sexta-feira, 7 de setembro de 2018

DORES DE ALMA


            Não é uma nem duas vezes que me sento em frente ao computador e não sei sobre o que escrever. Não é fácil não, gente, já disse isso. Milhares de assuntos bombardeando minha mente e de repente hesito, não gosto, não está bom, falta algo. E depois alguém me fala: você escreve tão fácil, como se estivesse falando com a gente. Fácil? Quem falou? Quem assiste a um espetáculo de balé se encanta com a graciosidade e a leveza da bailarina, mas não conhece seus pés. Palavra de honra, como dizia minha mãe, que quando alguém me encomenda um texto parece até que é mais fácil escrever. É fato que também sofro do martírio da página em branco.
No entanto há dias em quem acordo e simplesmente escrevo como se tudo já estivesse pronto. Vírgula por vírgula. Estranho né? Mas a crônica é algo simples. Como já dizia Drummond, não há necessidade de comprovação científica dos fatos, a crônica é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. É o parecer simples de quem apenas sente ou pensa. Já um conto requer astúcia, um romance então, nem me fale.
            Algumas vezes leio meus autores preferidos e me sinto impelida a escrever. Para mim não há uma leitura que não suscite uma escritura. De outras vezes eu coloco uma música enquanto tento convencer as palavras a dar o ar da graça, e hoje eu estou ouvindo Pino Donaggio “Yo che non vivo senza te”. Gente, esta música é de 1965, pasmem os jovens! E eu acho tão triste, mas tão triste! Por que? Porque eu deixava minha meninice para sempre e tateava minha nova fase na vida num voo às cegas. Era preciso seguir em frente de qualquer maneira. Mas o pior ainda não havia acontecido. Ainda tínhamos nossa casa em Pedralva. Estávamos eu, Agueda e papai na casa da vovó. Meu pai trabalhava agora em Itajubá e nós já estávamos estudando no Colégio das Irmãs. Nos finais de semana voltávamos para nossa casa e eu me sentia a salvo. Por alguma razão que não me lembro apenas eu fui para Pedralva. Papai e Agueda ficaram aqui. E lá constatei com horror que não havia mais a casa, havia, mas não era mais nossa. Demorou pra ficha cair. Outras pessoas já ocupavam aquela casa que era uma parte essencial de mim. Minha sensibilidade não dava conta de segurar aquela perda. Aquela casa e aquela cidadezinha corriam pelas minhas veias. Aqueles sonhos infantis se passaram ali, minha primeira visão de mundo gente! Segui em frente pela vida como quem perdeu uma batalha ou mesmo a guerra. Mas isso é outra história para outro dia.
            Naqueles dias de 1965 e na casa de minha avó, eu ouvia “Yo che non vivo senza te” o dia inteiro nas rádios. E mesmo sabendo que passávamos por uma fase difícil sem dinheiro, eu pedi a meu pai para me dar o compacto. Ele me perguntou: quanto é filhinha?(Ele sempre nos chamava de filhinhas). Eu sabia e lhe disse: 2.500 cruzeiros, acho que era isso naquela época. Ele ficou meio aborrecido. Eu não insisti. Quando chegou pela tardinha, ele me deu o dinheiro. Saí exultante, com o coração disparado e fui comprar o compacto. Meu disquinho, minha música preferida. Não me importei com o que fez falta para ter o que queria. A gente quando jovem é egoísta assim mesmo. Agora que falo nisso, meus olhos ameaçam marejar porque sinto falta de meu querido pai. Tenho bem mais idade agora do que ele tinha naquela época e a velhice, querendo a gente ou não, traz todos os dias pacotes de lembranças. A tragédia da velhice não consiste no fato de ser velho, mas no fato de haver sido jovem. Ado-ra-ria que esta frase fosse minha, mas é do Oscar Wilde.
            Numa noite de dia de semana ele nos levou, a mim e a Agueda num parque por perto e perguntou se queríamos andar de roda-gigante. Fomos nervosas e alegres. Nunca vou me esquecer de quando chegávamos lá no alto e eu o via lá embaixo, magro, sempre calado. Talvez ele se sentisse pior do que eu, mas nunca conversamos sobre isso. Ele não saberia do que nem como falar, ainda não sabíamos da cura pela fala.
Como tudo foi difícil, meu Deus! Ninguém sabe. Como a bailarina, ninguém conhece meus pés. Eu odiava a cidade, odiava o colégio, odiava a vida. Eu entrava na minha amarga adolescência. Prefiro a dor da artrose e do nervo ciático do que as dores da alma. Naquela época eu sofria de fibromialgia da alma, do corpo, da raiz dos cabelos aos pés. Tudo doía. Oh vida! Minha mãe tinha razão. Sem me abraçar porque isto não era o costume da época, ela me dizia: quando você for mais velha, vai ganhar sabedoria, vai saber ver a vida com outros olhos. Valeu mãe!                 

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