Logo
após a morte de minha mãe fiz uma crônica para elaborar meu luto. Neste Dia das
Mães, que também seria seu aniversário (dois dias depois do meu!), quis
homenageá-la de maneira diferente. Imaginei como seria uma carta dela hoje para
mim. Isso porque na crônica inicial, eu, dolorida e inconformada, perguntava
por ela: Onde está minha mãe?
Certamente ela diria: ora que
bobagem, gente! (ela era prática, objetiva! Usava demais esta frase). Chega de
chororô. Vocês agem como se fôssemos viver para sempre todos juntos! Viveremos
eternamente, mas não na vida terrena. Aí fazemos um ensaio, apenas um ensaio.
Aqui é a VIDA.
Não
há palavras que descrevam o Céu! A textura, as cores e tons! Tudo está muito
além do olhar humano e de qualquer explicação. A alegria é tão perene e forte
como a que as crianças bem pequenas sentem quando os pais as cobrem de carinho
e proteção. A luz do Céu é intensa, ela nos envolve com um fulgor igualmente
impossível de ser descrito. Entre as pessoas que me esperavam logo vi o papai.
Ele vinha em minha direção com uma felicidade plena, e vinha louvando a Deus.
Não usava mais aqueles óculos de lentes grossas, e seus olhos brilhavam. Era o
mesmo, tal qual eu me lembrava já adulta, porém sua juventude estava presente
mesmo apesar da idade! Ele sorria muito, abriu os braços e me apertou num
abraço de quebrar as costelas, como costumávamos dizer aí. Aqui somos invadidos
por uma alegria de tal forma que não sentimos necessidade de questionamentos e
explicações. Tudo é paz e tudo é perfeito.
Comentando seus dizeres no texto, eu
digo que sim, eu era uma mulher bonita! Obrigada! Rsss. (ela nunca soube
receber elogios!). Diziam que eu me parecia com a Ingrid Bergman, só que você,
Maria Luiza, sempre foi exagerada (escritores e poetas são mesmo!). A melhor
costureira de camisas de homem? Nem tanto, mas eu costurava bem, ah isso sim.
É mesmo, eu me lembro que sempre falava
isso: se eu não tiver nada para apresentar a Deus na minha última hora, pelo
menos apresentarei o peso das sacolas que eu trago do mercado para sustentar
minha família. Sim, é verdade. Mas Deus me apresentou tantas outras coisas que
também fiz. Fiquei surpresa. Ele me fez enxergar tanto mais do que eu enxergava
na minha pobre visão terrena.
Minha
querida menina! (Isso ela nunca disse, tinha um medo danado de estragar os
filhos!). Então você se lembra da toalha da princesa! Pois eu me lembro de
quando você rodeava a mesa seguindo o bordado! Nossa! Como a vida passa rápido!
E como a vida é frágil! Pois já é tempo de você aprender que as princesas
também envelhecem e morrem! Depende de como encaramos a velhice e a morte. Eu
nunca me importei nem com uma nem outra (é a pura verdade!).
Recebi
as rugas como coisa natural da vida! E também recebi a morte como fato natural.
Fiquei ansiosa porque caminhava sozinha, a princípio. O barqueiro não era
impiedoso como você diz em seu texto, e em seu barco havia muitas pessoas,
tantas quanto são as moradas do Céu e como são os caminhos que nos levam lá. A
morte é necessária até para nos fazer todos irmãos, li isso certa vez. É o
nosso grande encontro com o Pai. É a volta para Casa. É viver na glória eterna.
Manuel
Bandeira tinha razão em parte: “a vida assim nos afeiçoa, prende. Antes fosse toda
fel! Que ao mostrar às vezes boa, ela requinta em ser cruel”. Mas entenda
que enquanto estamos nessa vida terrena tudo dói! O medo, as doenças, o
desencanto com as expectativas que não foram realizadas. A vida prende, criamos
laços, contudo não queira ver a vida como sendo toda fel, não é. Às vezes é
boa, às vezes é cruel. Mas ainda é o que você tem no momento. Viva bem, seja
feliz, e sofra bem se tiver que ser assim e quase sempre é. Houve momentos tão
bons, sorrisos, sonhos! Como fui feliz ao ter cada um de vocês em meus braços!
O sofrimento faz parte! Confesso que ao final eu quase desisti de ser feliz,
mas Deus estava ali comigo, eu é que não percebi.
Não se preocupe com as coisas que ficaram por
dizer, ora que bobagem, gente! Tudo está bem. Amamos, sonhamos, sofremos,
vivemos. Enfrentamos tantas tempestades, nosso barco foi sacudido, as velas
arrancadas, mas no fim tudo ficou bem.
Eu sei que a
saudade é dolorosa. Eu estou do outro lado, você não vê. Não pode ainda. Mas a
sua princesa está bem, está no palácio do Rei, onde um dia todos nós estaremos
reunidos. Aqui somos engolfados gloriosamente por alegria e luz inimagináveis!
Realmente não há tristeza e Deus já nos enxugou toda lágrima, pois Ele removeu
de minha consciência qualquer medo ou preocupação, até a saudade.
Se você pudesse
ouvir a música celestial dos anjos! Revestidos de luz fulgurante, eles não
cantam músicas tristes, mas músicas lindas e santas de louvor a Deus, com
melodias e tons que eu nunca tinha ouvido nem imaginado. Também a impressão que
tenho é que cantam várias músicas ao mesmo tempo e todas combinam exatamente,
sem que uma atrapalhe a outra. Não há palavras que explique, já disse isso. Por
mais músicos geniais que Deus tenha nos presenteado em vida, nada há que se
compare à música celestial.
Ah, quase me
esqueço de contar: Nossa Senhora, a Bem aventurada Virgem Maria está presente
em todos os lugares. Nosso encontro foi divino, glorioso! Eu disse, emocionada:
“É a Senhora! O Senhor está contigo”, desde que aprendi em vida que estas são
as palavras mais nobres que podemos dirigir à Nossa Senhora (Santo Tomás de
Aquino). Ela sorriu e me agradeceu muito por todo o amor que sempre tive por
ela em meus anos de vida. Finalmente juntas!
Creia-me, Maria
Luiza (raramente ela me chamava de Misa), aqui não há tempo, não há tristeza,
só amor e felicidade!
Faltou falar dos
santos, ah os santos de Deus! Nem te conto!
O Céu é
extraordinário! (seu adjetivo preferido!).
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