E
aqui estou eu no primeiro dia de março para dizer alguma coisa. Meu marido
passou por mim todo sujo de massa corrida e eu, empolgada, disse a ele: hoje é
o primeiro dia de março! Ele se virou para mim com uma cara de quem diz:
realmente deve ser um dia importante para um comunicado tão assombroso. Sorri.
Todo dia é importante, a gente é que não percebe. Vai ser carnaval né? Nunca
fui de carnaval e ainda que tenha empregado muitas tentativas para me
entusiasmar, não passaram de vãs tentativas. Então como sempre, aqui estou
rodeada de café, livros, os preferidos, aqueles a que sempre torno para reler
preciosidades e me encantar. Para variar me debruço sobre a poesia que permeia
os escritos de Saramago.
Como
ontem já havia lido algo a respeito de sonhos que não se concretizam e também como
acredito que muitas pessoas, inclusive a autora que escreve este artigo, devam
carregar pelo menos um sonho que não passou de sonho, ouso contar a história
que Saramago contou: menino nos anos 30, como todos os outros, gostava de
pescar. Pobre que era, tinha uma “cana vulgar com o anzol, a chumbada e a boia
de cortiça atados ao fio de pesca”, nada de artefatos modernos. Nunca havia
pescado mais do que alguns poucos peixinhos, “capturas” simples.
A
história é grande, mas para resumir, já findava o dia, quando o menino sentiu
uma violenta puxada indicando que um grande peixe mergulhava ferozmente
tentando se livrar do anzol e quase arrancando a cana de suas mãos. Saramago
puxou a cana, foi puxado, mas a luta não durou muito, logo o peixe sumiu
levando tudo, anzol, boia e a tal da chumbada. Desesperado, sem conseguir
acreditar que o maior peixe do mundo havia escapado de suas mãos, ficou em
estado de choque até que lhe ocorreu voltar à casa da avó e regressar para
ajustar contas com o monstro. Acontece que a casa dos avós ficava a mais de um
quilômetro do rio onde se encontrava, mas ele tinha a disparatada esperança de
que o peixe ficasse ali à espera. Contra toda a razão e bom senso, disparou a
correr, atravessou olivais para fazer atalhos, irrompeu pela casa da avó
preparando outra cana e apetrechos. A avó perguntou-lhe se ele realmente
acreditava que o peixe ainda estaria lá, mas ele não quis ouvir, não podia
ouvir. Voltou, o sol já ameaçava sumir, lançou o anzol e esperou. Só silêncio.
Um silêncio de que ele nunca se esqueceu. Ali ficou até tarde quando por fim,
com a tristeza na alma, enrolou a linha e voltou para casa. Aquele peixe
certamente não morreria fácil, mas um dia seria pego por alguém. Entretanto, de
qualquer maneira, o menino obstinado foi surpreendido por um sentimento de
realização e de vitória. O maior peixe do mundo com o anzol enganchado nas
guelras levaria para sempre a sua marca, o peixe era seu.
Portanto,
se você tem um sonho, não pode ser só um sonho. Tem que ter luta, batalhas e
guerra, sangue, suor e lágrimas. Você tem que lutar por ele. Tem que percorrer dez
quilômetros até à casa de sua avó, tem que preparar outra cana, anzóis e
chumbadas quantas forem necessárias, tem que fazer ouvidos moucos a quem queira
fazer você desistir de seu sonho. Tem que fazer o caminho de volta, e esperar.
Se o peixe foi embora, não importa. O importante é o sonho, o importante é
saber que você deu tudo de si para alcançá-lo. A energia que vem deste sonho e
desta luta é o que o mantém vivo.
Há
momentos em que temos que lançar fora a razão e o bom senso e nos deixar guiar
por uma força tão poderosa quanto cheia de mistério, sentir a adrenalina agir no
sangue até o limite da inconsciência. Meus sonhos sempre foram assim, ainda que
não tenham sido realizados. Intensos ou nada. Assim tem que ser, a menos que
você se contente com uns meros peixinhos.
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