Não é uma nem duas vezes que me
sento em frente ao computador e não sei sobre o que escrever. Não é fácil não,
gente, já disse isso. Milhares de assuntos bombardeando minha mente e de
repente hesito, não gosto, não está bom, falta algo. E depois alguém me fala:
você escreve tão fácil, como se estivesse falando com a gente. Fácil? Quem
falou? Quem assiste a um espetáculo de balé se encanta com a graciosidade e a
leveza da bailarina, mas não conhece seus pés. Palavra de honra, como dizia
minha mãe, que quando alguém me encomenda um texto parece até que é mais fácil
escrever. É fato que também sofro do martírio da página em branco.
No
entanto há dias em quem acordo e simplesmente escrevo como se tudo já estivesse
pronto. Vírgula por vírgula. Estranho né? Mas a crônica é algo simples. Como já
dizia Drummond, não há necessidade de comprovação científica dos fatos, a
crônica é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. É o parecer
simples de quem apenas sente ou pensa. Já um conto requer astúcia, um romance
então, nem me fale.
Algumas vezes leio meus autores
preferidos e me sinto impelida a escrever. Para mim não há uma leitura que não
suscite uma escritura. De outras vezes eu coloco uma música enquanto tento
convencer as palavras a dar o ar da graça, e hoje eu estou ouvindo Pino
Donaggio “Yo che non vivo senza te”. Gente, esta música é de 1965, pasmem os
jovens! E eu acho tão triste, mas tão triste! Por que? Porque eu deixava minha
meninice para sempre e tateava minha nova fase na vida num voo às cegas. Era
preciso seguir em frente de qualquer maneira. Mas o pior ainda não havia acontecido.
Ainda tínhamos nossa casa em Pedralva. Estávamos eu, Agueda e papai na casa da
vovó. Meu pai trabalhava agora em Itajubá e nós já estávamos estudando no
Colégio das Irmãs. Nos finais de semana voltávamos para nossa casa e eu me
sentia a salvo. Por alguma razão que não me lembro apenas eu fui para Pedralva.
Papai e Agueda ficaram aqui. E lá constatei com horror que não havia mais a
casa, havia, mas não era mais nossa. Demorou pra ficha cair. Outras pessoas já
ocupavam aquela casa que era uma parte essencial de mim. Minha sensibilidade
não dava conta de segurar aquela perda. Aquela casa e aquela cidadezinha
corriam pelas minhas veias. Aqueles sonhos infantis se passaram ali, minha
primeira visão de mundo gente! Segui em frente pela vida como quem perdeu uma
batalha ou mesmo a guerra. Mas isso é outra história para outro dia.
Naqueles dias de 1965 e na casa de
minha avó, eu ouvia “Yo che non vivo senza te” o dia inteiro nas rádios. E
mesmo sabendo que passávamos por uma fase difícil sem dinheiro, eu pedi a meu
pai para me dar o compacto. Ele me perguntou: quanto é filhinha?(Ele sempre nos
chamava de filhinhas). Eu sabia e lhe disse: 2.500 cruzeiros, acho que era isso
naquela época. Ele ficou meio aborrecido. Eu não insisti. Quando chegou pela
tardinha, ele me deu o dinheiro. Saí exultante, com o coração disparado e fui
comprar o compacto. Meu disquinho, minha música preferida. Não me importei com
o que fez falta para ter o que queria. A gente quando jovem é egoísta assim
mesmo. Agora que falo nisso, meus olhos ameaçam marejar porque sinto falta de
meu querido pai. Tenho bem mais idade agora do que ele tinha naquela época e a
velhice, querendo a gente ou não, traz todos os dias pacotes de lembranças. A
tragédia da velhice não consiste no fato de ser velho, mas no fato de haver
sido jovem. Ado-ra-ria que esta frase fosse minha, mas é do Oscar Wilde.
Numa noite de dia de semana ele nos
levou, a mim e a Agueda num parque por perto e perguntou se queríamos andar de
roda-gigante. Fomos nervosas e alegres. Nunca vou me esquecer de quando
chegávamos lá no alto e eu o via lá embaixo, magro, sempre calado. Talvez ele
se sentisse pior do que eu, mas nunca conversamos sobre isso. Ele não saberia do
que nem como falar, ainda não sabíamos da cura pela fala.
Como
tudo foi difícil, meu Deus! Ninguém sabe. Como a bailarina, ninguém conhece
meus pés. Eu odiava a cidade, odiava o colégio, odiava a vida. Eu entrava na
minha amarga adolescência. Prefiro a dor da artrose e do nervo ciático do que
as dores da alma. Naquela época eu sofria de fibromialgia da alma, do corpo, da
raiz dos cabelos aos pés. Tudo doía. Oh vida! Minha mãe tinha razão. Sem me
abraçar porque isto não era o costume da época, ela me dizia: quando você for
mais velha, vai ganhar sabedoria, vai saber ver a vida com outros olhos. Valeu
mãe!
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