quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O CASO DA MULA EMPACADA





Ouvi isso de minha mãe que ouviu de seu pai. O caso foi mais ou menos o seguinte: meu avô, lá pelos tempos primeiros do século XX, despediu-se de sua mãe, ao sair para conduzir uma tropa. Seguia com ele o Dito preto, fiel amigo e sócio no negócio das tropas. Levavam diversas mulas para outro sítio. Como todos eram muito religiosos, mas muito mesmo, todos eles, e aquela época muito mais piedosa que a de hoje, meu avô pediu a benção da mãe, que lhe respondeu: vai com Deus, meu filho, e que Nossa Senhora te acompanhe e te ajude. Pois bem, isso era cumprimento normal, ainda é, mas já nem tanto. E foram, e foram. Subiram serras, desceram outras serras, pararam para comer e dar de comer e beber à tropa. Quando pela tardinha, subiam mais uma serra, uma das mulas empacou. Nada, nada fazia a mula andar. Meu avô, que já tinha prática no ofício, fez de tudo ao seu alcance para fazer a mula sair do lugar. O Dito veio, fez de tudo também e a mula, nada. Começava a escurecer e não havia jeito. Como deixar a mula pra trás? Enquanto pensava, meu avô decidiu que era melhor que o Dito fosse com as outras mulas para não atrasar e ele ficou mais um pouco, quem sabe a mula teimosa descansava um tanto e resolvia andar.
Agora, já quase céu escuro e as primeiras estrelas apontavam. A mula, decidida a não mais andar, fincou os pés no chão. Não houve agrado, nem relho, nada, nada. Meu avô já ia fazer o que devia, que era ir embora sem a mula, pois não estava disposto a passar a noite naquele ermo de montanha, sem alma viva que não fosse a sua. Virou as costas e começou a subir sozinho quando ouviu aquele comando conhecido que todos fazem para tocar cavalos ou mulas, vamooooooooooo, seguido daquele som que se parece com vários beijos jogados assim, digamos, rudemente, quando se aperta bem os lábios e sai um ruído de beijo estalado. Foram uns três comandos e a mula saiu do lugar mansamente e começou a andar. Meu avô sentiu os cabelos da nuca eriçarem, arrepiou-se todo, sabia estar sozinho com a mula. Morrendo de medo, virou-se, com a esperança de que fosse o Dito preto que tivesse voltado, não havia ninguém. E a mula seguia. E seguiram os dois, completamente sozinhos naquela imensidão de serra e silêncio. Um pouco mais adiante, ele começou a galopar e a mula o seguiu sem problemas.

Dois dias mais tarde, quando já estava de volta à fazenda de onde havia saído, relatou à sua mãe o acontecido. Ela, naquela certeza sem espantos, própria de quem já viveu e viu de tudo, disse a ele, foi Nossa Senhora, não tá lembrado quando saiu daqui e eu te encomendei a elaHomem de pouca fé!

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