Hoje
meu pai faria 100 anos. Melhor dizendo, hoje meu pai faz 100 anos no Céu. Falar
sobre ele já me faz transbordar em lágrimas de saudades. Dizem que o tempo cura
as ausências. Tudo bem. Mas esquecer? Jamais. Como esquecer você sempre lá,
nunca cobrando nada, só feliz com nossa presença. Como esquecer seus adjetivos,
“formidável, superior, estupendo”? Como esquecer sua gentileza?
Mas não quero me lembrar com
tristeza. Quero me lembrar dos momentos alegres. Meu pai era caçador. Naquela
época isso era permitido. Nos feriados, ele era caçador sim, de andar de roupa
de caçador com espingarda, cantil e sempre com as perdigueiras com ele. No
final do dia ele trazia algumas codornas que minha mãe preparava para o jantar.
Às vezes ele ia de ônibus para outra cidade para se encontrar com um amigo para
as caçadas e levava a espingarda do seu lado, sem balas, é claro. Mas mesmo
assim, que tempos aqueles!
Nos meus oito anos meu pai foi caçar
em Mato Grosso com dois amigos, o Wilson, pai da Irani e mais um de quem não me
lembro. Chegou a notícia de que estavam presos, os três. Foi qualquer coisa com
relação à licença para as espingardas que levavam. Era época de paz, tudo era
resolvido. Entretanto, nós os filhos, ficamos apreensivos porque éramos
crianças e passava um fio de medo, será que meu pai voltaria? Minha mãe, se
dependesse dela, nada era grave, sempre vinha com o seu “ora gente, que
bobagem”, fazendo parecer que tudo daria certo na vida.
Bem, aí ficamos dias sem notícias do
pai. Certo dia estávamos almoçando, todos nós, os filhos e minha mãe. Eu me
lembro que era um almoço silencioso quando, sem mais nem menos, na maior
surpresa, meu pai pulou para dentro de nossa copa, gritando e assustando todo mundo.
Ele entrou em casa pé por pé para ninguém desconfiar. Foi a maior gritaria e
alegria, pulávamos em seu pescoço, ele estava barbudo e cheirava mal, ai que
saudade do meu pai! Minha mãe feliz, tão linda, “ora gente, que bobagem”, dessa
vez tudo deu certo. Éramos crianças, felizes. O mundo era mágico e a vida era
bela. Era minha inocência intacta e genuína, minha feliz vida de menina. Que
saudades do meu pai!
Bem,
todos se vão. Todos passarão, todos passaremos, mas meu pai, “passarinho”,
emprestando esta delicadeza de Mario Quintana. Eu só queria ouvir mais uma vez
que fosse, ele me chamando de “filhinha” como era seu costume. A morte devia
ser proibida para os homens bons, mas aí está você encantado em alguma estrela,
na grande festa no Céu, acompanhado de seus irmãos e de seus pais, posso até
ver sua alegria. Imagino que se pudesse lhe perguntar, “então pai, como é aí?”
“Filhinha, aqui é SUPERIOR, você me responderia.
A
foto mostra meu pai, nós, os filhos, o Fernando com manga na boca, e todos com
os filhotinhos da Joia. Falta a Raquelzinha, a “filhinha” caçula que devia
estar a caminho. A vida é pequena para caber tanta ternura.
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