Certa
vez li uma crônica de Rubem Braga em que ele dizia estar com preguiça de
escrever. Pudera, ele escrevia diariamente para um jornal do Rio! Tinha uma
coluna DIÁRIA, vou repetir, uma coluna DIÁRIA! Isso é muito difícil mesmo até para
os grandes mestres! Uma coisa é escrever uma crônica por semana, outra bem
diferente é escrever diariamente. Eu que sou uma pobre cronista do interior do
sul de Minas, não tenho prazo determinado para entregar nenhuma crônica! Ainda
assim fico meio inquieta por passar a semana e nada me ocorrer. O que dirá quem
tem que escrever uma crônica por dia? Para dizer a verdade não é todo dia que
quero escrever. Bem, então, o Rubem Braga cumpria essa façanha! Como é que ele
conseguiu fazer isso por anos a fio, ou seja, escrever diariamente para um
jornal? Era um Mestre, sem dúvida. Ao todo em sua vida, ele escreveu cerca de
10.000 crônicas.
Mas
aonde quero chegar mesmo é que ele escreveu uma crônica, abrindo o coração,
dizendo que, como não tinha absolutamente nada a dizer naquele dia, ele passava
o bastão para Pablo Neruda e transcrevia o que ele, Rubem Braga, havia lido num
livro do grande poeta chileno. O texto de Neruda é maravilhoso, fiquei
profundamente tocada! O que faço agora é imitar a homenagem que ele fez a
Neruda, homenageando Rubem Braga. Roubo uma prosa sua que já conhecia, e adorei
ler de novo pela sua singeleza, uma joia rara, uma metáfora das mais belas.
UM PÉ
DE MILHO
Rubem
Braga
“Os
americanos, através de um radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa
de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé
de milho.
Aconteceu
que no meu quintal, em um monte de terra trazido pelo jardineiro, nasceu alguma
coisa que podia ser um pé de capim – mas descobri que era um pé de milho.
Transplantei-o para o exíguo canteiro na frente da casa. Secaram as pequenas
folhas, pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um
palmo veio um amigo e declarou desdenhosamente que na verdade aquilo era capim.
Quando estava com dois palmos veio outro amigo e afirmou quer era cana.
Sou um
ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com
dois metros, lança as suas folhas além do muro – e é um esplêndido pé de milho.
Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de
milharais – mas é diferente. Um pé de milho sozinho, em um canteiro, espremido,
junto do portão, numa esquina de rua – não é um número numa lavoura, é um ser
vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas folhas longas
e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas – mas na glória
de seu crescimento, tal como o vi em uma noite de luar, o pé de milho parecia
um cavalo empinado, as crinas ao vento – e em outra madrugada parecia um galo
cantando.
Anteontem
aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado:
meu pé de milho pendoou. Há muitas flores belas no mundo, e a flor de milho não
será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do
mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar como uma força e uma alegria que
me fazem bem. É alguma coisa de vivo que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé
de milho é um belo gesto da terra. E eu não sou mais um medíocre homem que vive
atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da rua Júlio de
Castilhos.”
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