domingo, 4 de dezembro de 2016

ABORTO - sempre re nasce a velha questão




            Causou-me espanto a notícia em 29/11 que a turma do Supremo decidiu que aborto até o terceiro mês não é crime. Invocam o direito “violado” da mulher sobre sua integridade física e psíquica. Para dizer a verdade não me causou espanto não. Já não é de hoje que a lei protege a mulher e não a criança que se desenvolve em seu útero. Evidentemente que mãe e filho são igualmente importantes, mas o bebê ainda não nascido é ignorado, desprezado e descartado. Assim, como bem questionou uma amiga, então o bebê até o terceiro mês de gestação não é considerado gente? Ele não pode se defender, mas é condenado.
            Em nome do direito à vida, não é permitido que alguém mate seu semelhante, então eu não posso entender, eu nunca vou poder entender como tantas pessoas defendem que a vida já iniciada de um ser no ventre da mãe pode ser legalmente interrompida, ou falando de forma mais dura, pode ser legalmente assassinada.
            Todas as vezes em que uma criança já nascida e crescida é abusada de qualquer forma pelos pais ou qualquer adulto, as fotos logo vão para a mídia e a indignação é total. Da mesma maneira, quando um pequeno se encontra em qualquer ameaça de perigo, seja em uma enchente, ou na janela de algum prédio, movem-se mundos e fundos para salvar a criança. Logo, lágrimas são arrancadas quando lá vem o bombeiro também chorando com o garotinho nos braços e aplausos explodem de todos os lados. No entanto, por que toda a raça humana não se une e não se move para salvar a vida da criança que ainda não pode ser vista, mas já existe dentro do corpo da mãe? Será que se mata tão facilmente porque o feto não chora, não grita, e, não sendo visto dilacerado, a consciência é aliviada? Faz sentido. Quando minha mãe cortava o pescoço do frango para depená-lo e prepará-lo para o almoço, nós crianças ficávamos indignadas com ela, ao que ela nos respondia: “não quero ver ninguém comendo frango na mesa, tá combinado?”. E na mesa o frango já cozido e cheiroso era tão diferente daquele que esperneava aflito. Já não nos lembrávamos de seu sofrimento. O que os olhos não veem o coração não sente? Então é assim?
            Não quero, não posso e não devo fazer nenhum julgamento. O que posso saber do sofrimento de uma mãe que já sabe que seu filho não nascerá normal, engraçadinho, esperto, inteligente e brilhante como os filhos dos outros? É um sofrimento extremo e incompreensível, mas de fato não posso saber a dimensão real do sofrimento que a mãe sente porque só ela sabe. Cada um é que sabe de suas dores e de suas cruzes. O que sei é que há uma vida indefesa que será assassinada. “Mas que espécie de vida esta criança terá” perguntam. Eu não sei. “Não será melhor que morra agora do que viver uma vida que não é vida?” Eu não sei. São perguntas que não sei responder, só sei que são questões dolorosas de abordar, quanto mais viver. Alegam que não se é possível falar com certeza o momento exato de quando a vida começa, ou dizendo de outra forma, quando o feto se torna um ser humano, ou para quem acredita em Deus, quando ele recebe uma alma. Para mim, é a partir da concepção, quando um ser novo se forma a partir dos que se uniram com ou sem a intenção de darem a ele uma vida. E há que se pensar que um dia este ser terá um rosto que poderá ser olhado e acariciado, um ser novo que tem direito a ter seus próprios direitos, assim como a mulher grávida se diz com o direito sobre seu próprio corpo. Ora, o que não pode é ela ter direitos sobre o corpo de outro ser, o do bebê que já vive dentro de seu útero. Este momento exato de quando a vida começa sempre foi e será mistério, não nos compete saber a exatidão dos mistérios porque já não serão mais mistérios. O que sei é que “a vida humana participa da vida de Deus”, como dizia o Cardeal Carlo Maria Martini.
            Mas meu Deus, mesmo que não se acredite em Deus ou na alma, é legal matar outro ser humano? Nunca vou poder entender.    
            Há mulheres que optam pelo aborto simplesmente porque não querem mais engravidar e que saem em defesa de outras indecisas incitando-as a fazerem o aborto. Dizem que este tal sofrimento pelo conflito de ter feito um aborto não existe, que elas próprias nunca sentiram, que se trata apenas de um argumento religioso que induz ao conflito. Porém sabemos que são feridas tão profundas que raramente se fecham, na verdade quase nunca. Sempre que estou presente quando alguma mulher conta que passou por certo perigo de vida, invariavelmente ouço que a primeira coisa que pensaram foi: “meu filho, minha filha”, naquela preocupação primeira e imediata que tem toda mãe. Como então separar este amor pelo filho nascido do não nascido ainda? Logo a mulher a quem foi legado hospedar, cuidar, proteger e amar o ser mais frágil e mais indefeso que existe! Para mim, abrigar e amar um bebê que se forma no ventre é a maior honra e o maior privilégio que uma mulher pode ter. 
            Evidentemente que há casos terríveis como mulheres que são vítimas de estupros. Neste caso eu sei que é quase impossível que tais mulheres possam sentir amor pela criança em seu útero. Sei que há mulheres que procuram fazer o aborto porque são praticamente obrigadas pelos maridos maus e violentos que as ameaçam diariamente. Sei que há mulheres pobres que abortam porque não têm mais como sustentar sozinhas tantos filhos. Sei que há adolescentes viciadas em drogas que abortam porque talvez tenham sido expulsas de casa. Sei de tantas coisas tristes que levam à prática do aborto, mas também sei que não é possível que a criança inocente que já é um ser com vida seja punida com a pena de morte. 
            Há muito tempo atrás uma conhecida nossa, uma mulher já com quatro filhos vivendo numa tremenda dificuldade financeira sofreu um acidente terrível, quebrou braços e pernas, teve o baço perfurado, bateu a cabeça, foi operada, ficou em coma e sei lá mais o quê. Mas foi se recuperando, e um dia chega o médico no quarto em que ela estava e lhe dá uma notícia surpreendente: “a senhora está grávida, apesar de tudo o que passou, apesar de todas as drogas que lhe demos, de todo o sangue que perdeu. Acredito que seja o caso de tirar esta criança porque a senhora está fraca demais para aguentar esta gravidez, e além disso, com toda a certeza, se o bebê não morrer antes, vai nascer com sérios problemas físicos e mentais de toda a espécie”. A mulher que nem sabia que estava grávida foi inundada de amor e compaixão ao saber que seu filhinho havia sofrido tudo aquilo junto com ela, e foi peremptória: “Nem pensar! Nunca! Ninguém vai tirar meu filho”. Pois a gravidez foi adiante, e nasceu seu quinto filho homem, perfeito, um garoto sensível e esperto. Naquela época não se era possível ainda detectar problemas antes do nascimento. A mulher correu todos os riscos, ela já amava seu filho. O médico ficou de queixo caído.
            Mas as histórias são diferentes, cada vida é uma história diferente. Carregar uma gravidez já sabendo que o filho é doente, que não haverá cura, que dia após dia força e coragem terão que ser arrancados dolorosamente do coração e que a vida será um mar de transtornos, é uma tristeza, eu sei. Mas o prêmio virá, acredite. Este amor é para todos, mas feliz é aquela que se dispõe a aceitar. O que parece ter sido negado a esta mãe um dia voltará de outra maneira. “Sua Majestade vos dará por outros caminhos o que vos tira por este”, já nos dizia Santa Teresa. Esta vida é um mistério. Não queiramos entender. Apenas respeitemos a Vida e Ela surpreenderá a todos nós.


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