Por
esses dias presenciei uma cena que me comoveu. Estava em um determinado lugar
onde apareceu uma mulher e um rapaz. A senhora perguntou à moça que me atendia
o nome e o contato de outra moça porque ela queria oferecer o bercinho e o
carrinho de um bebê que mal chegou a usá-los. Aquilo soou como um soco no
estômago. A morte de um bebezinho sempre será algo muito triste. O rapaz apenas
olhava para o chão em silêncio, devia ser o pai. Fiquei pensando na mãe olhando
para o bercinho vazio. A senhora falava com propriedade de quem é forte.
Oferecia o berço naturalmente como se fosse um objeto qualquer, mas isso não
significava que ela não sofria. Não. Já aprendi que há um abismo imenso entre
uma dor enterrada no fundo do peito e o que externamos.
Este fato me deixou sem palavras no
momento e teria servido para que eu refletisse um pouco, apenas isso. Teria
passado batido não fosse hoje por uma frase de Mia Couto fazendo uma
comparação: “... devagar, como quem põe flores em caixão.” Como uma cereja traz
outra cereja, lembrei-me do bebezinho. Fico enternecida quando me lembro de
como as pessoas lidam com tanto cuidado com os bebês que morrem ou mesmo
adultos. Fazem tudo com tanta delicadeza como se eles fossem sentir dor, sofrer
ou chorar. O bebezinho trouxe a lembrança de minha mãe tirando os brinquinhos
da pequenina Andreia cuidadosamente como se ela estivesse dormindo ou fosse
acordar. A pequenina Andreia trouxe meus irmãos e meu marido vestindo meu pai
morto, estirado naquela pedra fria do necrotério da Santa Casa, enquanto nós, eu
e minha irmã, em pranto, éramos abraçadas pela prima Inácia e pela amiga
Sandra. E tudo trouxe uma reflexão maior. Este momento de lidar com o corpo sem
vida não suporta palavras, é carregado de um silêncio tácito porque qualquer
coisa que se diga será desnecessária ou imprópria. O que nos move a ter este
cuidado com o corpo que não sente mais dor? É o respeito diante da morte, o
respeito pela pessoa que deixou a vida. É assim mesmo. Cuidamos dos corpos sem
vida como se derramássemos todo nosso amor sobre eles e assim é de fato.
Impossível colocar flores às pressas em um caixão. É o respeito, a despedida
final. É a tarefa final, quando a família dispõe cada flor, tudo delicadamente.
Tudo o que faltou em vida completamos na morte. Diante de uma pessoa querida
estendida sem vida em um caixão trazemos à tona toda sua vida, cada fato
cotidiano, cada riso, cada tristeza. E cada flor simbolizando uma vontade de
dizer alguma coisa que não foi dita, uma ausência imperdoável, uma palavra
áspera que saiu sem querer, enfim, cada flor simbolizando um gesto de amor.
Somos humanos, é impossível viver sem machucar, sem dores e feridas e diante da
morte percebemos que nunca mais poderemos fazer mais nada. E finalmente uma
última cereja apareceu. Lembrei-me de que ao lado de meu pai morto havia um
rapaz falecido e duas irmãs chorando por ele. Abraçamos as moças e nos
confortamos mutuamente. Ali éramos pessoas que sofriam e nossa dor era uma só.
Nunca soubemos quem eram, mas aquele fato ficou registrado. Enfim, a vida é
bonita e muito preciosa, mas muitas vezes ela não me parece bela, nem feia, nem
feliz, nem triste. Muitas vezes a vida é simplesmente difícil.
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