Que
lição você quando era criança recebeu de um adulto e de que nunca se esqueceu?
Não vou falar das minhas lições, vou escrever sobre uma lição que Saramago
conta em seu livro de memórias. Contou ele que quando era menino de 12 anos
havia uma mulher que era vizinha de seus tios. Importante ressaltar que seus
tios não se davam com a vizinha. Ela era chamada pelo bairro de “a Pezuda”. Saramago
nunca soube qual era seu nome verdadeiro, aquele que estava em sua certidão de
batismo e no registro civil. Para todos, especialmente para as crianças só
havia aquele triste e feio apelido. E a pobre mulher nem podia esconder a razão
do apelido porque naquelas épocas antigas e lugares pobres, ninguém usava
sapatos, fato que meu marido comprova pelo que sua sogra portuguesa contava.
Ela tinha uns sapatos velhos que só usava aos domingos para ir à missa.
Bom,
voltando ao caso, certo dia estava ele sentado à porta da casa, no alto da
escada, e vendo passar a mulher que nunca lhe tinha feito mal algum, disse para
a tia que costurava no interior da casa: “lá vai a Pezuda”. A voz lhe saiu mais
alta do que ele esperava e a mulher ouviu. Lá de baixo, cheia de mágoa e de
raiva, ela lançou impropérios sobre ele, fazendo lembrar sua má educação de
quem nunca tinha recebido nenhum ensinamento sobre respeitar as pessoas mais
velhas. E ainda o ameaçou de que se queixaria ao marido quando ele voltasse do
trabalho.
Saramago
confessou que passou todo o restante daquele dia com palpitações no coração,
estava apavorado porque o tal homem tinha fama de violento. Decidiu sumir até
que acabasse a noite, mas sua tia Maria Elvira percebeu o que se passava e o
impediu dizendo: “À hora de ele vir do trabalho, tu sentas-te na soleira da
porta e ficas à espera. Se ele quiser te bater, eu cá estou, mas tu não arredas
pé”. Essa lição ele levou por toda a vida, fazendo constar de suas memórias.
Ele diz lembrar-se da cor do céu da tarde daquele dia, sentado na soleira e sem
saber o que lhe iria acontecer. Quando era já quase noite, chegou o homem e
subiu para dentro da casa. E não tornou a sair. Saramago nunca soube se a
mulher contou ou não. Se tinha sido generosa com o menino cruel, nada falando
sobre a ofensa que recebera ou se o marido achou que não valia a pena.
Pois
quando a tia foi chamá-lo para a sopa, não havia somente alívio e satisfação em
seus pensamentos. Não. Ele sentia um gosto meio amargo de uma coragem que não
havia sido sua, mas lhe chegara de empréstimo por intermédio da tia. Ele
experimentava um sentimento ou impressão de que alguma coisa faltava a ele, um
puxão de orelha bem dado ou palmadas no lugar devido, ele sabia que merecia
isso. Algo ficou em suspenso naquela noite. Aprendera, afinal, duas lições: a
primeira, a de enfrentar e não fugir de suas responsabilidades, a segunda foi
pensar para toda a vida no respeito que cada pessoa merece e na atitude silenciosa
do casal, mais especialmente daquela mulher tão sofrida.
Talvez
ela tivesse chorado sozinha e refletido sobre a maldade do mundo e das crianças
que são cruéis sim e muitas vezes se tornam adultos mais cruéis ainda, a menos
que tenham sido educados por uma tia de caráter reto como a tia Maria Elvira. A
pobre mulher também nunca soube que o menino aprendera uma dura lição pelo seu detestável
comportamento, nunca soube que naquela mesma noite aquele menino ficara mais
velho e mais amadurecido e ainda que um dia essa história seria contada para o
mundo.
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