sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A CRÔNICA MAIS BELA

 

 

Certa vez li uma crônica de Rubem Braga em que ele dizia estar com preguiça de escrever. Pudera, ele escrevia diariamente para um jornal do Rio! Tinha uma coluna DIÁRIA, vou repetir, uma coluna DIÁRIA! Isso é muito difícil mesmo até para os grandes mestres! Uma coisa é escrever uma crônica por semana, outra bem diferente é escrever diariamente. Eu que sou uma pobre cronista do interior do sul de Minas, não tenho prazo determinado para entregar nenhuma crônica! Ainda assim fico meio inquieta por passar a semana e nada me ocorrer. O que dirá quem tem que escrever uma crônica por dia? Para dizer a verdade não é todo dia que quero escrever. Bem, então, o Rubem Braga cumpria essa façanha! Como é que ele conseguiu fazer isso por anos a fio, ou seja, escrever diariamente para um jornal? Era um Mestre, sem dúvida. Ao todo em sua vida, ele escreveu cerca de 10.000 crônicas.

Mas aonde quero chegar mesmo é que ele escreveu uma crônica, abrindo o coração, dizendo que, como não tinha absolutamente nada a dizer naquele dia, ele passava o bastão para Pablo Neruda e transcrevia o que ele, Rubem Braga, havia lido num livro do grande poeta chileno. O texto de Neruda é maravilhoso, fiquei profundamente tocada! O que faço agora é imitar a homenagem que ele fez a Neruda, homenageando Rubem Braga. Roubo uma prosa sua que já conhecia, e adorei ler de novo pela sua singeleza, uma joia rara, uma metáfora das mais belas.

 

UM PÉ DE MILHO

Rubem Braga

 

“Os americanos, através de um radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho.

Aconteceu que no meu quintal, em um monte de terra trazido pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim – mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro na frente da casa. Secaram as pequenas folhas, pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo veio um amigo e declarou desdenhosamente que na verdade aquilo era capim. Quando estava com dois palmos veio outro amigo e afirmou quer era cana.

Sou um ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança as suas folhas além do muro – e é um esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de milharais – mas é diferente. Um pé de milho sozinho, em um canteiro, espremido, junto do portão, numa esquina de rua – não é um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas – mas na glória de seu crescimento, tal como o vi em uma noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, as crinas ao vento – e em outra madrugada parecia um galo cantando.

Anteontem aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho pendoou. Há muitas flores belas no mundo, e a flor de milho não será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar como uma força e uma alegria que me fazem bem. É alguma coisa de vivo que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. E eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da rua Júlio de Castilhos.”

 

E eu, Misa Ferreira, finalizo dizendo que a crônica “Um pé de milho” não será a mais rica crônica discutida e citada por entendidos, mas para mim é uma das crônicas mais belas que tive o prazer de ler. Ao refletir sobre a aparente insignificância de um único pé de milho em meio a milhares de outros nos milharais, o autor sem querer ou talvez querendo, também nos convida a refletir sobre o fato de que cada um de nós é apenas uma das oito bilhões de pessoas habitando este planeta. No entanto, como seres humanos somos capazes de produzir frutos valiosos e florescer de acordo com a Santíssima vontade de Deus.

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