A
HORA BENFAZEJA DA TARDE
Gosto quando entro em casa pela
tardinha e não pretendo mais sair. Respiro profundamente aliviada ao fechar a
porta. Ao contrário de “Ana”, a personagem de Clarice Lispector no conto
“Amor”, não temo a hora perigosa da tarde. Talvez porque eu já esteja mais
velha e minha mãe dizia que com a maturidade as questões vão se resolvendo
naturalmente. Talvez porque eu goste mais desta hora quando o dia ameaça ir
embora para dar lugar à noite e eu sinceramente sou mais da penumbra, das
sombras, das cores do crepúsculo e dos sussurros da noite. Ou talvez
simplesmente porque “Deus me deu um amor no tempo da madureza ... pois que tenho
um amor.”, como dizia Carlos Drummond.
E o que é um amor? É alguém que veio
ao meu encontro ou eu que fui ao seu encalço ou vice-versa e passamos a
caminhar lado a lado. Não somos almas gêmeas, muito pelo contrário, somos almas
infinitamente diferentes. Com ele aprendi a amar as diferenças. Eu padeço de
TOC, ele de TOQUES de carinho, de amor, de magia, de abraços, de amassos e
enlaços. Eu não sei cozinhar, ele é meu CHEF, não CHEFE, e sim aquele
alquimista que transforma os alimentos em comidas maravilhosas.
O que é um amor? Aquele cara que
está em casa e quando eu chego eu digo: Beemm, cheguei. E eu sei que ele está
lá em cima e que vai me acenar da escada. E se ele não faz isso eu subo e
percebo que a casa é nada sem a sua presença. Aquele cara que quando eu me queixo
de dor de cabeça, ele finge que vai tirar a dor, apertando um ponto no meio da minha
testa e outro na coluna porque (ele me explica) ambos convergem para o
meridiano tântrico que faz expandir a força em direção ascendente até o 7º
Chakra, localizado no topo da cabeça.
O que é um amor? Para mim é aquilo
que chega pra gente “sempre mais do que vem nos milagres”. Agora consigo
entender melhor este verso de Cecília Meireles.
Contudo, só tive mesmo a certeza de
que era de fato o amor de minha vida quando há muito saboreamos um café com pão
assistindo ao por do sol em certa hora benfazeja da tarde. Senti uma felicidade
que pulsava tão forte no meu peito que pensei que estava morrendo do coração.
Nunca a vida me pareceu tão simples, tão certa, tão plena, tão perfeita! Fechei
os olhos para reter aquele momento mágico e guardar no recanto mais secreto de
minha alma. Era o meu amor que entrou em minha vida, ousado e gentil,
alimentando minha devastada carência, minha alma e corpo sequiosos de amor. Só
me lembro que tive uma imensa vontade de chorar de ternura. Entendi que isso
devia ser o que dizem ser o tal do amor.
E quando chega certa hora benfazeja
da tarde, eu me quedo, encantada, e assisto aos últimos raios do sol que se põe
e ao milagre do dia que se torna noite sem que a gente nunca perceba e me sinto
despudoradamente feliz, pois que tenho um amor.
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