A década era de 60, e nós, meninas.
Eu talvez, quase certo, era mais velha. De repente ela entrou em minha vida, ou
melhor, eu entrei em sua vida, e sem sua permissão, palmilhei cada centímetro
de sua personalidade, de seus sentimentos e até de seus pensamentos. Secretamente,
sem trocar uma palavra, e sem nada compreender, partilhávamos sentimentos
semelhantes. Sua vida era importante para mim, mas só fui perceber isso agora,
há um ou dois anos quando nos tornamos amigas no Face. Engraçado, o Face tem
disso, entre tantas exibições hollywoodianas, inclusive as minhas, ele une
pessoas que não se veem há muitos anos.
Bem, na verdade eu nunca mais a tinha
visto. Embora morássemos na mesma cidade, nunca nos encontramos na rua, e
acredito que mesmo que tenhamos nos topado em alguma esquina, não nos
reconheceríamos, nem eu a ela, nem ela a mim. Afinal lá se vão cinquenta anos. Mas
nunca a esqueci. Isso não. Volta e meia quando os fantasmas do passado assomam
à minha mente e me assombram, eu me lembro dela, e viajo no tempo. Ah, o tempo!
Essa curiosa invenção de Deus que de tudo faz um pouco, quero dizer, o tempo.
Ele cura feridas, ou pelo menos nos ajuda a conviver com elas, ainda que as
cicatrizes permaneçam eternamente. O tempo passa, deixa marcas em nosso corpo,
em nosso rosto, mas há uma coisa que ele não consegue fazer: expulsar a criança
que ainda existe e mora em nossas entranhas, em algum recôndito lugar de nosso
ser.
Eis que no lançamento do meu livro
há poucos dias, ela vem ao meu encontro, e eu, entre surpresa e encantada me
apressei a recebê-la. E o abraço que entre nós meninas não houve, fosse porque
não nos ensinaram que os abraços curavam, fosse porque ... por que? Não sei. Digamos
que simplesmente não sabíamos que os abraços existiam, era só estender os
braços e pronto. E se assim tivéssemos feito, teríamos trocado afeto, ternura,
entendimento, amor. E teríamos feito uma descoberta surpreendente e preciosa
para aqueles duros tempos antigos: o abraço cura, o abraço, conforta, o abraço
consola. Os adultos nos olhariam com estranheza, e quem sabe teriam
experimentado longe de nossos olhos aquela maravilhosa experiência do abraçar.
Enfim, o abraço que entre nós
meninas não houve, aconteceu depois de uma vida
inteira. E como foi bom! Como fiquei feliz ao abraçá-la! Pude enfim concretizar
um gesto que poucos entenderiam, talvez apenas nós. Ao abraçá-la percebi que o
tempo não apagou de meu coração as lembranças que carrego. Digo coração porque
a mente é impessoal demais, ou exata demais para carregar sentimentos, e há
lembranças que só o coração pode conter. O coração guarda tesouros
imensuráveis. Minha querida Cida, guardo em meu coração a lembrança de sua
franjinha curtinha, seus olhinhos redondos, seu jeito silencioso de ser e seu
vestido de Primeira Comunhão.
Obrigada, querida, por me honrar com
sua presença e me emocionar com essas lembranças. Obrigada pelo abraço que
atravessou o tempo, idades, mundos e galáxias, unindo as mulheres que somos
agora às meninas que fomos um dia. Que a vida lhe seja generosa sempre. Você
merece.
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