sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

As tantas outras





Então, a mulher finalmente se decidiu por uma cirurgia plástica. O médico observava com atenção seu rosto, puxando de um lado, de outro, esticando um olho mais para cima, depois o outro. Pegou uma máquina fotográfica e bateu fotos de frente e de perfil. Depois disso, ele passou essas fotos em uma tela grande da parede de seu consultório, e foi explicando os detalhes que ele como um perito no assunto, julgava que deveriam ser alterados para melhorar o aspecto do rosto da jovem senhora. 
É claro que ela já tinha visto milhares de fotos de seu rosto e de seu corpo, aliás, o que a fez procurar um cirurgião plástico foi justamente por constatar em filmes caseiros e fotos e espelhos sinceros, o quanto estava envelhecida. Entretanto, aquela tela grande assim, quase obscena, escancarava o seu rosto. E foi aí que ela se estranhou. Enquanto o médico falava, ela se perguntava, estarrecida, quem seria aquela simpática senhora com pés de galinha, olhos cansados e outros tantos vincos espalhados ao redor da boca. Não podia ser ela, não devia ser ela. É que por dentro ela carregava tantas outras de outras épocas, algumas felizes, outras  sofridas. Mas aquele rosto não parecia ser o dela. Talvez fosse pela tela grande demais, não sabia ao certo. O que sabia, com certeza, é que não se reconhecia ali naquela foto. De qualquer forma, ficaram acertados assim, ela ia pensar e depois confirmaria.
Quando saiu da clínica, sem nenhum espelho nem tela onde pudesse se ver, a mulher se sentiu melhor e pensou que o mundo seria bem mais fácil se não existissem os espelhos. Agora sim, sou eu, constatou. O seu eu real estava em algum lugar recôndito e bem mais sólido do que em sua duvidosa e frágil imagem física. A de dentro, ou a outra, a invisível, a que não se podia pegar, nem esticar, esta sim era sua velha e adorável conhecida. Ali conviviam juntas a menina, a mocinha, a jovem, a mulher e a senhora. A menina, ah, essa era impossível, não podia contê-la, não sossegava nunca, era travessa, alegre e inquieta. A mocinha, bem, era bobinha, tímida e contida. Já a jovem, era audaciosa, mas sensível demais, querendo sempre agradar aos outros e sempre se ferrando. A mulher, já não era sem tempo, era mais madura, ponderava mais, pensava mais. A senhora, essa, definitivamente não sabia como se comportar, pois percebeu que existiam muitas dentro dela e não conseguia conciliar tantas. Ela riu sozinha de seus pensamentos tão malucos. Já dentro do carro, temeu olhar pelo espelho retrovisor, não sabia quem iria encontrar ou qual imagem estranharia.

Uma coisa era certa: ela sabia agora que era bem mais do que estava visível. Não gostava do aspecto cansado, da implacável velhice, mas não havia outro remédio senão encarar a si própria com bondade e simpatia. Talvez uma cirurgia fosse algo bom, talvez pudesse trazer alguma satisfação, porém sabia que seria momentânea, uma euforia até perigosa. O que valia mesmo, digamos que, a confiável, era aquela que não se podia ver, mas que existia intrepidamente sob camadas de tantas de si. Eu sou a outra, a jovem senhora pensou, um tanto triste, porém encantada. 

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