sexta-feira, 9 de junho de 2023

CONFISSÕES

 

 

Pelos meus doze anos eu sabia que mudaríamos de cidade, mas não entendi muito bem, afinal aquilo era assunto para os adultos que decidiam nossa vida e assim é e deve ser quando somos crianças. No meu parco entendimento de menina nós continuaríamos com nossa casa em Pedralva. Estarrecida percebi quando voltava da casa de minha avó aqui em Itajubá que outras pessoas já moravam na minha casa, ocupavam meu quarto, subiam a escada de madeira que conduzia ao piso superior, avistavam aquelas esplendorosas montanhas que eu feliz contemplava da janela do quarto de costura,  transitavam por meu quintal, subiam em meus abacateiros, laranjeiras e outras árvores, minhas eternas amigas de infância.

Naquela época, eu, menina ingênua e sonhadora, com uma bagagem de poemas que só nasceriam num futuro distante, então, eu não sabia que aquela cidade e aquelas assombrosas montanhas não seriam mais minhas. Nos meus doze anos, ainda permanecia nos oito, como também mais tarde, nos vinte anos, eu não passava de treze ou quatorze, como sempre, até hoje, nunca tenho a idade que tenho. Tudo ficou parado, atrasado e congelado. Contudo, com algum esforço, ainda trago a menina que derramou copiosamente lágrimas de dor e amargura. Há perdas muito maiores, há tragédias devastadoras, mas naquele momento minha tragédia era meu abandono. Eu não entendia a dor, nem a razão. Meus irmãos exultavam com a aventura da mudança, pulavam de alegria na carroceria do caminhão, e eu soluçava como solucei por dias, semanas e meses. Eu não era como eles. Eu era diferente e não sabia. Ficaram as cicatrizes. Deixamos o passado para trás, mas o passado não nos deixa.  

Como Fernando Pessoa, eu digo que “o que eu sou hoje é terem vendido a casa. É terem morrido todos. É estar eu sobrevivente a mim mesma como um fósforo frio.” Sim, sobrevivi como que agarrando um pedaço de madeira num oceano bravio. Lutei para chegar a alguma terra e viver! Sobrevivi, porém, tive que arrastar sempre comigo os fantasmas de um passado e as lágrimas que de repente brotam em meus olhos, sem que eu possa impedi-las. Sim, o vale de lágrimas existe e mora em alguma fonte do coração que também por bem abriga o amor. Quando as lágrimas transbordam trazem com elas o amor que se derrama prodigamente pelo meu rosto e pela minha vida. E eu sorrio como estou sorrindo agora no momento em que digito essas palavras. Sorrio, como nunca deixei de sorrir, felizmente! 

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