domingo, 13 de novembro de 2016

UM DELICADO EQUILÍBRIO






Sempre fui atraída por títulos originais de livros como muita gente também é. Por exemplo: Por quem os sinos dobram; O rumor da língua; Fragatas não pousam no mar, Em busca do tempo perdido; e milhares por aí. Há até os que compram livros pelo título. Bem, e quando o título parece não ter nada a ver com o livro?  
            No final dos anos 90 uma prima emprestou-me o livro “Um delicado equilíbrio” de Rohinton Mistry. Nada disse a respeito da história como de fato se deve fazer para não estragar a surpresa de quem vai ler. E eu me deparei com aquele calhamaço de 700 e tantas páginas. Segui firme. Achei o livro triste e real como é a vida muitas vezes. Mas o que quero mesmo dizer é que fui ficando intrigada porque eu esperava encontrar algo que denunciasse o título em algum lugar do livro, algo que tivesse a ver com o título. Às vezes me esquecia disso, de repente eu me lembrava e dizia para mim mesma, uai gente, onde é que esse título se encaixa? Por que um delicado equilíbrio? Mas foi só para o final que o título do livro apresentou-se e de maneira muito linda.
            Eu estava triste com a história, decepcionada com a humanidade, na esperança de que os fatos se revertessem, pois eu queria um fim melhor, mas na vida real eu sei que nem sempre isso acontece. Até que enfim o título se mostrou. O narrador diz que “o segredo da sobrevivência é abraçar a mudança e se adaptar”, e cita uma frase de W.B.Yeats: “Todas as coisas caem e são construídas de novo, e os que as constroem de novo são alegres”. E o narrador prossegue: “Não se pode traçar linhas e compartimentos e se recusar a ultrapassá-los. Às vezes temos que usar nossos fracassos como pedras para calçar nosso sucesso. Temos que manter um ‘delicado equilíbrio’ entre a esperança e o desespero – no final é tudo uma questão de equilíbrio.” Valeu a pena. Conformei-me e fui consolada por esta frase. Então é isso, pensei. Quando nada há a fazer é preciso construir tudo de novo, e assim seremos alegres de alguma maneira. Mas enfim, o título só apareceu no final. O que fiz? Escrevi essas frases porque sabia que se não fizesse isso, eu iria me esquecer. Comentando sobre a história com minha prima, ela me perguntou a razão do título, e eu contei como esperei o livro todo para entender. Tinha tudo a ver.
Achei muito sagaz o título surgir assim perfeito no momento exato. Outro exemplo de livro que seguiu por essa linha foi “O apanhador no campo de centeio” (The catcher in the rye) de J.D. Salinger. O livro inteirinho de cabo a rabo não tem campo de centeio nem apanhador nenhum. Só no finalzinho, acho mesmo que na última página é que surge a explicação do título do livro, e ela é gloriosa de linda! A emoção tomou conta de mim por inteiro. O personagem é o cara! Com todo aquele jeito displicente, confuso e rebelde, revela-se um sujeito singular, de um coração de ouro, um personagem anti-herói que na verdade é um grande e verdadeiro herói.
            Títulos à parte, li as críticas sobre o primeiro livro, “Um delicado equilíbrio”. Mais criticado do que elogiado, é uma história bonita que se passa na India, com começo, meio e fim, triste pra caramba, e muitas vezes a vida é assim, já disse isso! Eu gostei, fui até o final com uma grande esperança. Já o segundo, “O apanhador no campo de centeio”, foi um dos romances mais lidos nos Estados Unidos desde 1951 até hoje, principalmente pelos jovens adolescentes por tratar temas vividos por eles como angústia e perplexidade neste momento frágil da vida e que às vezes se prolonga por toda ela. Foi traduzido para quase todas as línguas do mundo e vendido para milhões e milhões de pessoas. O personagem Holden Caulfield tornou-se um símbolo da rebelião adolescente. Amei!
            Bem, como hoje em dia existem especialistas nas coisas mais inusitadas, não é a toa que nas editoras há pessoas especializadas somente em títulos, dessas que dizem pros escritores: “vai por mim, muda o título, a não ser que você não queira vender nada!” Elas sabem das coisas! Li um depoimento de Raphael Montes, um jovem escritor de sucesso, em que ele conta como mudou o título de seu livro a conselho de um especialista. Daí surgiu e estourou “Suicidas”.
           
      

             

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