Dia 2 fui ao cemitério com minha
tia. Lá diante do túmulo da família, fizemos preces, desfiamos lembranças sobre
nossos falecidos, e filosofamos como todos fazem. Aliás, já dizia Nietzche que
todo mundo deveria morar com sua janela dando para o cemitério para nunca se
esquecer de que a morte existe, e que virá para todos. Isso é filosofar e
também já dizia Montaigne que “filosofar é aprender a morrer.” Bem, acho que
quase ninguém aprende a morrer porque isso não é lá coisa que se faça todo dia,
quero dizer, ninguém morre todo dia. Pode-se preparar bem na teoria, mas na
prática ninguém sabe e bem poucos querem morrer. Irônico, Woody Allen afirmava
ser radicalmente contra a morte, e acrescentava que não é que ele tivesse medo
da morte, é que ele não queria estar lá na hora que isso acontecesse.
Voltando
ao cemitério, no início da missa já me emocionei, não conseguia cantar porque o
choro silencioso chegou e travou meus lábios, meus olhos marejaram. Lembrei-me
de que acompanhei minha mãe muitas vezes nessa missa no cemitério, ali mesmo
onde estávamos. Ela, eterna enamorada de Deus, realmente não temia a morte, não
só não temia como desejava morrer “para estar com Ele”, dizia ela. Certa vez,
teve que ser operada urgentemente por um erro médico acontecido no Hospital
Albert Einstein, onde ela tinha ido fazer um exame. Já tinha o corpo quase sem
vida quando foi levada numa maca às pressas para a sala de cirurgia. Ela nos
contava que percebeu que era grave e que ia morrer. Então, fraca como estava,
foi cantando baixinho entre os lábios músicas de louvor a Deus. Estava feliz e
emocionada por saber que sua hora havia chegado. Mas de repente lembrou-se dos
filhos e preocupou-se porque ninguém ainda estava encaminhado, mas por fim jogou
tudo pro alto e não abriu mão de seu encontro com Deus. Pobre mãe, ainda não
era sua hora, teria ainda que passar por muitas dores e aflições.
Bem,
o que é a morte? Rubem Braga dizia que achava na ideia da morte um grande
consolo. Meu marido sempre repete o que seu pai dizia sobre a morte não ser um
problema, mas solução. Santa Teresinha de Lisieux dizia que a morte não é
nenhum espectro medonho como pintam os artistas. Minha irmã diz que a morte é
libertação, G.Rosa dizia que a morte é a cura final. Meu amigo escritor Marcio
Leite diz que a morte é o Grande Silêncio, e eu digo que a morte é a Grande
Saudade para os que ficam. Diante de meus pais mortos e também diante de uma
grande amiga que perdi, eu me impressionava com seu grande silêncio, o
inominável e doloroso silêncio. E eu pensava, para onde teriam ido a voz, o
jeito de falar, o riso, o brilhantismo de todos eles? Silêncio. Eles não
estavam mais ali. É que nossa natureza é ainda humana, a matéria de que somos feitos
é frágil, somos carne, sangue, ossos e sentimentos, emoções. Nossos olhos
derramam lágrimas de alegria e de tristeza. Ainda somos eternos contraditórios humanos
e vivemos nas primeiras coisas que ainda não passaram.
“O
medo da morte nos impede de viver bem”, leio agora o filósofo Luc Ferry
(Aprender a Viver). Diz ele que os grandes corruptores de nossa felicidade são
a nostalgia, a culpa e o arrependimento que moram no passado. Por outro lado, o
futuro também nos assombra com preocupações. A morte é real, e o medo é humano,
faz parte da natureza humana. Filosofar é bom, mas sem morbidez. E não nos
esqueçamos de que a vida, mesmo tão rápida e fugaz é surpreendente e nos
oferece infinitas possibilidades, frase que li numa mensagem de um amigo e não
me lembro do nome do autor. Assim, devemos nos alegrar pela vida sempre
fugidia, mas ao mesmo tempo tão misteriosa, tão bonita e tão inteira. E por
último, fazer dessa vida breve algo tão intenso que valha a pena, afinal antes
de aprender a morrer devemos aprender a viver.
As pessoas mais simples são as que vivem mais
intensamente e sabem filosofar com sabedoria. Saramago nos revelou em suas “Pequenas
Memórias” : “Tu estavas, avó, sentada na soleira da tua porta, aberta para a
noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabias e por onde nunca
viajarias, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e disseste,
com a serenidade dos teus noventa anos e o fogo de uma adolescência nunca
perdida: ‘O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer.’ Assim mesmo.
Eu estava lá.” Lindo! Felizmente isso a literatura pode fazer por nós: pode nos
emocionar com os poemas e crônicas poéticas. Muitas vezes acho a vida triste,
mas inegavelmente bela, para dizer a verdade, de uma beleza estonteante.
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