Então,
a mulher finalmente se decidiu por uma cirurgia plástica. O médico observava
com atenção seu rosto, puxando de um lado, de outro, esticando um olho mais
para cima, depois o outro. Pegou uma máquina fotográfica e bateu fotos de
frente e de perfil. Depois disso, ele passou essas fotos em uma tela grande da
parede de seu consultório, e foi explicando os detalhes que ele como um perito
no assunto, julgava que deveriam ser alterados para melhorar o aspecto do rosto
da jovem senhora.
É
claro que ela já tinha visto milhares de fotos de seu rosto e de seu corpo,
aliás, o que a fez procurar um cirurgião plástico foi justamente por constatar
em filmes caseiros e fotos e espelhos sinceros, o quanto estava envelhecida.
Entretanto, aquela tela grande assim, quase obscena, escancarava o seu rosto. E
foi aí que ela se estranhou. Enquanto o médico falava, ela se perguntava,
estarrecida, quem seria aquela simpática senhora com pés de galinha, olhos
cansados e outros tantos vincos espalhados ao redor da boca. Não podia ser ela,
não devia ser ela. É que por dentro ela carregava tantas outras de outras
épocas, algumas felizes, outras sofridas.
Mas aquele rosto não parecia ser o dela. Talvez fosse pela tela grande demais,
não sabia ao certo. O que sabia, com certeza, é que não se reconhecia ali
naquela foto. De qualquer forma, ficaram acertados assim, ela ia pensar e
depois confirmaria.
Quando
saiu da clínica, sem nenhum espelho nem tela onde pudesse se ver, a mulher se
sentiu melhor e pensou que o mundo seria bem mais fácil se não existissem os
espelhos. Agora sim, sou eu, constatou. O seu eu real estava em algum lugar recôndito
e bem mais sólido do que em sua duvidosa e frágil imagem física. A de dentro,
ou a outra, a invisível, a que não se podia pegar, nem esticar, esta sim era
sua velha e adorável conhecida. Ali conviviam juntas a menina, a mocinha, a
jovem, a mulher e a senhora. A menina, ah, essa era impossível, não podia
contê-la, não sossegava nunca, era travessa, alegre e inquieta. A mocinha, bem,
era bobinha, tímida e contida. Já a jovem, era audaciosa, mas sensível demais, querendo
sempre agradar aos outros e sempre se ferrando. A mulher, já não era sem tempo,
era mais madura, ponderava mais, pensava mais. A senhora, essa, definitivamente
não sabia como se comportar, pois percebeu que existiam muitas dentro dela e
não conseguia conciliar tantas. Ela riu sozinha de seus pensamentos tão malucos.
Já dentro do carro, temeu olhar pelo espelho retrovisor, não sabia quem iria
encontrar ou qual imagem estranharia.
Uma
coisa era certa: ela sabia agora que era bem mais do que estava visível. Não
gostava do aspecto cansado, da implacável velhice, mas não havia outro remédio
senão encarar a si própria com bondade e simpatia. Talvez uma cirurgia fosse algo
bom, talvez pudesse trazer alguma satisfação, porém sabia que seria momentânea,
uma euforia até perigosa. O que valia mesmo, digamos que, a confiável, era aquela
que não se podia ver, mas que existia intrepidamente sob camadas de tantas de
si. Eu sou a outra, a jovem senhora pensou, um tanto triste, porém encantada.
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