quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

DEUS É DEUS

 


 

Por total falta de assunto para o momento, lá vou eu tomar emprestadas palavras de outros. Quem duvidar que duvide. Quem é que pode ainda ter assunto com tanta coisa triste, meu Deus! Eu não. Mas aí está o assunto: Deus. Tem gente que acredita, tem gente que não. Tem gente que tem medo de Deus e tem gente que ama Deus. Minha mãe era uma eterna apaixonada por Deus. Era sair o assunto e ela dizia: Que beleza! Que beleza! A vida toda ela foi assim, sem duvidar, mesmo sofrendo, vertendo todas as lágrimas, com tudo atestando que Deus podia ou não podia fazer isso ou aquilo, ela sempre foi a fiel enamorada. É fácil confiar em Deus quando tudo vai bem, mas quando o bicho pega, é dura prova confiar. Santa Teresa dizia que Deus permite as tempestades em nossa vida para sermos fortalecidos. Deus é Deus. A gente tenta e teima em ser feliz, mas Deus sempre fez e faz tudo como sempre quis.

Quando meu avô morreu, um avô que eu nem conheci, minha mãe estava aqui em Itajubá com seu irmão mais novo. Depois do sepultamento, eles voltaram para Caxambu com malas pesadas porque não mais morariam em Itajubá, para dizer a verdade, não sei a verdadeira razão. Só sei que pela morte do meu avô, eles voltaram para Caxambu com malas pesadas e muito pouco dinheiro. E antes do trem partir, subiu um moço muito alegre vendendo cocadas. Meu tio pediu que ela comprasse, ela comprou uma cocada pra ele e outra pra ela. Saborearam, lambendo os dedos. Ainda antes do trem partir subiu outro moço, este não vendia nada, pedia, pelo amor de Deus, uma esmola. Era jovem, mas muito pobre, devia estar com fome.

Minha mãe abriu a carteira e deu os últimos tostões para o moço. Meu tio ficou só olhando e perguntou: Zezé, você tem mais dinheiro, não tem? E ela respondeu que não, que havia comprado as cocadas e dado o restante que era um tiquinho de nada para o moço. Meu tio brigou, xingou, falou das malas pesadas, e que nem uma carroça eles poderiam pagar. Ela apenas respondeu: Deus proverá! No fundo da alma, ela não tinha certeza, mas confiava. Pois bem, quando lá chegaram, assim que desceram do trem, logo viram a namoradinha do meu tio acenando para ele. Meu tio queria morrer! E agora, ela vai saber que não temos dinheiro nem para uma carroça, ao que minha mãe respondeu: ela já sabe, sempre soube!

Então, a moça chegou alegrinha e contou que estava com o tio, recém chegado do Rio e que estavam de carro. Onde estão as malas? Ela perguntou. Logo, o tio chegou todo alegre de mangas arregaçadas e já foi carregando as malas junto com meu tio. Quando chegaram no carro, minha mãe não podia acreditar! Era um “Coupe Deville” (faz de conta) muito chique. Minha mãe estava encantada! Acariciou a lataria do carro e disse baixinho assim: Querido Deus, obrigada! Não precisava exagerar tanto!

E Deus é exagerado mesmo!  E é exatamente aqui que tomo emprestadas as palavras do cronista da década de 50, Antonio Maria, palavras que não eram exatamente dele, mas que, tal como eu, tomou emprestadas de outros escritores daquela época. Havia um tal de Jayme Ovalle, que não tenho a mínima ideia de quem quer que fosse, que era muito querido pelos escritores famosos da época, aliás, foi Fernando Sabino quem levou Antonio Maria à casa de Ovalle. Bem, contavam que “um amigo de Ovalle gostava de provocar seu pronunciamento católico sobre coisas de igreja e de Deus. Na época do Congresso Eucarístico, esse amigo perguntou o que Ovalle achava dos excessos de ouro e púrpura dos altares. E Ovalle explicou: ‘você já viu um amanhecer? você já viu o sol que faz de manhã? (ao que eu, Misa, acrescento – você já viu um pôr do sol? Você já admirou a abóboda celeste?) Deus é assim. Deus sempre foi um exagerado, meu filho!”

Continuando as palavras de Antonio Maria, “esse mesmo amigo, dias depois queria saber: Ovalle, Deus gosta de você? E Ovalle respondeu: acho que não. Sou o carcereiro de Deus. Ele está preso no meu coração”.

A história da cocada e dos últimos tostões é verdadeira, eu própria ouvi minha mãe contar e recontar inúmeras vezes. E Deus faz coisas muito mais grandiosas, milagrosas, maravilhosas e impossíveis para nós pobres. Ovalle, que nunca conheci, e minha mãe sabiam disso.

Não sei quanto a vocês, eu achei lindo isso do tal Ovalle amando tanto a Deus! Eu ainda preciso de coisas palpáveis, como clama minha pobre humanidade. No entanto me dói a saudade de coisas do espírito, pois eu sempre quis e cri que Deus existisse e me corrigisse tão logo eu caísse. Sem problemas, Deus é Deus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário