milhares de pedaços por
circunstâncias da época. Ao longo da vida, numa tentativa de me proteger,
tentei me recompor. Era como achar peças de quebra-cabeças, dessas impossíveis
de se ajustar em qualquer parte, algo como um raríssimo e precioso vaso de
porcelana que se quebra. Inevitavelmente, alguma lasquinha permaneceria quase
invisível lançada no vento do tempo. Algumas pequenas partes nunca foram
encontradas, assim julgava eu que havia sobrevivido faltando algo essencial.
Nunca soube se o melhor de mim ficou comigo ou perdido em algum fragmento no
tempo que passou. Consola-me saber que somos seres em formação eterna e
permanente, que vamos recebendo traços de outras pessoas que nos formam, que
nos marcam e que nos salvam de alguma maneira.
Na
época eu apenas via o visível, então para não me perder de todo, ficava
repetindo em voz silenciosa o meu nome, os nomes de meus pais e de meus irmãos,
meu endereço, minha data de nascimento, enfim, todas essas coisas que
aparentemente compõem uma pessoa, e que eu temia esquecer. Eu buscava e me
apegava à minha referência terrena. Não podia perceber ainda que eu já vinha
única, formada, que não importava o endereço, a idade ou os nomes. Minhas
pegadas a chuva não poderia apagar, e minhas lembranças o vento não poderia
levar. Os elos rompidos nunca o foram de fato, pois corria entre eles um fio de
vida que não poderia ser desintegrado jamais. Porém eu não sabia que havia um
outro lado da gente.
Eu
já era inteira, bastava apenas perder o medo de abrir as mãos e soprar minha
alma no alto de um penhasco, deixá-la voar livre em sua ânsia de espaço. Os
abraços de despedidas sempre retornariam em abraços de reencontros. Bastava
apenas fechar os olhos para ver que eu era quem era, bastava apenas perguntar
com coragem: quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? Aí, sem medo de
esquecer os nomes, os endereços e os apegos terrenos, uma trilha divina e
eterna se abriria imediatamente diante de meus pés e eu seguiria confiante, sem
me importar com o efêmero.
No
entanto, lancei-me sôfrega na vida a procurar pelos fragmentos perdidos, e sem
que eu soubesse, nessa perda é que permaneceu, enfim, o melhor de mim.
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