sexta-feira, 28 de abril de 2017

AMAR INUTILMENTE




            O título não é o que parece, mas foi a frase que ouvi de uma conhecida enquanto conversávamos sobre relacionamentos e suas dificuldades. O que minha amiga realmente queria dizer é que ela queria ser amada pelo que ela é, e não pelo fato de ser útil ou conveniente para alguém. É verdade. Amar por amar, sem razões. Evidentemente que quando nos perguntam: mas por que você gosta dele ou dela? Imediatamente tratamos de puxar todas as qualidades do cônjuge, enumerando uma por uma, como justificativas para o amor. Ah pela honestidade, doçura, sinceridade, exímio amante, porque cozinha divinamente e por aí vai. Não. Tem que ser: “amo porque amo”. Simples assim.
Contudo, isso também não quer dizer que podemos amar por amar um homem grosseiro, que tenha atitudes brutas como bater portas e gritar. Deus nos livre de tal aberração! As qualidades e virtudes são essenciais, estão implícitas, porém a utilidade não. Ninguém ama porque o outro possa ser útil para ele ou para ela. Já ouvi há muito tempo de alguém, que há homens que se casam porque a mulher é uma boa cozinheira. Bem, quero crer que isso foi há muito tempo, numa época em que as mulheres eram ignoradas como pessoas, eram apenas cozinheiras, mães e donas de casa. Mas tudo é possível, e é fato que muitas mulheres ainda são ignoradas, traídas, usadas, tratadas de forma ríspida e mesmo truculenta. Não falo sobre esses casos sem salvação, mas dos que ainda podem ser salvos.
Casamento é um vaso de porcelana ou um cristal delicado. É sim. Há que se ter muito cuidado porque ninguém está livre de quebrar nada. Não é sem fundamento que se referem a uma decepção amorosa e fim de um relacionamento dizendo: quebrou o cristal. Entretanto, mesmo com muito cuidado a gente quebra. Ninguém poderá dizer com certeza: eu nunca! Ou já quebrou, ou está quebrando ou quebrará!  Quando vou lavar minhas taças, tomo o maior cuidado e como quebro taças! Transpondo para o casamento, é natural que se quebre o cristal, são duas pessoas sob o mesmo teto, que dividem, ou melhor, compartilham corpos e almas. São seres humanos sujeitos a falhas, defeitos, misérias. Então, a gente quebra sim. Mas não tem volta? Aí depende de cada casal e de cada situação. São Paulo dizia “que não se ponha o sol sobre sua ira”, isso valendo para qualquer relacionamento, de amizade também. Ou seja, não vá dormir (seja rápido!) sem conversar, sem pedir perdão ou perdoar. Não há outra maneira senão praticar o perdão diário. A atitude é essencial, o sentimento já é mais complicado, a dor custa a passar, mas os sentimentos e emoções são como bebês gritando ao mesmo tempo em um berçário. Casamento sem nenhum conflito? Só casando com um boneco de cera! Garanto que não existirá um único conflito. Meu relacionamento com Schwarzenegger na foto que ilustra este artigo foi exemplar!
Amemos por amar, por amor! Sem considerar que o outro possa ser útil, isso não, mas porque o outro é cúmplice, é amigo, é aquele com quem se pode contar. Estar junto apenas porque se é útil é ser usado. E ninguém merece ser usado. Casais devem andar de mãos dadas, tratarem-se mutuamente com carinho. Se não for assim, não vale a pena!
E o que é o amor? Ou o que é amar? Eu não saberia dizer, então transcrevo o que Milan Kundera escreveu no livro “A insustentável leveza do ser”: “Parece que existe no cérebro uma zona específica, que poderíamos chamar memória poética, que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá beleza à nossa vida. Desde que Tomas conhecera Tereza, nenhuma outra mulher tinha o direito de deixar a marca, por efêmera que fosse, nessa zona de seu cérebro ... e Teresa sabe que é mais ou menos assim o instante em que nasce o amor: a mulher não resiste à voz que chama sua alma amedrontada; o homem não resiste à alma que se torna atenta à sua voz.”
Bom, é isso, “amar inutilmente” é amar por amar. Corretíssimo.

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